sábado, 31 de março de 2007

Felicidade clandestina, de Clarice Lispector

Ela era gorda, baixa, sardenta e de cabelos excessivamente crespos, meio arruivados. Tinha um busto enorme, enquanto nós todas ainda éramos achatadas. Como se não bastasse, enchia os dois bolsos da blusa, por cima do busto, com balas. Mas possuía o que qualquer criança devoradora de histórias gostaria de ter: um pai dono de livraria.

Pouco aproveitava. E nós menos ainda: até para aniversário, em vez de pelo menos um livrinho barato, ela nos entregava em mãos um cartão-postal da loja do pai. Ainda por cima era de paisagem do Recife mesmo, onde morávamos, com suas pontes mais do que vistas. Atrás escrevia com letra bordadíssima palavras como “data natalícia” e “saudade”.

Mas que talento tinha para a crueldade. Ela toda era pura vingança, chupando balas com barulho. Como essa menina devia nos odiar, nós que éramos imperdoavelmente bonitinhas, esguias, altinhas, de cabelos livres. Comigo exerceu com calma ferocidade o seu sadismo. Na minha ânsia de ler, eu nem notava as humilhações a que ela me submetia: continuava a implorar-lhe emprestados os livros que ela não lia.

Até que veio para ela o magno dia de começar a exercer sobre mim uma tortura chinesa. Como casualmente, informou-me que possuía As Reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato.

Era um livro grosso, meu Deus, era um livro para se ficar vivendo com ele, comendo-o dormindo-o. E completamente acima de minhas posses. Disse-me que eu passasse pela sua casa no dia seguinte e que ela o emprestaria.

Até o dia seguinte eu me transformei na própria esperança da alegria: eu não vivia, eu nadava devagar num mar suave, as ondas me levavam e me traziam.

No dia seguinte fui à sua casa, literalmente correndo. Ela não morava num sobrado como eu, e sim numa casa. Não me mandou entrar. (...)

In Felicidade clandestina: contos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1987, p. 7ss.

Você, rara ou raro leitor, pertence à geração dos filhos de Monteiro Lobato? Ou à dos leitores de Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres, da Clarice? Fico pensando se Reinações de Narizinho poderá ter sido um tipo de Harry Porter da infância de Clarice, que os leitores, infantes e jovens, ficavam com desejo de comprar diante das vitrines das livrarias ou, ansiosos, esperavam chegar sua vez de ler na biblioteca. O que acha disso?

Você tem alguma estória de uma felicidade clandestina pra (nos) contar?

O que você acha que mudou ou não mudou nas práticas de leitura de livros?

Vale procurar na estante ou num sebo o Felicidade clandestina para reler esse e os outros contos de nossa escritora maior. Mas se gostar de livro com cheirinho de novo, na próxima visita à livraria, procure-o. E, após passar pelo caixa - lembre-se! -, saia “andando bem devagar” e leia-o calmamente em casa.

Há hoje um outro meio. Busque-o no Google e releia-o agora mesmo. E faça o seu comentário.

Foto: http://br.geocities.com/claricegurgelvalente/12_fotografias.htm

O valor da palavra, de Drauzio Varella, e mais




Naquele tempo, a palavra empenhada valia mais do que papel passado. Fui criado ouvindo que selar contrato com um fio de barba era a melhor forma de garantir seu cumprimento e que não havia condição humana mais desprezível do que a do homem sem palavra.Quando cresci, dei-me conta de que, na cidade que se modernizava, a palavra havia perdido o valor em meio a um emaranhado de leis confusas e de ações judiciais intermináveis. Só vinha ao caso o que estivesse registrado em cartório.
Contraditoriamente, assisti à recuperação do valor ético da palavra justamente entre aqueles que a sociedade considera sua escória mais indigna: os ladrões, os traficantes e os assassinos presos nas cadeias.

Excerto do artigo publicado, com o título acima, na Folha de S. Paulo, de hoje. Leia a íntegra em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq3103200724.htm

Vivemos um tempo em que a hegemonia do escrito, como referência cultural e mesmo legal, está sendo colocada em xeque. A cultura da oralidade retorna revalorizada, sob diferentes prismas. E não é d’agora. Em 1989, Ricardo Paseyro, um escritor uruguaio que era representante diplomático de seu país na França (até ser destituído após o golpe militar) publicou, pela Robert Laffond, o livro Éloge de l'analphabétisme à l’usage dès faux lettrés, que foi traduzido e publicado em português, em 1990, pela Europa-América, a grande editora de Francisco Lyon de Castro, sediada nos arredores de Lisboa, com o título Elogio do analfabetismo. E na capa dessa edição se acrescenta: “Ensaio sobre a incultura letrada ou de como foi usurpado o lugar dos depositários do verdadeiro saber”.

Não creio que o livro tenha tido grande repercussão. Hoje os tempos lhe seriam mais favoráveis. Fica a sugestão.
Quem sabe uma visão latino-americana poderia dialogar, em proveito do raro leitor, com o recente livro de Pierre Bayard, Comment parler des livres que l’on n’a pas lus (“Como falar de livros que não se leu”), que está sendo tema de "discussão" no Grupo Cultura Letrada http://groups.google.com/group/cultura-letrada , por proposta de Simone Amorim? E que Márcia Abreu (e nós) quer ver publicado no Brasil.

sexta-feira, 30 de março de 2007

Pesquisa americana sobre leitura de notícias na rede e em jornal impresso

Na web, usuários lêem mais as notícias que interessam. Leitores preferem informações em formatos diferentes. Pessoas que usam a internet para ler notícias prestam mais atenção ao que estão lendo do que leitores de jornais impressos, afirma um estudo norte-americano que refuta a idéia de que internautas não lêem muito.

Leia a matéria sobre a pesquisa no endereço acima. Embora não conclusivos, os resultados devem ser conhecidos e levados em conta; podem significar uma tendência de maior interesse do
leitor pela interatividade com o texto digital.
http://g1.globo.com/Noticias/Tecnologia/0,,AA1505412-6174,00.html

Lia Mônica, de Londres, continua sucesso aqui também




A "nossa" Lia Mônica Rossi está em Londres atualmente. Mas, como sombra!, está também na capa da revista (belíssima) TUPIGRAFIA 7, que será lançada amanhã, 31 de março, em São Paulo. Parabéns a todos. O número está ótimo.
Acesse o convite: http://www.tupigrafia.com.br/ e vá, se puder. Para quem mora perto é imperdível. Para quem é da área de design gráfico vale também acessar algumas imagens da revista em http://www.flickr.com/photos/tupigrafia para se animar a fazer a coleção.
E para quem está com saudades (como eu) da Lia Mônica e do José Marconi visite o sítio deles:
http://www.art-deco-sertanejo.com/ . O máximo!

quinta-feira, 29 de março de 2007

Exposição de haicais ilustrados












No Centro Cultural Paschoal Carlos Magno (Campo de São Bento - Icaraí - Niterói - RJ), de 4 a 15 de abril de 2007, acontecerá a exposição Haicais Ilustrados, reunindo os haicaístas Douglas Brotto, Gilda Uzeda, Leda Mendes Jorge, Lena Jesus Ponte, Luís Antônio Pimentel, Paulo Roberto Cecchetti e Wanderlino Teixeira Leite Netto e os ilustradores Alcione Marques, Aldo de Paula Fonseca, David Queiroz, Florentino, Gilda Uzeda, Miguel Coelho e Raquel Ponte.

O vernissage, no dia 4, às 19 horas, será dedicado à memória do artista plástico Miguel Coelho, recentemente falecido.
É para não perder.

Imagem: reprodução de "A bailarina", óleo de Miguel Coelho.

Emerson, de Jorge Luis Borges

Esse alto cavalheiro americano
fecha o volume de Montaigne e sai
em busca de outro gozo que não vale
menos, a tarde que já exalta o plano.
Rumo ao fundo poente e seu declive,
rumo aos confins que esse poente doura,
caminha pelos campos como agora
pela memória de quem isto escreve.
Reflete: Eu li os livros essenciais
e outros compus também que o negro olvido
não riscará. Um deus me há concedido
o que é dado saber a alguns mortais.
Por todo o continente anda o meu nome;
mas não vivi. Quisera ser outro homem.

In Nova antologia pessoal. Trad. de Rolando Roque da Silva. S. Paulo: Difel, 1982, p. 23.

O nascimento do “homem de letras”, segundo Marshall McLuhan (21/7/1911-31/12/1980)*

Sob as condições do manuscrito, o papel de um autor era tão vago e incerto quanto o de um menestrel. Daí que a expressão própria fosse de pouco interesse. A tipografia inaugurou um meio que possibilitou falar alto e bom som ao próprio mundo, como antes fora possível circunavegar o mundo dos livros, devidamente enclausurado no mundo pluralístico das celas monásticas. A audácia dos tipos criou a audácia da expressão.

A uniformidade também atingiu as áreas da fala e da escrita, as composições escritas passando a se pautar por um mesmo tom e atitude em relação ao leitor e em relação ao assunto. Nascera o “homem de letras”. Estendido à palavra falada, este equitom letrado capacitou os literatos a manterem um “tom elevado” mesmo em discursos contundentes e facultou aos prosadores do século XIX a possibilidade de assumirem qualidades morais que poucos hoje se preocupariam em imitar.

*Trecho do capítulo 18, "A palavra impressa, o arquiteto do nacionalismo", do livro Os meios de comunicação como extensões do homem [1964], traduzido por Décio Pignatari para a Editora Cultrix, de S. Paulo, 1969, p. 203.

Um depoimento de Mário de Andrade

Escrevo meus livros só nas horas vagas de minhas outras ocupações. No Brasil ainda é raro o escritor que pode viver dos seus próprios livros. Me dedico por isso ao jornalismo e ao professorado, que são ocupações sempre de ordem intelectual, e me conservam dentro da minha realidade primeira que é a arte. Gosto porém muito de arte culinária, invento pratos, e creio mesmo que se tivesse nascido noutra classe, seria algum cozinheiro famoso. E gosto enormemente de comer bem.

In “1933 – Resposta ao inquérito sobre mim pra [Editora] Macaulay”, nº 5, do livro Entrevistas e depoimentos, organizado por Telê Porto Ancona Lopez, publicado pela extinta T. A. Queiroz (TAQ), de S. Paulo, em 1983, p. 40.

Philobiblon, de Richard de Bury (1287-1345)

A notícia de nossa paixão pelos livros, sobretudo pelos antigos, se espalhou rapidamente e se difundiu a idéia de que se poderia ganhar nosso favor mais facilmente por meio de manuscritos do que por meio do dinheiro.

E graças àquele príncipe de memória prodigiosa, que nos outorgou o poder de rechaçar aos grandes ou aos pequenos, aconteceu que, em vez de presentes e dotes suntuosos, nos ofereciam abundantes cadernos imundos, manuscritos decrépitos e coisas semelhantes, que eram, tanto para nossos olhos quanto para nosso coração, o mais precioso dos presentes.

Diante de nós se abriram as portas das bibliotecas dos mais renomados mosteiros, os cofres se colocaram à nossa disposição e cestos cheios de livros se esvaziaram a nossos pés. Os volumes por tanto tempo esquecidos despertavam assombrados, já que jaziam nos cantos mais escuros das propriedades. Os mais belos textos antigos se encontravam, todos, em um estado miserável, cobertos de dejetos de ratos e semidestruídos pelas traças. Os livros, recobertos em outros tempos de púrpura ou linho e hoje completamente abandonados, deixados em um destino aziago, pareciam ter-se convertido em moradas de ratazanas.

Apesar disso, encontramos neles o objeto e consolo de nosso amor, e tivemos nessa época tão luminosa mais prazer do que um médico por vocação teria ao cuidar e salvar seus doentes. Desta maneira vieram parar em nossas mãos os sagrados receptáculos das ciências, fossem eles na forma de presente, fossem eles comprados ou, ainda, fossem eles apenas emprestados por algum tempo.

Excerto do capítulo VIII “Das muitas oportunidades que se apresentaram ao autor para adquirir livros”, do livro Philobiblon – Mui interessante tratado sobre o amor aos livros, escrito em 1344 pelo reverendo Richard de Bury, bispo de Durhan e chanceler do rei inglês Eduardo III, segundo a tradução de Marcello Rollemberg, publicada pela Ateliê Editorial em 2004 (p. 84-85).
http://www.atelie.com.br/

Este é considerado primeiro tratado de bibliofilia. Escrito originalmente em latim, havia sido traduzido em outras línguas, mas até 2004 permaneceu inacessível em nosso idioma. Por quê?
O preenchimento dessa lacuna em nossa bibliografia sobre livros se deveu à sensibilidade e ao faro de Plínio Martins Filho, um notável editor, e ao amor pelos livros do poeta e tradutor Marcello Rollemberg. A eles, o mérito. A nós, o deleite.

O Silêncio, de Arnaldo Antunes

antes de existir computador existia tevê
antes de existir tevê existia luz elétrica
antes de existir luz elétrica existia bicicleta
antes de existir bicicleta existia enciclopédia
antes de existir enciclopédia existia alfabeto
antes de existir alfabeto existia a voz
antes de existir a voz existia o silêncio

o silêncio

foi a primeira coisa que existiu
um silêncio que ninguém ouviu
astro pelo céu em movimento
e o som do gelo derretendo
o barulho do cabelo em crescimento
e a música do vento
e a matéria em decomposição
a barriga digerindo o pão
explosão de semente sob o chão
diamante nascendo do carvão
homem pedra planta bicho flor

luz elétrica tevê computador
batedeira, liquidificador
vamos ouvir esse silêncio meu amor
amplificado no amplificador
do estetoscópio do doutor
no lado esquerdo do peito, esse tambor

Composição: Carlinhos Brown e Arnaldo Antunes, do disco "O essencial de Arnaldo Antunes", da BMG, 1999.

Arnaldo Antunes lembra-nos ser o silêncio forma primordial na história da comunicação. Talvez, desde sempre, seja assim que estabelecemos os contatos mais profundos e intensos em nossas vidas, a comunhão.

quarta-feira, 28 de março de 2007

Lembrete aos pesquisadores da área da cultura letrada

Prepare seu texto para nosso encontro no XXX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação - na reunião do Núcleo de Pesquisa Produção Editorial - , em Santos (SP), e esteja atento aos prazos para enviar sua proposta, com texto completo:
Abertura: 10 de abril – Encerramento: 23 de maio
Mais informações: http://www.intercom.org.br/congresso/2007/chamada.shtml

segunda-feira, 26 de março de 2007

A palavra, de Carlos Drummond de Andrade

Já não quero dicionários
consultados em vão.
Quero só a palavra
que nunca estará neles
nem se pode inventar.
Que resumiria o mundo
e o substituiria.
Mais sol do que o sol,
dentro da qual vivêssemos
todos em comunhão,
mudos,
saboreando-a.


In cartaz da Exposição Comemorativa dos 80 Anos de Carlos Drummond de Andrade.
Biblioteca Nacional – Rio de Janeiro – Brasil, 1982.

Sinaes - Não dá pra deixar em branco!

Sim, foram 3 dias intensos (21-23março07) de trabalhos, aquisição de conhecimentos, compartilhamento de experiências e criação de novos vínculos com parceiros de área e de interesses profissionais.
Estávamos todos no curso de "capacitação" para entrar no Banco de Avaliadores do Sinaes (BASis), como avaliadores de curso de graduação no país. O espaço e a infraestrutura foram muito adequados. Tio Sam, em Camboinhas (Niterói). Poucas falhas e muitos acertos. E boa comida nas pausas para café, almoço, lanche... tentações irresistíveis. Ai de mim.
No mais, algumas vezes nossos colegas formadores pareceram mestre-escola (poucas), outras, excelentes facilitadores para os ingressantes nesse novo desafio. Estes nos transmitiram a consciência da responsabilidade de podermos, cada um, dar sua contribuição para melhorar a educação superior no país. Ave!
Foram dias em que alguns laços humanos se fortaleceram, outros se criaram.
E vem (mais) trabalho pelo frente!
PS: Sinaes = Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior
http://sinaes.inep.gov.br:8080/sinaes/

domingo, 25 de março de 2007

A história de uma editora pioneira em quadrinhos no Brasil





Recebo e transmito com satisfação a notícia que recebi de Paulo Adolfo Aizen, filho do fundador da EBAL, Adolfo Aizen:


"A longa trajetória da EBAL (Editora Brasil-América) vai ser relatada num livro, prestes a ser lançado. EBAL: fábrica de quadrinhos vai mostrar detalhes das seis décadas de vida da empresa. Fundada em 1945, foi uma das principais editoras de quadrinhos do país. (...)

O livro terá 120 páginas e vai trazer referências a mais de 10.100 revistas e 1.700 livros infantis. 'Eu coloquei todas as publicações da EBAL', diz o autor da obra, Ezequiel Ferreira Azevedo. O pesquisador comenta que era uma curiosidade que sempre teve: saber tudo o que a editora lançou."


A notícia foi veiculada inicialmente por Paulo Ramos, responsável pelo "blog dos quadrinhos", que aproveitamos para recomendar: http://blogdosquadrinhos.blog.uol.com.br/


Caro Paulo Adolfo, ficamos aguardando a notícia do lançamento. O livro será certamente uma boa contribuição à história editorial no Brasil. A EBAL e a família Aizen merecem.

sexta-feira, 23 de março de 2007

Luís Antônio Pimentel, 95 anos


O escritor Luís Antônio Pimentel, uma personalidade marcante e querida da cultura niteroiense será homenageado no próximo dia 29 de março, quinta-feira, quando completará o 95º aniversário, com um almoço na Praça Getúlio Vargas, em Icaraí.
A iniciativa é de Paulo Roberto Cecchetti e conta com apoio dos órgãos culturais da Prefeitura e das entidades representativas da cultura letrada tradicional da cidade.
O carinhosamente chamado "velho Pimenta" é um notável jornalista que freqüenta até hoje a redação diariamente e mantém a seção Artes Fluminenses no jornal A Tribuna, reproduzida também no Jornal de Icaraí, que é uma expressão do que ocorre na vida literária da cidade.
Sua trajetória de jornalista, poeta, historiador, folclorista, prosador, fotógrafo e "enciclopédia viva" é um exemplo de dignidade, coerência e generosidade.
A obra literária está disponível, em sua maior parte, na edição Obras reunidas de Luís Antônio Pimentel, em 3 volumes, organizada pelo neoblogueiro que lhes escreve, editada pela Niterói Livros em 2004.
Vol. 1 - Enciclopédia de Niterói;
Vol. 2 - Contos do velho Nipon - 12 dias com Leviana - Tankas e haicais;
Vol. 3 - Crônicas do rádio nos tempos áureos da Mayrink Veiga.
http://www.culturaniteroi.com.br
E-mail: livros@culturaniteroi.com.br
Telefone: 55-21-2621-5050
A foto é de José Chacon de Assis (recorte).

terça-feira, 20 de março de 2007

Perdemos um amigo e um notável bibliófilo

O médico-cirurgião Miguel Freitas Pereira, nascido em 29 de setembro de 1923, em Campos (RJ), formado pela Faculdade Fluminense de Medicina (1948), alcançou prestígio e reconhecimento na sua área profissional. Entretanto, podemos arriscar que grande parte de sua longa vida dedicou a ler e a formar a bela biblioteca pessoal, estimada em mais de 30 mil volumes. Era conhecido como um requintado colecionador de livros, com foco especial em obras de história da medicina, área que estudou profundamente. Mas seus interesses eram múltiplos. Lia os clássicos da literatura, no original, em várias línguas, incluindo o latim. E conhecia bem o grego clássico.

Quando conheci sua biblioteca fiquei impressionado não só com a riqueza de seu acervo mas com tantos cadernos manuscritos do que me pareceu serem rascunhos para um original de história da medicina ou da cirurgia. Uma obra sem fim de um leitor impenitente. Terá algum amigo ou discípulo para organizar e publicar suas notas, certamente ricas e preciosas?

Devo-lhe, além de reiterados gestos de atenção e gentileza, a indicação e a cópia de uma página de Pedro Nava sobre “Livros velhos de medicina”, publicada originalmente em 1947, no livro Território de Epidauro, que (ao que sei) só ele tinha – recentemente a Ateliê o reeditou –, da qual aproveitei em uma epígrafe de Livraria Ideal, do cordel à bibliofilia, 1999, um trecho: “O livro imundo, empoeirado, rasgado, fosco, desconjuntado, fervilhando de bichos e que vai ser espanado página por página, ungido em cada ferida, esticado, passado a ferro, restaurado, reabilitado, - e, finalmente, reintegrado na vida das estantes vivas!”.

Miguel Freitas Pereira creio que só publicou um livro, de poesia, em parceria com outro médico poeta, Carlos Cesar Soares, Duas faces do prisma, editado pelo Grupo Mônaco, de Niterói, em 1975.
Qual o será o destino de seus livros? Sua biblioteca é talvez o melhor espelho da vida de Miguel Freitas Pereira, o querido Dr. Miguel, conhecido de todos os sebistas do Rio de Janeiro e fraternal amigo de Carlos Mônaco, o maior de Niterói.

Dos progressos do espírito humano, por Condorcet (1743-1794)

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Não se suspeitava que os direitos dos homens estivessem escritos no livro da natureza e de que era preciso evitar consultar outros. Era nos livros sagrados, nos autores respeitados, nas bulas dos papas, nos rescritos dos reis, nas compilações dos costumes, nos anais das igrejas, que se procuravam as máximas ou os exemplos dos quais podia ser permitido extrair conseqüências. Não se tratava de examinar um princípio em si mesmo, mas de interpretar, de discutir, de destruir ou de fortificar, por outros textos, aqueles nos quais eles se apoiavam. Não se adotava uma proposição porque ela era verdadeira, mas porque ela estava escrita em tal livro; e porque ela tinha sido admitida em tal país e desde tal século.

Assim, em todas as partes, a autoridade dos homens tinha substituído a autoridade da razão. Estudavam-se os livros muito mais do que a natureza, e as opiniões dos antigos antes que os fenômenos do universo. Esta escravidão do espírito, na qual não se tinha ainda nem mesmo o recurso de uma crítica esclarecida, foi então mais nociva aos progressos do espírito humano, pela direção que ela dava aos espíritos do que por seus efeitos imediatos. Estava-se tão longe de ter alcançado os antigos que ainda não era hora de procurar corrigi-los ou ultrapassa-los.

Durante essa época, os costumes conservam sua corrupção e sua ferocidade; a intolerância religiosa foi até mesmo mais ativa; e as discórdias civis, as guerras particulares dos senhores substituíram as invasões dos bárbaros. Na verdade, o galanteio dos menestréis e dos trovadores, a instituição de uma cavalaria professando a generosidade e a franqueza, dedicando-se à manutenção da religião e à defesa dos oprimidos, assim como ao serviço das damas, pareciam dever dar mais suavidade, decência e elevação. Mas essa mudança não alcançava a massa do povo, estava limitada às cortes e aos castelos. Disso resultou um pouco mais de igualdade entre os nobres, menos perfídia e crueldade em suas relações entre si; mas seu desprezo pelo povo, a violência de sua tirania, a audácia de sua pilhagem permaneceram
as mesmas; e as nações, igualmente oprimidas, foram igualmente ignorantes, bárbaras e corrompidas.

Este espírito de galanteio, esta cavalaria, devidos em grande parte aos árabes, cuja generosidade natural resistiu por muito tempo, na Espanha, à superstição e ao despotismo, sem dúvida foram úteis: eles difundiram os germes de humanidade que só deviam frutificar em tempos mais felizes; e este foi o caráter geral dessa época de ter disposto o espírito humano para a revolução à qual a descoberta da tipografia devia conduzir, e de ter preparado a terra que as épocas seguintes deviam cobrir com uma colheita tão rica e tão abundante.
*
In “Sétimo período – Desde os primeiros progressos das ciências, quando de sua restauração no Ocidente, até a invenção da tipografia”, capítulo do livro Esboço de um quadro histórico dos progressos do espírito humano [1793-1794]. Campinas: Ed. da Unicamp, 1991, p. 107-8.

Livros, de Hermann Hesse

Todos os livros de mundo
felicidade alguma hão de trazer-te,
pois te remetem misteriosamente
em retorno a ti mesmo.

Aqui tens tudo de que necessitas:
sol, estrelas e lua
– pois a luz que querias
em ti mesmo reside.

Sabedoria, que tanto buscavas
em bibliotecas,
em cada uma destas folhas brilha agora:
e é tua, toda.

In Antares, Antologia poética. Trad. de Geir Campos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1976, p. 111.

Você concorda? Os livros de Hermann Hesse, lidos especialmente na minha juventude, foram experiências interiores inesquecíveis (além de estéticas, claro). Apenas porque me mostraram o que estava dentro de mim, leitor? Ou porque me permitiram vivenciar e compartilhar as experiências narradas pelas personagens criadas pelo autor - nascidas das suas vivências?

"Os livros não transformam o mundo. Os livros só transformam as pessoas. As pessoas é que transformam o mundo" era o mote (versos de Mário Quintana?) da Editora Brasiliense, de Caio Graco Prado.

Será isso?

sábado, 17 de março de 2007

Uma peça radiofônica imperdível, mas antes uma breve historinha:

Tenho duas páginas no Orkut. Uma é uma brincadeira de algum aluno, marcado pelas minhas aulas de História da Comunicação, baseadas em sua maior parte na obra de Herbert Marshall McLuhan, um gênio do pensamento comunicacional, que soube “sair do aquário” para perceber as transformações culturais que então se operavam nas décadas de 1950-1960 - e por que - e as transmitiu a nós em escritos dispersos (que ora estão sendo reunidos) e em obras fundamentais, como A Galáxia de Gutenberg (editada no Brasil pela Cia. Editora Nacional), Os meios de comunicação como extensões do homem (editada no Brasil pela Cultrix) e Os meios são as massa-gens (editada no Brasil pela Record).
A página, que até hoje não sei quem fez, está lá, com algumas bobagens e com coisas certeiras.
Ela tem feito com que alguns outros apreciadores da obra de McLuhan entrem em contato comigo. Tirando o fato de que só ocasionalmente visito a página, o que faz com que muitas vezes só leia os recados muito tempo depois de escritos, e assim deixe amigos irritados com minha demora em responder, acho que ela me tem trazido boas surpresas. Uma das melhores foi o contato de Roberto D’Ugo Júnior, que me mandou uma dica para conhecer sua peça radiofônica baseada numa reunião de textos de Samuel Beckett e McLuhan. Fui conferir e fiquei encantado. Recomendo a todos os meus 2 ou 3 leitores.

INTERFACE ALTERFACE - Roberto D Ugo Samuel Beckett Marshall McLuhan

O INOMINÁVEL: INTERFACE/ ALTERFACE - PEÇA RADIOFÔNICA. VERBORRAGIA. AGONIA DO RÁDIO.

Roberto D’Hugo Júnior apresenta “Interface/Alterface”, peça realizada em 1995 na Cultura FM de São Paulo. O rádio – veículo e também linguagem - é o principal personagem desta produção experimental que aproxima de maneira improvável textos de Marshall McLuhan e Samuel Beckett. Destaque para depoimentos do radialista Fausto Macedo e do compositor H. J. Koellreutter, além de interpretações brilhantes de Hélio Vaccari e Fernando Uzeda. A introdução está na voz de Regina Porto, grande expoente da radioarte no país, cujo incentivo foi fundamental para a realização desta peça

Acesse em: http://www.podcast1.com.br/canal.php?codigo_canal=107

Sobre o leitor, sempre plural

Acabo de ler o artigo "Leitor é sempre plural", de Lígia M. Moreira Dumont e Patrícia Espírito Santo, da UFMG, publicado no jornal Estado de Minas, de hoje, e enviado por Hugo&Cândida para sua lista de leitores, dentre os quais me incluo.
Sugiro a todos que leiam o artigo que propõe algumas reflexões sobre a leitura de romances da (mal) chamada literatura de massa. Para facilitar, transcrevi o texto na página "Cultura letrada na mídia" do grupo do google Cultura letrada www.groups.google.com/group/cultura-letrada .
Leia e proponha uma discussão.

O blog de Galeno Amorim

Recebi hoje mensagem do amigo Galeno Amorim, antigo companheiro de minha breve viagem pelo Proler, da Biblioteca Nacional, presidida pelo querido Muniz Sodré, e que me propiciou uma empenhada e otimista participação na elaboração do Plano Nacional do Livro e da Leitura (PNLL). A mensagem, coletiva, indicava que seu blog está na rede.
Fiz uma visita que foi breve diante de tantas informações e de um conteúdo tão rico.
Faça você, leitora ou leitor, sua visita para conhecer e o coloque também entre seus favoritos (ao lado do nosso modesto Ler, escrever e contar). Nossas viagens por lá serão, com certeza, de grande proveito. O endereço é:
www.blogdogaleno.com.br

sexta-feira, 16 de março de 2007

A plenitude da amizade

Quinta-feira, 15 de março, vivenciamos a experiência plena da amizade. Desde cedo esperávamos a sua chegada ao Rio, para uma banca na ECO-UFRJ. Havíamos combinado um jantar e, finalmente, sua visita a nossa casa. Nada é fácil, especialmente para quem é ocupado como ela (e nós), vivendo em cidades metropolitanas, com distâncias enormes e grandes congestionamentos de trânsito. Por isso, é sempre necessário determinação para se conseguir abrir um espaço para, simplesmente, cultivar a amizade, o encontro, o carinho e a cumplicidade nos afetos.
A visita dela dissipou a ansiedade da espera, a partir do momento do encontro junto à belíssima praia de Copacabana. Por túneis chegamos à ponte Rio-Niterói que nos oferece vistas lindíssimas da baía de Guanabara e das duas cidades que ficam em cada banda de sua boca. Começamos a desfrutar da alegria do encontro. Em casa, o carinho, a atenção, o cuidado. Plenos dos sentimentos de afeto, afinidades e gentileza. Um vinho do Porto.
O pequeno restaurante, acolhedor e quase requintado. Saboreamos todos, em família, a comida e seus finos temperos. A visitante, com seu modo de ser e de olhar a vida e as gentes, gentil e generosa com tudo e todos. Confundida (mais uma vez com a cogitada futura ministra), mostra sua elegância para lidar com as semelhanças e as diferenças.
Quase não se falou de trabalhos e academia, embora haja tantas vivências comuns também aí. E sim da viagem que fez a Cuba, da família, da experiência renovada com a natureza, os caninos e as árvores. Ao deixá-la de volta ao hotel, sua presença permaneceu conosco, com a plena expressão da experiência da amizade e nos sentimos felizes. Com a certeza de que assim será no nosso próximo encontro, adorável S.
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quarta-feira, 14 de março de 2007

Hoje, Dia Nacional da Poesia, você sabia?

Brasil comemora Dia Nacional da Poesia nesta quarta

O Brasil comemora nesta quarta-feira, 14 de março, o Dia Nacional da Poesia, que propositalmente coincide com a comemoração do nascimento do escritor baiano Castro Alves (1847-1871), um dos principais poetas do Romantismo.

Entre os conhecidos trabalhos de Castro Alves estão "Espumas Flutuantes" e "Navio Negreiro", que representam suas principais temáticas: o amor e a luta por justiça e liberdade. Defensor da sociedade abolicionista, ele também era conhecido como o poeta dos escravos. Justamente por conta dos ideais do escritor, que morreu com apenas 24 anos, o Brasil elegeu seu aniversário para comemorar a poesia. Quando surgiu, a apresentação dos textos era acompanhada por um instrumento musical chamado lira, por isso a inclusão da poesia no chamado gênero lírico, independentemente do texto retratar tragédias. Mas se geralmente --mais ainda antigamente-- a expressão "poesia" se aplicava à estrutura de texto em versos, com ritmo específico, divisão em estrofes e rima, desde o modernismo ela ganhou novos contornos e subtítulos, como a chamada poesia concreta.

Fonte: Folha de São Paulo, 14/3/2007 Folha Online http://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u69278.shtml

Castro Alves, hoje, 160 anos de nascimento (14/3/1847-6/7/1871)

O livro e a América
...................................
Por uma fatalidade
Dessas que descem de além,
O séc’lo, que viu Colombo,
Viu Gutenberg também.
Quando no tosco estaleiro
Da Alemanha o velho obreiro
A ave da imprensa gerou...
O Genovês salta os mares...
Busca um ninho entre os palmares
E a pátria da imprensa achou...

Por isso na impaciência
Desta sede de saber,
Como as aves do deserto –
As almas buscam beber...
Oh! bendito o que semeia
Livros... livros à mão-cheia...
E manda o povo pensar!
O livro caindo n’alma
É gérmen – que faz a palma,
É chuva – que faz o mar.

Vós, que o templo das idéias
Largo – abris às multidões,
Pra o batismo luminoso
Das grandes revoluções.
Agora que o trem de ferro
Acorda o tigre no cerro
E espanta os caboclos nus,
Fazei desse “rei dos ventos”
– Ginete dos pensamentos.
– Arauto da grande luz!...
..............................................
Fragmento de Espumas flutuantes [1870]
_____________
Indagações:
Entre as esperanças de uma época, do canto de Castro Alves, e o momento atual de Henrique Chaudon, de retorno à sabedoria da natureza e a um amor silencioso e terno pelos livros, que se passou?
Por que o trem de ferro – “que espanta os caboclos nus” – não foi acompanhado pelo “ginete dos pensamentos”, "arauto da grande luz"? Ou foi?

Poemas, de Henrique Augusto Chaudon

Noturno

A noite é silenciosa.
Um gesto
a quebraria em mil pedaços.
Talvez um grito
Não a estilhaçasse tal um gesto.
É hora de ficar parado
sentado imovelmente na cadeira.
Vejo a noite em meu redor:
Desgasta a pedra, os campos,
meus cabelos, tudo quanto toco.
Não me esforçarei agora.
Sentado aqui nesta cadeira
ouvirei seu falar mudo e convincente:
ensina mais que os longes todos,
mais que os alfarrábios.

Mais,
muito mais.

Encontros

De minha estante
um a um
convoco mortos que ainda falam.
Outras vozes
há muito caladas
no vinil vão acordando.
Recostado na poltrona amiga
reverente
ergo o meu vinho:
o mesmo velho sol aquece a sala.

Fidelidade
(para um amante de livros)

Amoroso
pleno de prazer
visitas os teus velhos livros.
De dorso em dorso passeias
e relembras.
Teus longos dedos
trêmulos de pudor e de desejo
mal roçam as suas peles crespas.
Se entreabertos
eles te trazem o universo
o cheiro
das entranhas do universo.
Ansioso, terno
as páginas penetras
cuidando serem virgens.
E elas
em sua calma complacência
uma vez mais
te acolhem.

(do livro Poemas, Niterói: Parthenon, 2005)
http://www.parthenon.art.br/

terça-feira, 13 de março de 2007

Leituras, hoje, na Inglaterra

Gastam 16 mil numa vida em livros pra não ler nem a metade
15:15 Estou com 4 livros na cabeceira da minha cama. O 1º que comprei foi 'Emotional Intelligence' do Daniel Goleman. Comecei a ler e tal, mas no meio do caminho resolvi comprar outros 3 livros - 'The Definitive Guide of Body Language', 'Kundalini Tantra' e 'The Media Equation - How People Treat Computers, Television, and New Media Like Real People and Places'. Agora, cada vez que chego em casa, resolvo qual deles vou ler. Ler livro, pra mim, tem muito a ver com o meu humor e assunto de interesse naquele dia.

Mas eu sei que nem todo mundo é assim. Segundo pesquisa realizada aqui, os ingleses gastam mais de R$ 16 mil comprando livros ao longo de suas vidas, mas não terminam de ler nem a metade. Entre as desculpas estão 'cansaço' (48%), 'ver televisão' (46%) e 'jogar no computador' (26%). Sempre existe uma desculpa, né? Na lista dos mais não-lidos de ficção estão 'Harry Potter and the Goblet of Fire', da JK Rowling, 'Os Versos Satânicos', do Salman Rushdie, e 'O Alquimista', do Paulo Coelho. 13/03
Yami Trequesser em Londres
Fonte: Bluebus 13.03.2007
http://www.bluebus.com.br/show.php?p=1&id=75309

Minhas perguntas: Serão desculpas ou justificativas? O que terá de diferente a situação em relação ao Brasil?

segunda-feira, 12 de março de 2007

Para rememorar a Ilha




















Um pequeno fragmento de Armadura, espada, cavalo e fé, de Cleber Teixeira, requintado poeta e admirável tipógrafo-editor da Noa Noa na linda ilha de Florianópolis, para aplacar um pouco a saudade do amigo e dos dias que lá passei, convivendo, ensinando e aprendendo na sua Oficina sobre a arte de fazer livros.
...............................
Agora, convém dar a
estes mortos tão vivos
o merecido sossego.

E mais direito ao sossego
tem o morto que decidiu
partir por conta própria.
E não cometerei a tolice
de dizer que os poetas
têm pressa de partir
porque carregam
nas costas as dores do mundo.

Muito pelo contrário,
as dores do mundo
é peso demais
mesmo para o melhor dos poetas.
Não foram poucas
as vezes que estive
perto de considerar a poesia
refúgio de fracos,
de homens inúteis
(que são lidos por
outros inúteis).
De homens que por
não saberem onde
fica a porta de entrada
e menos ainda a de saída
fazem do não saber
seu ofício e arte
de dolorosa feitura.
Continuo bem perto
de achar tudo isso,
mas não se pode
dizer que não dói
este eterno fazer e desfazer,
construir e desconstruir
que se impõem os poetas
quando perseguem
“a palavra essencial”,
a forma intocável
com o ostinato rigore.
.................................

Israel Pedrosa lançará novo livro




Israel Pedrosa, o consagrado pintor de O Brasil em Cartas de Tarô, autor do clássico Da cor à cor inexistente, lançará pelo mesmo editor, Léo Christiano, o livro Na contramão dos preconceitos estéticos da era dos extremos, uma reunião de artigos e ensaios sobre Portinari, Siqueiros, Quirino e Hilda Campofiorito, Sigaud, Newton Rezende, Geir Campos e Monteiro Lobato, dentre outros.
O lançamento está programado para acontecer no Museu Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro, dia 16 de maio próximo, às 16h, com palestra do autor.
Completando 81 anos no próximo dia 18 de abril, Israel Pedrosa continua em plena atividade criadora, preparando outro livro Dez aulas magistrais, para o qual vem produzindo réplicas de obras dos artistas que elegeu como os grandes mestres: Da Vinci, Hieronymus Bosch, Turner, Klee, Cézanne, Van Gogh, Vermeer, Portinari, Siqueiros e Pollock. Algumas pistas desse grande projeto já podem ser conhecidas no livro anterior de Pedrosa, O universo da cor, lançado em 2003, pela Editora Senac Nacional.
Um acontecimento cultural e artístico a não perder.
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domingo, 11 de março de 2007

Se um viajante numa noite de inverno, de Italo Calvino

Os livros e as suas leituras ou escrituras inspiraram, desde D. Quixote, muitos romances, contos e poesias. Creio que a situação atual da cultura letrada foi certamente melhor retratada neste belo romance do escritor italiano (nascido em Cuba) do que em qualquer trabalho ensaístico. Sua leitura abriu-me uma janela privilegiada (ao lado de um dos grandes escritores contemporâneos) sobre a experiência do ler, do escrever, do editar livros, sobre autoria e a contrafação, num texto belíssimo. Ítalo Calvino (1923-1985) foi também ensaísta e crítico da cultura contemporânea. Teve ainda uma experiência como colaborador da editora Einaudi.
Volto sempre a esta obra iluminadora. No Brasil foi feita uma tradução (por Margarida Salomão) editada pela Nova Fronteira, em 1982, de onde retirei o trecho abaixo, e há também outra, editada pela Cia. das Letras, que me faz lembrar de uma querida amiga que ma presenteou.

"Há uma linha que separa: de um lado os que fazem livros, de outro os que lêem. Quero continuar a fazer parte daqueles que lêem, e por isso presto muita atenção para me manter sempre deste lado da linha. Senão, o prazer desinteressado de ler já não existe, ou ao menos se transforma em alguma outra coisa, que não é o que eu quero. É uma fronteira imprecisa, que tende a desaparecer: o mundo daqueles que têm relação profissional com os livros está cada vez mais povoado, e tende a se identificar com o mundo dos leitores. Evidentemente os leitores também são cada vez mais numerosos, mas pode-se dizer que o número daqueles que utilizam os livros para produzir outros livros cresce definitivamente mais depressa que o número daqueles que gostam dos livros para ler. Sei que se eu transpuser o limite, mesmo acidentalmente, arrisco me perder, nesta maré que sobe; conclusão: recuso-me a pôr, mesmo por alguns minutos, os pés numa editora."

Proponho a você, leitor ou leitora, que, se ainda não leu, busque esta obra em alguma livraria ou sebo e leia-a. Aos que a leram, convido a compartilharem conosco suas impressões de leitura.

sábado, 10 de março de 2007

Tributo a Miguel Coelho, de P. R. Cecchetti

Lá vai o mago Miguel
pelas ladeiras do arco-íris.
Parte brincando
feito menino
lambuzando-se de cores
e risos.
Levando com ele,
nesse tempo telas, querubins.
Nas paredes da sala
Madonas ensoam cânticos
que renascem em acordes
inseparáveis
dos amigos que tocam
na Jazz Band Salina.
Saudades...
Recordo sempre Miguel,
magro e meigo,
com suas histórias mineiras
de Matipó.
No pincel sobre a palheta
multifacetada de cores
há quadro por terminar...
(10.03.2007)

sexta-feira, 9 de março de 2007

Veleiro em mar de ouro de mel, M. Coelho

Posted by PicasaConheça mais sobre a obra de Miguel Coelho: http://www.miguelcoelho100.kit.net/

A um amigo querido, Miguel Coelho

Acabo de saber, pelo telefonema da Leda, que você partiu, agora de manhã. Sua vida deixa um rastro de luz, de generosidade, de decência, de serviços prestados às causas da arte, da fraternidade e da justiça, vividas a partir de seu cotidiano em nossa amada Niterói. Vá em paz, querido Miguel, e vá com a consciência plena de dever cumprido.

Do folder/catálogo da Exposição Miguel Coelho: 50 anos de pintura, promovida pela Prefeitura de Niterói, com curadoria de Paulo Roberto Cecchetti, no Centro Cultural Paschoal Carlos Magno, no Campo de S. Bento, em Niterói, de 2 a 27 de agosto de 2006:

50 anos de múltiplas artes
Aníbal Bragança

Miguel Coelho já era artista completo – sua primeira exposição no Museu Antônio Parreiras é de 1956 (daí o cinqüentenário, óbvio) – quando se inaugurou, dez anos depois, ali perto do Museu, a Livraria Encontro (logo depois transformada em “Diálogo”).
A criação, então recente, da nossa Universidade, na qual Miguel Coelho viria a trabalhar, abrira um novo horizonte na cidade, inclusive para o sucesso de sua primeira livraria “moderna”, com os últimos lançamentos e livros importados, e pretensões a ser, desde o começo, um centro cultural ativo e “progressista”.
Miguel Coelho fez uma de suas primeiras exposições individuais na Encontro. Passou a freqüentá-la e a ser, sem querer, um mentor para os estudantes livreiros. Discreto sempre, mas um observador atento a tudo. Alegre, impressionava pela simplicidade e pelos seus talentos, inclusive o de contador de histórias, às vezes, mordaz.
Amigo de César de Araújo e Gastão Neves, era também ótimo poeta, sendo premiado no Concurso Nacional de Poesia Falada, evento promovido com muito sucesso na cidade, em 1968 e 1969. Alguns dos poemas de Miguel Coelho estão publicados na Antologia poética do Grupo Salina, organizada por César de Araújo, em l969, e na Antologia Água Escondida, editada por Neyde Barros Rego, em 1994.
Poucos conhecem os seus contos, que há muito deveriam estar em volume a circular nas livrarias do país e lidos pelos que apreciam a boa literatura brasileira. Miguel foi o vencedor do Concurso de Contos LIG/Pasárgada, em 1977, com o conto Bolo de aniversário, e também do Concurso Literário Stanislaw Ponte Preta, promovido pela Rio-Arte, da Prefeitura do Rio de Janeiro, em l995, com o conto “Olocotorp”.
Certamente a cultura de Niterói seria menos rica sem o trio que Miguel Coelho compunha com Luís Antônio Pimentel e Alaor Eduardo Scisínio, até este tristemente nos deixar. Esse trio agora se forma com Paulo Roberto Cechetti.
Uma das marcas impressas por Miguel Coelho na nossa vida literária está nas capas e ilustrações de inúmeros livros editados em Niterói e fora daqui, além dos belos álbuns que criou com seus bicos-de-pena, reproduzindo com fidelidade fortes, igrejas e fazendas fluminenses para a preservação de nossa memória patrimonial.
Miguel é também compositor premiado. Medalha de Ouro do II Festival Fluminense da Canção Popular, em 1968, e troféu de melhor samba-enredo de Niterói, em 1972, com o samba Jorge Amado pede passagem, feito em parceria com Adalu Pimentel. Sua música, com Chico Aguiar, Aleluia/aleluinha para cinco cavaleiros, foi finalista no V Festival Internacional da Canção (V FIC), em 1970, promovido pela TV Globo, além de ter sido a grande vencedora no IV Festival Fluminense da Canção Popular, no mesmo ano.
Quando se fizer a história cultural de nossa cidade, da segunda metade do século XX até hoje, Miguel Coelho necessariamente será um de seus personagens mais destacados, e não apenas como o grande artista plástico que é.
Feliz, assim, deve sentir-se a cidade-sorriso neste cinqüentenário artístico de Miguel Coelho, o mineiro de Matipó que se tornou um niteroiense que engrandece a cultura brasileira.

Lição, de Geir Campos

Sai desse livro, meu filho, e dá um pulo cá fora:
olha esta rua
onde a boiada não passa
nem passa boi
mas moreninha do cabelo cacheado
passa e passa moreno e passa preta
e passa preto e passa branca e passa branco
numa lição de cores brasileira
humanizando o azul da tarde franca.

Agora vai naquele muro e caligrafa este exercício:

"Abaixo o Homem Sanguessuga do Homem!"

Depois, querendo, volta a ler teu livro.

segunda-feira, 5 de março de 2007

Da leitura do fim de semana, a dissertação de Maria Lygia Cardoso Köpke Santos, em um rico depoimento

Entrevista concedida - em 4 de abril de 2001 - por D. Alice a Maria Lygia Cardoso Köpke Santos (uma das sete que fez) nas pesquisas (em depoimentos orais) para a dissertação de mestrado “Entre louças, pianos, livros e impressos: A Casa Livro Azul – 1876-1958”, apresentada à Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em 2004, sob a orientação de Norma Sandra de Almeida Ferreira, a ser publicada em livro neste ano de 2007.

D. Alice:
Eu penso que o gosto pela leitura depende muito dos pais que influenciam as crianças, porque quando eu era menina, eu me lembro, eu estou com 84 anos agora, quando eu era menina meus pais tinham muitos livros, eles incentivavam os filhos a lerem, também porque naquele tempo não tinha televisão, a gente não tinha rádio, havia bem menos distrações. A gente se dedicava muito mais à leitura, era como um passatempo mesmo. (...)
Nós fazíamos às vezes uma leitura em família, ou minha mãe contava histórias.
Às vezes, hoje, eu conto histórias para os meus netos, mas as crianças de hoje são muito mais irrequietas, elas não têm muita paciência pra ficar sentado. Os passatempos são outros agora. (...)
Eu fazia intercâmbio de leitura com as minhas amigas, uma trocava o livro com a outra. Elas compravam alguns também. Eu gostava de ler no meu quarto, sentada na cama, acomodava bem o corpo com o travesseiro. Gostava de ler à noite, principalmente. Deitava cedo, 7 horas, 7 e meia eu já ia para o meu quarto e ficava lendo. (...)
Na escola eu lia os livros que eram indicados para o ano letivo, em casa eu lia romances. Li muito Dely, Henri Ardel, depois houve um tempo em que eu passei a gostar muito de aventuras, aqueles livros de Rafael Sabatini e uns outros que não me recordo mais. Depois fui evoluindo um pouco mais e passei a ler livros mais clássicos, como Eça de Queiroz, Júlio Dantas. Eu gostava muito de ler poesias. Minha irmã também gostava demais de poesias. Então nós líamos muito as poesias de Olegário Mariano, Guilherme de Almeida. Eu não declamava poesias, apenas lia para o meu gosto. (...)
Eu e meu marido tínhamos gostos de leitura diferentes. Líamos quando tínhamos tempo. Conforme o tempo foi passando a vida foi ficando mais agitada, não era mais como antigamente quando não tinha televisão nem rádio e a gente tinha tempo pra ler à vontade.
Depois veio a televisão, o rádio e outras coisas, e a gente já não foi tendo tanto tempo pra ler. Mas sempre se lia muito. (...)
Não leio assim em seguida, mas leio sempre. (...) Também leio muito jornal. Gosto muito de ler jornais.
Veja nas prisões, aquele colosso de gente amontoada que nem bicho. Se em cada prisão tivesse uma biblioteca, que essas pessoas pudessem ler, passar o tempo, eles não sentiriam aquela solidão. Leitura é uma companhia. Eles se sentiriam outras pessoas. É verdade que muitos nem sabem ler e escrever, mas se tivesse um curso de alfabetização em cada prisão e uma biblioteca, acho que a vida seria bem melhor. Olha, se fizessem isto seria uma coisa tão humana, e não haveria estas revoltas. Eles ficam sem fazer nada, sem um passatempo. A leitura é uma companhia. E quem tem uma leitura boa não tem solidão. É uma viagem. (...)
Agora faz um tempinho que eu não estou lendo, porque não estou com a vista muito boa. Eu tenho lido revistas. O último livro que eu li foi este do Eduardo Bueno. Eu leio muito rápido.
Hoje em dia eu comento minhas leituras com minhas noras. Quando era criança minhas amigas também liam e havia um intercâmbio grande entre nós. O passatempo nosso era a leitura. Fora isso só tinha as matinês nos clubes, do Tênis Clube, Cultura Artística... Não tinha outros passatempos. (...)
Os filhos não nascem gostando de ler, a gente precisa incentiva-los. Mas tudo também é uma questão de época. Hoje é tanta correria, tanto atropelo, as pessoas não têm mais tempo pra sentar e ler. Precisa gostar muito e ter aquela vocação pra ler.
Meus melhores momentos de leitura foram na minha juventude. Eu gostava demais e também tinha tempo pra isso. (...)

sábado, 3 de março de 2007

Ana e o livro na pedra

Foi com esta foto que iniciei o blog. Sem comentários, então. Apenas a imagem, que me parecia dispensar as palavras. Hoje - 24março2007 - revisito a foto de minha querida netinha, Ana, filha de Joana e Pedro, irmã de João Pedro. De novo me encanto com a expressão de curiosidade e interesse infantil pelo objeto livro. Desde que nasceu, Aninha, entre outros presentes, vem ganhando livros. Os primeiros, de pano, para ficarem com ela carinhosamente no berço, onde aprendeu a folhear e descobrir as surpresas que guardam as capas. Hoje ela já está na escolinha e os livros continuam fazendo parte de seu cotidiano. Ela ouve as estorinhas contadas e lidas pela mãe folheando os livros. Carrega-os de um lado para o outro, como mais um brinquedo. Certamente a atenção, o aconchego e o carinho associados às imagens e estórias dos livros deixarão no espírito e no corpo de Aninha um prazer que a fará amar os livros. E as letras, e o papel e a tinta de que são feitos. O avô coruja acha que sim. E ela poderá crescer desenvolvendo potencialidades cognitivas criadas pelo contato com as pessoas e a natureza, com as imagens em movimento do cinema, vídeo e televisão (e do computador) e também com a decifração desses símbolos e representações da vida real e imaginária, as letras, que são depositárias, nos textos, de uma rica tradição da cultura humana, talvez indispensáveis a uma realização plena da existência.
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