segunda-feira, 28 de abril de 2008

Aníbal Bragança: O pretérito futuro do livro




Foto 1: Mesa com Gilson Rangel Rolim, Antônio Soares de Oliveira, Jorge Fernando Loretti, Aníbal Bragança, Carlos Silvestre Mônaco e Wanderlino Teixeira Leite Netto. De costas, Sávio Soares de Sousa. Foto 2; na platéia, Roberto Kahlmeyer-Mertens, Sávio Soares de Sousa, Márcia Pessanha e Luís Antônio Pimentel, de camisa asul, que gravou em áudio as intervenções sobre o tema. As fotos são da câmera de Roberto Kahlmeyer-Mertens, autor de Verdade-Metafísica-Poesia. Um ensaio de filosofia a partir dos haicais de Luís Antônio Pimentel, Nitpress, 2007.
No dia 16 do corrente mês de abril, a partir da iniciativa do acadêmico Gilson Rangel Rolim, foi realizada mesa-redonda na Academia Niteroiense de Letras para discutir “O futuro do livro face às inovações tecnológicas”. Da mesa fizeram parte o escritor Wanderlino Teixeira Leite Netto, o livreiro Carlos Silvestre Mônaco e este blogueiro, que apresentou uma síntese de seu artigo “O pretérito futuro do livro”, nascido de uma palestra que fez no II Congresso de História do Livro e da Leitura, realizado na Unicamp, e publicado no livro Cultura letrada no Brasil, objetos e práticas, organizado por Márcia Abreu e Nelson Schapochnik, p. 487-498, editado pela Mercado de Letras e Associação de Leitura do Brasil, ambas de Campinas, com apoio da Fapesp, em 2005.

As discussões foram acaloradas, embora, como seria de esperar em uma academia de letras, a tônica tenha sido a de confiança na permanência do livro impresso em nossas vidas e na sociedade. Estiveram também na mesa (ver fotos), além dos convidados e do mediador Gilson Rangel Rolim, Antônio Soares de Oliveira, primeiro secretário, e Jorge Fernando Loretti, presidente da ANL.

Presentes, prestigiando o evento, vários acadêmicos, escritores niteroienses e outros interessados no tema. A reunião durou cerca de 150 minutos e, ao encerrar-se, ficou evidente que estávamos numa casa que cultua o livro e a leitura, embora o encerramento, a cargo do presidente Loretti, tenha apontado para além da galáxia de Gutenberg! Foi intensamente aplaudido.

Para ler a íntegra do artigo “O pretérito futuro do livro”, acesse
http://picasaweb.google.com.br/anibalbraganca/OPretRitoFuturoDoLivroPorAnBalBraganA
ou
http://groups.google.com/group/cultura-letrada/files

domingo, 27 de abril de 2008

Disponibilidade e outros poemas de Adolfo Casais Monteiro

Disponibilidade

Sinto hoje vontade de escrever um poema.
Fechei todos os livros
porque o ruído dos outros me incomodava.
Afinal, talvez nem me apeteça escrever o poema.
Olho desolado as coisas em redor:
canso-me;
passeio sem dar conta os olhos pelo quarto,
escorrego em sonhos,
tropeço, ao lusco-fusco, em ecos de quimeras.
E enquanto fico,
Ao lado escorre a vida sem que eu dê por ela.


Balanço

Afinal, toda a minha poesia era verdade...
A noite é infindável, e os dias
são a mesma vastidão de carne apodrecida
morrendo sem saber de que morria.
Os rios são os mesmos, ou as ruas,
que só levam lá de onde não saí.
O silêncio é sempre a única resposta.

Se não pedi, que haviam de me dar?


O fim da noite

A nossa história é simples: somos
neste momento todo o amor na terra
e nada mais importa, senão
o que sou, verdade em ti,
o que és, verdade em mim.
Por isso este poema talvez não seja
mais que um silêncio pela noite,
nem verso, nem prosa, só
uma oração ao deus desconhecido.

Não é talvez senão o teu olhar,
e tua esquiva mágoa,
o teu riso e tuas lágrimas.
E o apelo dentro de mim
ao milagre de nos querermos,
com a mágoa e com o riso,
- e teu olhar que vê em mim.

Não sei pedir, sei só esperar.
Mas já houve o milagre. Estava
agora comigo ao longo das ruas, que antes
eram só casas de pálpebras cerradas.
Estava no silêncio, que antes
era mortal.

E tu, sem eu saber, estavas comigo.
E sem eu saber de súbito na treva
buliram asas
e sem eu saber era já dia.

In Poesias completas, Lisboa: Portugália, 1969, p. 35, 285, 314-5.

Adolfo Casais Monteiro (Porto – Portugal, 4/7/1908-S. Paulo, Brasil, 24/7/1972), poeta e ensaísta, foi um dos intelectuais portugueses que a ditadura salazarista levou a se exilarem no Brasil. Fez parte do que veio a se chamar “a missão portuguesa”, sendo aqui “recebido e assimilado, pelos colegas brasileiros, como um interlocutor autorizado e indispensável na cena literária nacional”, nas palavras de Leyla Perrone-Moisés.

Leia mais sobre Adolfo Casais Monteiro

“Adolfo Casais Monteiro”, de Carlos Leone, in
Instituto Camões
http://www.instituto-camoes.pt/cvc/figuras/acmonteiro.html

Biografia, Wikipédia
http://pt.wikipedia.org/wiki/Adolfo_Casais_Monteiro

Ensaio: “Adolfo Casais Monteiro: o estrangeiro definitivo”, de Maria João Cantinho, in
Revista Agulha
http://www.revista.agulha.nom.br/ag33monteiro.htm

“A crítica viva de Casais Monteiro”, de Leyla Perrone-Moisés, in
A missão portuguesa, de Fernando Lemos e Rui Moreira Leite, org. S. Paulo: Ed. Unesp; Bauru (SP): Ed. Unesc, 2003, p. 52-60

sexta-feira, 25 de abril de 2008

25 de abril, 34 anos hoje!, com Manuel Lourenço e Manuel Alegre

Trova do mês de abril

Foram dias foram anos a esperar por um só dia.
Alegrias. Desenganos. Foi o tempo que doía
com seus riscos e seus danos. Foi a noite e foi o dia
na esperança de um só dia.

Foram batalhas perdidas. Foram derrotas vitórias.
Foi a vida (foram vidas). Foi a História (foram histórias)
mil encontros despedidas. Foram vidas (foi a vida)
por um só dia vivida.

Foi o tempo que passava como se nunca passasse.
E uma flauta que cantava como se a noite rasgasse
toda a vida e uma palavra: liberdade que vivia
na esperança de um só dia.

Musa minha vem dizer o que nunca então se disse
esse morrer de viver por um dia em que se visse
um só dia e então morrer. Musa minha que tecias
um só dia dos teus dias.

Vem dizer o puro exemplo dos que nunca se cansaram
musa minha onde contemplo os dias que se passaram
sem nunca passar o tempo. Nesse tempo em que daria
a vida por um só dia.

Já muitas águas correram já muitos rios secaram
batalhas que se perderam batalhas que se ganharam.
Só os dias não morreram em que era tão curta a vida
por um só dia vivida.

E as quatro estações rolaram com seus ritmos e seus ritos.
Ventos do Norte levaram festas jogos brincos ditos.
E as chamas não se apagaram. Que na ideia a lenha ardia
toda a vida por um dia.

Fogos-fátuos cinza fria. Musa minha que cantavas
a canção que se vestia com bandeiras nas palavras.
Armas que o tempo tecia. Minha vida toda a vida
por um só dia vivida.


Manuel Alegre, Atlântico. Lisboa: Moraes, 1981, p. 93-4.

Com este poema de Manuel Alegre, reserva moral do movimento, rara leitora, fazemos um registro da lembrança - talvez já seja um resgate - do que significou a esperança de toda uma nação e de um povo espalhado pelos cinco continentes: o fim de uma das últimas ditaduras modernas, o nefasto salazarismo em Portugal. Faz hoje 34 anos o movimento chamado de Revolução dos Cravos, deflagrado em 25 de abril de 1974. Mesmo ao longe, todos - ou quase - os portugueses, como eu, se emocionaram, com o povo feliz nas ruas, ao ouvir da canção de José Afonso, Grândola, “dentro de ti, ó cidade, o povo é quem mais ordena”.

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, mas... de tudo resta um pouco. Viva o 25 de abril!

Em tempo: Há dias recebi de um fraterno amigo, Manuel Lourenço Neto, antigo militante anti-salazarista, em Portugal e no exílio brasileiro, mensagem alusiva ao 25 de abril, com “um poema que me veio à cabeça”:

Chegaste,
feita palavra e grito
do mais fundo dos
nossos silêncios!...
Quanto tempo! quanto tempo!..

Porque te queremos
sempre manhã, juramos-te
que não mais serás noite!..
- Fascismo, nunca mais!...

Fica mais este registro, em homenagem a todos os que, como ele, lutaram pela liberdade em Portugal.

quarta-feira, 23 de abril de 2008

23 de abril, dia de São Jorge, Dia Mundial do Livro e dos Direitos de Autor

...........
Vendo que não conseguia mover-se, buscou refúgio no seu costumeiro remédio, que era pensar em alguma passagem dos livros; e a loucura lhe trouxe à memória a de Valdovinos e do marquês de Mântua, quando Carloto o feriu na montanha: história sabida dos meninos, não ignorada dos moços, celebrada dos velhos, que ainda acreditavam nela; e, com tudo isso, não mais verdadeira que a dos milagres de Maomé. Pareceu-lhe que esta vinha a calhar para o transe em que se achava; e assim, com mostras de grande sentimento, começou a revolver-se pelo chão e a dizer com debilitado alento o mesmo que dizia o ferido cavaleiro do bosque:

- Onde estás, senhora minha,
Que te não dói o meu mal?
Ou não o sabes, senhora,
Ou és falsa e desleal.

E desta maneira prosseguiu no romance, até aqueles versos que dizem:

- Ó nobre Marquês de Mântua,
Meu tio e senhor carnal!

Quis a sorte que, quando chegou a este verso, acertasse de passar por ali um lavrador de sua localidade e seu vizinho, que acabara de levar ao moinho uma carga de trigo e que, vendo estendido aquele homem, se acercou dele e perguntou-lhe que era e que mal sentia, pois com tanta tristeza se queixava.

Dom Quixote acreditou, sem dúvida, que era aquele o marquês de Mântua, seu tio, e assim, ao invés de lhe responder, continuou o romance, narrando sua desgraça e os amores do filho do Imperador com sua esposa, tudo da mesma maneira como está no livro.

Espantou-se o lavrador com aqueles disparates; e tirando-lhe a viseira, já despedaçada pelas bordoadas, limpou-lhe o rosto, qu estava coberto de pó. Mal acabou de fazê-lo, reconheceu-o e disse:

- Senhor Quixana (que assim se devia chamar quando tinha juízo e ainda não havia passado de fidalgo sossegado a cavaleiro andante), quem pôs vosmecê neste estado?

Mas a tudo o que lhe era perguntado, ele respondia com o romance. Vendo isto, o bom homem lhe tirou como melhor pôde o peito e espaldar da armadura, para ver se tinha alguma ferida; mas não percebeu sangue, nem sinal algum. Procurou levantá-lo do solo e, com não pouco trabalho, o içou no seu jumento, por lhe parecer mais tranqüila montaria. Recolheu as armas, inclusive os fragmentos da lança, e amarrou-as sobre o Rocinante; depois, segurando a rédea deste e o cabresto do asno, se encaminhou para o povoado, bastante pensativo de ouvir os disparates de Dom Quixote.


Início do capítulo V do Dom Quixote [El Ingenioso Hidalgo Don Quixote de La Mancha], composto por Miguel de Cervantes de Saavedra, publicado inicialmente em 1605, em Madrid.
Nesse capítulo e no seguinte se narram as desgraças do cavaleiro Quixote, que endoideceu com as leituras que fez, o que levou seus amigos a buscar na sua biblioteca “os autores dos danos”, para os destruir.


Pequena parte do que é considerado um dos livros mais importantes de toda a história da Humanidade. Seu autor faleceu em 23 de abril de 1616. Nesse dia também morreu o imortal William Shakespeare. A Unesco instituiu, em 1995, este como o Dia Mundial do Livro e dos Direitos do Autor, consagrando em nível mundial o que já ocorria na Espanha e na Inglaterra. Em muitos países e cidades hoje é dia de festa do livro e da leitura. Na Catalunha comemora-se o Dia de São Jorge, do Livro e da Rosa.

Uma boa homenagem à importância do livro e da literatura nas nossas vidas é começar hoje a ler ou reler o Dom Quixote, que em 2006 mereceu edições comemorativas do seu quarto centenário. A que usamos para esta brevíssima transcrição (p. 87-91) é a dos antigos e inesquecíveis Clássicos de Bolso da Ediouro, 1965, com tradução de Almir de Andrade e Milton Amado, com introdução de Brito Broca, prefácio de Luiz da Câmara Cascudo e ilustrações de Gustave Doré, inicialmente publicada pela Editora José Olympio, do Rio de Janeiro.

Leia mais:
Amigos do Livro:
http://www.amigosdolivro.com.br/lermais_materias.php?cd_materias=3713
Unesco Brasil:
http://www.unesco.org.br/unesco/premios/diadolivro2007/mostra_documento
Unesco:
http://portal.unesco.org/es/ev.php-URL_ID=42278&URL_DO=DO_TOPIC&URL_SECTION=201.html

terça-feira, 22 de abril de 2008

Hoje, 508 anos do achamento da Terra de Vera Cruz: o relato

Senhor

Posto que o Capitão-mor desta Vossa frota e assim igualmente os outros capitães escrevam a Vossa Alterza dando notícia do achamento desta Vossa terra nova, que agora nesta navegação se achou, não deixarei de também eu dar minha conta disso a Vossa Alteza, fazendo como melhor me for possível, ainda que – para o bem contar e falar – saiba pior que todos. Queira porém Vossa Alteza tomar minha ignorância por boa vontade, e creia que certamente nada porei aqui, para embelezar nem para enfeiar, mais do que vi e me pareceu. (...) Portanto, Senhor, do que hei de falar começo e digo:

A partida de Belém – como Vossa Alteza sabe – foi na segunda-feira do dia 9 de março. No sábado, 14 do dito mês, entre as oito e nove horas, nos achamos nas ilhas Canárias, mais perto da Grã-Canária. Ali andamos por todo aquele dia em calma, sempre com as ilhas à vista, numa distância de três a quatro léguas. E domingo, 22 do dito mês, mais ou menos às dez horas, avistamos as ilhas do Cabo Verde, que porém, segundo o piloto Pedro Escolar, era a Ilha de São Nicolau. Na noite seguinte à segunda-feira, ao amanhecer, se perdeu da frota Vasco de Ataíde com a sua nau, sem que houvesse tempo forte nem contrário para que tal coisa acontecesse. O Capitão fez as suas diligências para o achar, por todas as partes, mas tudo foi inútil!

E assim seguimos o nosso caminho por este mar – de longo – até que na terça-feira das Oitavas de Páscoa – eram os vinte e um dias de abril – estando da dita ilha distantes de 600 a 670 léguas, conforme dados dos pilotos, topamos alguns sinais de terra: uma grande quantidade de ervas compridas, chamadas botelhos pelos mareantes, assim como outras a que dão o nome de rabo-de-asno. No dia seguinte - quarta-feira pela manhã – topamos aves a que os mesmos chamam de fura-buchos. Neste mesmo dia, à hora de vésperas, avistamos terra! Primeiramente um grande monte, muito alto e redondo; depois, outras serras mais baixas, da parte sul em relação ao monte e, mais, terra chã. Com grandes arvoredos. Ao monte alto o Capitão deu o nome de Monte Pascoal; e à terra, Terra de Vera Cruz.
(...)
Dali avistamos homens que andavam pela praia, uns sete ou oito, segundo disseram os navios pequenos que chegaram primeiro.
(...)
E logo que ele começou a dirigir-se para lá, acudiram pela praia homens em grupos de dois, três, de maneira que, ao chegar o batel à boca do rio, já ali estavam dezoito ou vinte homens. Eram pardos, todos nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse as suas vergonhas. Traziam nas mãos arcos e setas. Vinham todos rijamente em direção ao batel.
......................................................................................................................
E desta maneira dou aqui a Vossa Alteza conta do que nesta Vossa terra vi. E se me alonguei um pouco, Ela me perdoe. Porque o desejo que tinha de Vos tudo dizer, me fez pôr assim tudo pelo miúdo.

E pois que, Senhor, é certo que tanto neste cargo que levo como em outra qualquer cousa de Vosso serviço for, Vossa Alteza há de ser por mim muito bem servida, a Ela peço que por me fazer singular mercê, mande vir da Ilha de São Tomé a Jorge de Osório, meu genro – o que d’Ela receberei em muita mercê.

Beijo as mãos de Vossa Alteza.
Deste Porto Seguro, da Vossa Ilha de Vera Cruz, hoje, sexta-feira, primeiro dia de maio de 1500.

Pero Vaz de Caminha

Esta é, para muitos, a certidão de nascimento do Brasil (aqui apresentada apenas em seu início e conclusão). Inserido, desde o primeiro dia de seu achamento, no ritual da cultura letrada, com o escriba da frota comandada por Pedro Álvares Cabral, Pero Vaz de Caminha, dando notícia ao rei D. Manuel, o Venturoso, por escrito, do ocorrido desde a saída de Belém, em Lisboa, até à chegada às novas terras achadas e de tudo o que aí se encontrou e sucedeu.

Há cinco séculos e 8 anos atrás começava a construção do que se transformaria em Brasil. Parabéns merecem todos os que contribuíram, mais ou menos, a partir daí (e mesmo de antes), para formar uma das nações mais relevantes do mundo contemporâneo, por seu povo, por sua grandeza e por sua cultura.

Vale a pena ler na íntegra, rara leitora, a Carta de Pero Vaz de Caminha. Dirija-se à biblioteca mais próxima ou à sua livraria preferida e peça uma. Há muitas edições diferentes disponíveis, críticas, comentadas, simples, à sua escolha. A que utilizamos aqui é uma edição da LP&M, de Porto Alegre, organizada por Sílvio Castro, que a fez acompanhar de vários estudos e notas, além do seu texto original e a transcrição para a linguagem e grafia atual.

segunda-feira, 21 de abril de 2008

José Bonifácio de Andrada e Silva (Santos, SP, 1763-Niterói, RJ, 1838): pequenos textos

Os fins de qualquer escritor são, ou meramente para ensinar e instruir, ou só para dar gosto e deleitar, ou para ambas estas coisas ao mesmo tempo, o que é melhor. No primeiro caso cumpre clareza e método, no segundo imaginação brilhante, e expressão descritiva e animada, no terceiro clareza e método tal que não enfeie as belezas do estilo, nem dispa a alma de imagens e afetos. Os antigos gregos e latinos devem ser os nossos exemplos. (...)
*
Muitos escrevem para matarem o tempo, outros para matarem a fome; uns são forçados pela honra; outros só por caprichos; e a maior parte por vaidade. E eu por quê? Porque si musa, vetat, facit, indignatio versum [“Se a musa proíbe, a indignação faz o verso”, adaptação de frase do poeta latino Juvenal.]
*
O meu intento é pôr por escrito os resultados mais gerais e importantes de tudo o que vir e ser.
Cumprirá de manhã ler e ver, e de tarde conversar e perguntar – os pedaços e livros mais interessantes lerei duas vezes, e farei extratos à maneida de Gibbon, e Forster, o filho. Em outro papel escreverei as minhas idéias físicas e morais, ligadas aos fins remotos ou próximos dos meus estudos. (...)
*
A liberdade de imprimir é para as ciências como o oxigênio para a vida animal.
*
(...) Sempre gostei de passar de um livro a outro diferente, assim como de uma ocupação a outra. (..)
*
Ler-me-ão até o fim do mundo, se esta obrinha lá chegar; e estou certo de que há muita boa gente que diz que não. Porém terei a consolação que digam que me ocupei de coisas tão úteis como as de muita outra gente.
*
Alguns tacharão de escassa esta minha obra – estes compram o livro, como diz Freire, pelo peso, não pelo feitio. Outros quererão que me valesse do estrépito de vozes novas, a que cham cultura, deisando a estrada limpara por caminhos fragosos; e trocando com estimação pueril o que é melhor, pelo que mais se usa.
*
Haverá muita gente que me citará sem me ter lido; e muitos outros sem me terem entendido.
*
Quem mais me aborrece neste mundo são os pedantes e orgulhosos, e os grandes sem probidade.
*
A maior corrupção se acha onde a maior pobreza está ao lado da maior riqueza.

Considerado o Patriarca da Independência do Brasil, José Bonifácio formou-se na Universidade de Coimbra, onde iria se tornar professor de Mineralogia. Dominou a ciência de sua época, voltou ao Brasil, tornando-se uma figura exemplar de intelectual na passagem de Reino Unido a Império. Deixou-nos uma obra que inclui literatura, política e ciência.

As confissões, reflexões e máximas acima estão no livro Projetos para o Brasil, com textos de sua autoria, organizado por Miriam Dolhnikoff, editado pelo Companhia das Letras, 1998.

Leia mais sobre José Bonifácio:
http://www.senado.gov.br/comunica/historia/bonifacio.htm
http://pt.wikipedia.org/wiki/Jos%C3%A9_Bonif%C3%A1cio_de_Andrada_e_Silva

sábado, 19 de abril de 2008

Século XVI: El libro en América, de Hipólito Escolar






As comemorações do bi-centenário da instalação definitiva da imprensa no Brasil, com a criação da Impressão Régia pelo príncipe regente D. João, em 13 de maio de 1808, dia de seu aniversário, dentre outras manifestações e reflexões, trazem à baila as costumeiras comparações com a história da tipografia na América Hispânica, no bojo de um anti-lusitanismo tão antigo quanto fora de moda, para mostrar o quanto a metrópole foi mesquinha e autoritária ao retardar a criação na América Portuguesa da famosa arte da imprimissão.

Nessa perspectiva ideológica esquecem-se os diferentes contextos com que se defrontaram os conquistadores europeus nas terras americanas, especialmente do século XVI ao XVIII, o que encobre uma historiografia marcada pelas posições anti-lusitanistas dos finais do século XIX e inícios do XX, que infelizmente ainda se manifesta atualmente, às vezes até de forma ingênua.

Para melhor compreensão desses diferentes contextos, e do que levou à criação da tipografia na América espanhola no século XVI, convidamos nosso raro leitor a conhecer o que escreveu o historiador e bibliotecário espanhol, Hipólito Escolar, em sua Historia del Libro, publicada em 1984, sobre “El libro en América”, nos primeiros tempos da conquista.

Esperamos assim oferecer singela contribuição para que se possa pensar uma nova história da imprensa e do livro, sem os lugares comuns habituais, e para que nosso raro e caro leitor se interesse em conhecer o livro de Hipólito Escolar, autor de uma obra de grande envergadura intelectual, composta por vários volumes e artigos acadêmicos na área de História do Livro, Bibliografia etc., infelizmente ainda pouco conhecida no Brasil.

Para ler o excerto inteiro (7 páginas, com duas ilustrações), acesse o Álbum Hipólito Escolar, em
http://picasaweb.google.com.br/anibalbraganca/HipLitoEscolarElLibroEnAmRicaSigloXVI

Para conhecer mais:


Códices. Los antiguos libros del Nuevo Mundo, de Miguel León-Portilla. México: Aguilar, 2003.


La imprenta em hispano-américa, de Stella Maris Fernández, Biblioteca Profesional de ANABA, Cuadernos 13. Madrid: Associación Nacional de Bibliotecarios, Archiveros y Arqueologos – ANABA, 1977.

sexta-feira, 18 de abril de 2008

Hoje, Dia Nacional do Livro Infantil, é dia de lembrar Monteiro Lobato



Ao contrário de outros países que comemoram o Dia Internacional do Livro Infantil em 2 de abril, em homenagem ao dia de nascimento de Hans Christian Andersen (vide postagem anterior, nesse dia), o Brasil, com justa razão, comemora hoje o Dia Nacional do Livro Infantil, lembrando a data de nascimento de Monteiro Lobato, em 1882, que renovou e, para alguns, criou a literatura infantil brasileira, com sua maravilhosa obra escrita para crianças e jovens, a partir do livro A Menina do Narizinho Arrebitado, lançado em 1920.

A geração dos chamados "filhos de Lobato", escritores, ilustradores e editores, enriqueceu e diversificou essa literatura em nosso país, levando-a também para o exterior, com a ajuda da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ), onde passou a ter um reconhecimento mundial. Por duas vezes, com Lygia Bojunga Nunes, em 1982, e com Ana Maria Machado, em 2000, dois de seus nomes mais representativos, o Brasil foi distinguido com o Prêmio Hans Christian Andersen, o Nobel da literatura infantil, concedido pelo International Board on Books for Young People (IBBY), sediado na Suíça.

Viva Monteiro Lobato! Viva Ziraldo! Viva Ruth Rocha! Vivam todos, magníficos ilustradores e escritores brasileiros! Viva o livro brasileiro para crianças! Viva a leitura!

Conheça mais:

Leia:

Monteiro Lobato, um brasileiro sob medida, de Marisa Lajolo. Editora Moderna, 2000.
O Menino Juca, de Gulnara Lobato Pereira, ilustrado por Rui de Oliveira (de onde retiramos o belo retrato de Monteiro Lobato, acima). Edição da Berlendis & Vertechia, sem data.

Gulnara, sobrinha de Monteiro Lobato, era tradutora e foi casada com Antônio Olavo Pereira, escritor, irmão do editor José Olympio Pereira.

quarta-feira, 16 de abril de 2008

Condorcet (1743-1794): Sobre a invenção da tipografia e sua importância histórico-cultural



Estamos em época de comemorações pela instalação da Impressão Régia no Rio de Janeiro, em 1808, quando da chegada ao Brasil da Família Real. Com toda a justiça.

A importância da invenção da tipografia para a construção das liberdades civis e para o desenvolvimento e democratização dos saberes foi, poucos anos antes disso, esplendidamente defendida pelo filósofo iluminista Condorcet em sua última obra, escrita nos dias atribulados da Revolução Francesa.

Segundo Maria das Graças S. Nascimento, autora da apresentação da edição brasileira, publicada em 1993, pela Editora da Unicamp, “o Esboço de um quadro histórico dos progressos do espírito humano foi escrito em circunstâncias trágicas. Em 1793, ano decisivo para os destinos do movimento revolucionário, Condorcet redige, juntamente com Thomas Paine, um projeto de constituição, que é apresentado à Convenção em fevereiro”.

Após ter sido discutido e abandonado por outro projeto, Condorcet faz uma denúncia, em panfleto intitulado “Advertência aos franceses sobre a nova constituição”, que o leva à prisão.
Antes, ainda no refúgio clandestino que encontrou na casa de uma amiga em Paris, escreveu o Esboço que, na avaliação de Maria das Graças, é “marcado por um inacreditável otimismo histórico”. Condorcet morre na prisão, em circunstâncias consideradas obscuras.

No ano seguinte, diz a apresentadora da obra, “a própria Convenção, que o havia condenado, decide comprar toda a tiragem de três mil exemplares da edição do Esboço, que a mulher de Condorcet havia mandado publicar, e ordena sua distribuição às escolas francesas, como um ‘livro clássico do filósofo infortunado”.

Para discussão com alunos, havíamos selecionado trechos da obra em que Condorcet se refere mais diretamente à invenção da tipografia e sua importância histórico-cultural. Resolvemos colocar esses excertos à sua disposição, rara leitora, com a esperança que tenha interesse em conhecer mais sobre o tema e que a leitura possa despertar o desejo de conhecer a obra integral, disponível em livrarias e bibliotecas.

Para ler os excertos do texto de Condorcet, acesse os Arquivos do Grupo Cultura Letrada:
http://groups.google.com/group/cultura-letrada/files
Para saber mais, leia o artigo "Por que foi mesmo revolucionária a invenção da tipografia? O editor-impressor e a construção do mundo moderno", deste blogueiro, acessando:

terça-feira, 15 de abril de 2008

Aníbal Bragança: Os sertões, de Euclydes da Cunha: da Laemmert, uma história editorial

Convidamos você, raro leitor, a acessar e conhecer o artigo, deste blogueiro, “Lendo a história editorial de Os sertões de Euclydes da Cunha: As edições Laemmert”, certamente um dos trabalhos pioneiros, no Brasil, na área de história editorial, focado em um livro.

Trata da obra Os sertões, de Euclydes da Cunha, clássico de nossa literatura (que levou seu autor, de imediato, à Academia Brasileira de Letras), e um dos textos fundamentais do pensamento social brasileiro. Sobre ela há uma fortuna crítica só comparável no país à da obra de Machado de Assis.

As pesquisas foram desenvolvidos em 1996, durante o doutoramento na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, em disciplina oferecida por Adilson Citelli, um apaixonado euclydeano, autor de Roteiro de leitura: Os sertões de Euclides da Cunha. São Paulo: Ática, 1996. Contaram com a possibilidade do acesso aos arquivos, em grande parte inéditos, da Editora Francisco Alves. Concluído o texto, depois de aceito como trabalho final na disciplina, logo teve acolhimento para publicação na revista Horizontes, da Universidade São Francisco, em número temático “Dossiê: Memória Social da Leitura”, coordenado por Marisa Lajolo, v. 15, de 1997, ISSN 0102-7706.

Poder acrescentar dados novos, localizar e dar à publicidade pela primeira vez os documentos firmados por Euclydes da Cunha e os Laemmert - para a primeira, a segunda e as edições posteriores -, inclusive a cópia do contrato original de cessão de direitos autorais, e poder contribuir para corrigir equívocos da historiografia euclydeana sobre a publicação de Os sertões foi uma conquista afortunada deste trabalho.

Depois de mais de 10 anos da publicação original, feita em revista acadêmica que, por sua própria natureza, tem uma circulação restrita, decidimos oferecê-la na rede aos leitores porventura interessados.

A segunda parte do trabalho, sobre as edições de Os sertões feitas pela Francisco Alves, foi publicada no volume 20 da prestigiosa Revista de História das Ideias, da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra (Portugal), em 1999. Pelas mesmas dificuldades, acrescidas de outras decorrentes de publicação no exterior, pretendemos em breve colocá-la também ao alcance do leitor, no mesmo espaço. Se houver, ao menos indícios, de algum interesse, claro.

Acesse: Álbum do Picasa, de Aníbal Bragança, Lendo a história editorial de Os sertões de Euclydes da Cunha:
http://picasaweb.google.com.br/anibalbraganca/AnBalBraganALendoAHistRiaEditorialDeOsSertEsDeEuclydesDaCunhaAsEdiEsLa

domingo, 13 de abril de 2008

O futuro do livro

Júlio Vasco escreveu:

Promete ser das mais interessantes (e acaloradas) a mesa-redonda que a Academia Niteroiense de Letras promove nesta quarta, dia 16. Tema: "O futuro do livro face às inovações tecnológicas". Serão debatedores o professor Aníbal Bragança, o livreiro Carlos Mônaco e o escritor Wanderlino Teixeira Leite Netto, tendo como moderador o acadêmico Gilson Rangel Rolim. Início às 17h, na sede da ANL (R. Visconde do Uruguai, 456, Centro).

In Folha de Niterói, 12-18abr2008, seção Cultura, p. 11.

Lembramos ao nosso raro leitor, que a entrada é franca, mas o espaço limitado.

Leia mais sobre a Academia Nieroiense de Letras:
http://www.academianiteroiense.org.br/

sábado, 12 de abril de 2008

O saco de livros, de W. Somerset Maugham (1874-1965)

Algumas pessoas lêem para se instruir, o que é louvável, outras por prazer, o que considero inocente, e algumas por hábito – e isto já não se pode dizer que seja nem inocente nem louvável. Creio poder afirmar que pertenço a este terceiro lamentável grupo. Uma conversa longa me enfada, os jogos me cansam, e meus próprios pensamentos – na opinião de muitos o infalível recurso do homem sensato – esgotam-se com facilidade.

Recorro então ao meu livro, como o fumante de ópio ao seu cachimbo. Prefiro ler o catálogo do Army and Navy Stores, ou o Guia Bradshaw, a ficar sem leitura, e posso mesmo dizer que passei horas agradabilíssimas debruçado sobre esses dois livros.

Houve época em que nunca saí de casa sem levar no bolso o catálogo de uma livraria de segunda mão. Não conheço leitura mais proveitosa. Claro que ler desta forma é tão condenável como valer-se de um entorpecente. Até hoje me admiro do desplante dos grandes ledores que, por possuírem tal qualidade, zombam dos ignorantes. Sob o ponto de vista do que é a eternidade, será preferível ter lido mil livros a ter feito um milhão de regos com arado?

Admitamos que a leitura seja para nós apenas uma droga, sem a qual não podemos passar – quem, entre os desse grupo, desconhece a inquietação que dele se apodera depois de se ver durante muito tempo privado de leitura, a apreensão, o nervosismo, e o suspiro de alívio exalado ao ver uma página impressa?... – e não sejamos, portanto, mais vaidosos do que os pobres escravos da agulha hipodérmica ou da garrafa.

E assim, como o viciado em algum entorpecente não pode viajar sem levar consigo uma boa provisão do bálsamo fatal, jamais me aventuro a ir muito longe sem carregar um certo número de livros. Eles me são tão necessários que, quando noto num trem que muitos dos meus companheiros de viagem não trouxeram um único sequer, me sinto tomado de verdadeiro espanto. Mas é terrível o problema quando me disponho a uma viagem longa.

De alguma coisa me valeu a experiência. Certa vez, tendo por motivo de doença ficado durante três meses preso numa cidadezinha das montanhas, em Java, esgotei a minha provisão de livros e me vi obrigado, por não conhecer a língua holandesa, a comprar os livros escolares onde, creio eu, os javaneses inteligentes aprendiam o francês e o alemão. E por isso, depois de vinte e cinco anos, reli as frias peças de Goethe, as fábulas de La Fontaine, as tragéidas do terno e preciso Racine. (...)

Desde essa época faço questão de carregar sempre o maior saco existente feito para roupa usada, enchendo-o até a borda com livros apropriados para todas as ocasiões e as várias disposições de espírito. Pesa uma tonelada, e troncudos carrregadores vergam ao seu peso. Os funcionários da Alfândega olham-no com desconfiança, mas afastam-se consternados quando lhes dou minha palavra de que apenas contém livros. O inconveniente é que a obra que desejo ler sempre se acha no fundo, não podendo eu alcançá-la sem despejar no chão todo o contéudo do saco. Mas não fosse por isso, talvez eu nunca tivesse conhecido a estranha história de Olive Hardy.


(...)
In Ah King. Contos. Trad. de Leonel Vallandro. Porto Alegre: Globo, s/d. Coleção Nobel, n. 59, p. 121-159.


A Editora Globo apresenta Somerset Maugham, , na orelha deste livro, como “o Maupassant inglês”, afirmando que “poucos escritores alcançaram na literatura e no teatro contemporâneos o sucesso de William Somerset Maugham, sem fazer concessões ao chamado grande público”.

Nunca fui um leitor de Maugham, - tenho resistência a ler best-sellers - mas como livreiro vivi um tempo em que ele ainda tinha muitos leitores, especialmente por causa de seus livros Histórias dos Mares do Sul, Um gosto e seis vinténs, O fio da navalha e Servidão humana. Alguns foram adaptados para o cinema, com grande êxito.

Este Ah King me foi oferecido por um gentilíssimo diplomata chileno, Pedro José Correa, bibliófilo, que se desfez de sua extensa biblioteca, de leitor “por hábito”, quando voltou para seu país de origem.

Este conto - que é bem mais longo -, me fez refletir sobre um tempo em que a leitura de entretenimento era uma prática cultivada por muitos. Até mesmo no Brasil. Antes do sucesso da televisão com seus teledramas ou filmes da tarde, da noite e da madrugada. Hoje é prática para raros. E mais raros são ainda os que se lembram de Somerset Maugham, cujos livros certamente só se encontram nos sebos. Á sua espera, cara leitora, arrisca?

Leia mais sobre Somerset Maugham em
http://pt.wikipedia.org/wiki/William_Somerset_Maugham

quinta-feira, 10 de abril de 2008

Jayro Xavier lança um novo livro

Convido você, rara leitora, para este encontro com Jayro José Xavier no Centro Cultural Paschoal Carlos Magno, no Campo de São Bento, em Niterói, no dia 17 de abril, quinta-feira, a partir de 19h. Jayro produz uma poesia da melhor qualidade. Estaremos lá.

sexta-feira, 4 de abril de 2008

Rubem Fonseca: Dinheiro, magreza e livros

(...)
Assim como quem ganha muito dinheiro, mais dinheiro quer ganhar; a pessoa, quanto mais magra fica, mais magra quer ficar. (...) O que os livros têm a ver com dinheiro e magreza, conforme sugere o título deste pensamento imperfeito? Tudo. Os bibliomaníacos, quanto mais livros têm, mais livros querem ter, tornam-se também metacompulsivos, como os ricos e os magros. E o excesso dessas coisas pode fazer mal? Vejamos.

Dinheiro: o sujeito que é muito rico pode tornar-se um harpagão, como o personagem de Molière, exatamente por saber quanto o dinheiro vale. Marx disse que todo capitalista é um avarento. (...)

Magreza: a pessoa que é muito magra pode sofrer de doenças causadas por sua minguada morfologia. Menos resistentes a doenças, como tuberculose, são indivíduos expostos a maiores desgastes físicos do que os não-magros. (...)

E livros? Existe o problema do excesso de livros, nesta época de internet, em que a pessoa tem acesso a todos, repito, todos os livros importantes da literatura universal, apenas clicando os endereços eletrônicos de alguns sites?

Sabemos que quem não tem um livro, também não quer ter dois. Mas quem tem dois, acaba querendo ter três, e depois quer uma estante pequena, e depois um estante cobrindo toda uma parede. Começa a freqüentar livrarias e sebos. Acaba igual ao José Mindlin. E isso é um problema? É. Vai faltar espaço. Até (ou principalmente) para as bibliotecas públicas esse problema existe e sempre existiu, mesmo no mundo antigo, em que as coleções de escritos eram pequenos depósitos de manuscritos de pele de cabra ou rolos de papiro. Com a invenção de Gutemberg e as que se seguiram, a produção de livros cresceu vertiginosamente em todo o mundo. As bibliotecas públicas estão sufocadas de livros, pois partem do critério de que devem ter tudo que é publicação.

Os bibliômanos também acabam asfixiados pelos livros. Quando entro nos sebos ou passo por essas barracas de livros montadas periodicamente nas praças, contemplo aquela quantidade de livros, a maioria de autores obscuros e títulos desinteressantes, pergunto a mim mesmo o que faria com aqueles volumes se os tivesse nas minhas estantes já atulhadas de autores obscuros e títulos desinteressantes. Venderia? Doaria? Ninguém se interessaria por recebê-los de graça e eu teria que jogá-los no lixo seletivo de papéis e jornais velhos?

A verdade é que quando você tem muitos livros eles acabam se tornando um fardo pesado, mesmo se a sua casa for ensolarada e livre de mofo e cupins, o que é uma sorte grande. Sei que a maioria das pessoas tem poucas estantes em casa (ou nenhuma). Estão, portanto, fora destas cogitações. Mas alguns sofrem desse problema. O que fazer com os livros que você compra obsessivamente e que não encontram lugar nas suas estantes?

O problema do indivíduo não é tão complicado quanto o das grandes bibliotecas públicas, onde, segundo um bibliotecário, os livros crescem como ervas daninhas. Um pesquisador americano, Stanley J. Slote, lançou um livro, em l973, denominado Capinando as bibliotecas, mas pelo que se sabe o seu livro ainda não foi capinado. Ele é um precursor do monitoramento dos padrões de uso das bibliotecas, sugerindo que os livros devem ser divididos em duas categorias: os que são lidos e os que não são lidos. Os que não são lidos devem ser removidos e guardados em um depósito. Nos casos extremos devem ser eliminados. Ou seja, depois de algum tempo (vinte, cinqüenta, cem anos?) só serão encontrados nas bibliotecas públicas os preferidos do grande público, os mais fáceis de ler, certamente.

O Machado de Assis que se cuide.
In O romance morreu, crônicas. S. Paulo: Companhia das Letras, 2007, p. 128-132

A visita de hoje à Siciliano (já assumidamente incorporada à rede Saraiva) rendeu a compra, não programada, do livro de Rubem Fonseca, por causa da crônica acima e de outra, talvez ainda mais interessante, que dá título ao livro, sem o ponto de interrogação do original.

Tais temas me fizeram lembrar da alegria, misturada com pesar, ao encontrar em sebos obras raras (e valiososas para mim) com o carimbo de descarte da biblioteca por esse boçal critério quantitivo de uso; remeteram-me também a Gabriel Zaid, que escreveu uma pequena obra prima Livros demais!, publicada no Brasil pela Summus, e de um texto de Otto Maria Carpeaux, o grande crítico e enciclopedista de origem austríaca, onde escreveu que um editor lhe ofereceu quitar uma dívida com um monte de exemplares encalhados de um livro que havia publicado de um desconhecido, Franz Kafka. Carpeaux lamentava não ter aceito, dizendo que poderia ter ficado rico com a venda dos volumes algumas décadas depois. Mas trouxe-me à consciência, também, o pesado fardo que carrego, mesmo vivendo em casa ensolarada, livre de mofo e cupins, ao menos aparentemente.

E você, rara leitora, raro leitor, como é sua relação com os seus livros? Chegam a ser fardo ou não?

quinta-feira, 3 de abril de 2008

Cursos, simpósios, congressos: participe

Rara e raro leitor, no convite à participação, repassamos informações que lhes poderão interessar:

CICLO DE CONFERÊNCIAS: D. JOÃO E A CORTE PORTUGUESA NO BRASIL
Promoção: Pen Clube do Brasil
Local: Praia do Flamengo, 172 – 11º andar – Rio de Janeiro – RJ
Coordenação: Paulo Roberto Pereira
04/abril/08: D. João VI NO Brasil: 1808-1821 – Ismênia de Lima Martins
07/abril/08: A Missão Artística Francesa – Júlio Bandeira
09/abril/08: A música na corte de D. João VI – André Cardoso
Mais informações: Tel (21) 2556-0461 E-mail: penclube@ig.com.br

II SEMINÁRIO DE LEITURA PROLER VALE DO RIO GRANDE
LOCAL: Campo Florido - MG
DATA: 11 de abril de 2008
Inscrições: Comitê do PROLER - Fone: (34) 3318-0706 (8h – 12h)
Fone: (34) 3322-0205 E-mail: pmcfeduc@terra.com.br
(Contribuição: Tânia Ulhoa)


CURSO: PANORAMA DO ROMANCE
Prof. Alcmeno Bastos - Autor de Introdução ao romance histórico (EDUERJ,2007)
De: 10 /04 a 12 /06/08 - 5as feiras 19h30min às 21h30min
Informações:
Tel. (21) 3237-3947 E-mail: estacaodasletras@estacaodasletras.com.br


IV ENCONTRO DE ESTUDOS MULTIDISCIPLINARES EM CULTURA – IV ENECULT
Promoção: Centro de Estudos Multidisciplinares em Cultura – Cult/Universidade Federal da Bahia
Data: 28 e 30 de maio de 2008
Local: UFBA – Salvador – Bahia
Mais informações:
www.enecult.ufba.br www.cult.ufba.br
E-mail: cult@ufba.br Tel. (71) 3263-6198.


Third International Symposium
HISTORY OF PRINTING AND PUBLISHING
in the Languages and Countries of the Middle East
25 a 27 de setembro de 2008
Universität Leipzig – Germany
Mais informações
http://www.hpplcme.ovh.org/syn/mn_main.php
(Contribuição: Fabiano Cataldo)

UNESCO: 2008 - Ano Europeu do Diálogo Intercultural.

Portugal vai festejar esse encontro:

Portugal, pela sua história, tem uma larga experiência no diálogo com outras culturas. Mas nem sempre o encontro com o outro foi dialogante. Muitas vezes, foi impositivo e imperativo. Mas sempre soubemos descobrir no outro qualidades que acrescentaram algo ao português e ao mundo.

Durante séculos transportamos especiarias, plantas, saberes múltiplos de um continente para outro que transformaram a cultura do mundo. Durante séculos transportamos pessoas e, apesar da forma tão cruel e do contexto histórico, também com outros transformamos a população mundial.

Hoje os tempos são de mudança, e o nosso olhar está a mudar.

E como nos olha o outro?

Portugal, com uma longa história de país de emigrantes, um terço da população de origem portuguesa vive emigrada e espalhada pelo mundo, tornou-se também, no final do séc. XX um país de acolhimento de imigrantes. Hoje, populações de diferentes nacionalidades constituem já 4,2% da população residente em Portugal.

Este novo contexto exigiu da sociedade portuguesa o desenvolvimento de uma política de acolhimento e integração de imigrantes mais consistente que tem sido acompanhado pela consolidação de políticas de acolhimento e integração que se reflectem quer em princípios políticos gerais, quer em iniciativas legislativas, quer ainda em respostas operacionais muito concretas.

(...) a opção portuguesa perante a diversidade cultural, passa pela afirmação do princípio da Interculturalidade. Num quadro de respeito mútuo dentro da Lei, promove-se a afirmação da riqueza da diversidade em diálogo. Mais do que uma coexistência pacífica de diferentes comunidades, o modelo intercultural afirma-se no cruzamento e miscigenação cultural, sem aniquilamentos, nem imposições. Muito mais que a simples aceitação do “outro” o modelo intercultural propõe o acolhimento do “outro” e transformação de ambos com esse encontro.

Mais informações:
Alto Comissariado para a Imigração e Diálogo Intercultural – ACIDI, I.P.

http://www.interculturaldialogue2008.eu/525.html?L=16
E-mail: aedi@acidi.gov.pt

Os livros iluminam, o conhecimento encanta - Dia Internacional do Livro Infantil - 3 de abril

Repasso-lhe, rara leitora, esta mensagem comemorativa:

A busca de conhecimento por meio da leitura tem de tornar-se uma prioridade e deveria ser incrementada logo na infância. Desde muito cedo se incute nas crianças tailandesas o desejo de conhecimento pela leitura, com base numa tradição e numa cultura sublimes.Os pais são os primeiros professores das crianças e os monges tornam-se os principais mentores da sua orientação e educação, intelectual e mental, tanto no que respeita aos assuntos do mundo como no tocante aos valores espirituais. Encontrei inspiração para a minha ilustração em ancestrais tradições do meu país. Por um lado, a tradição de contar histórias às crianças, por outro, a de aprender pela leitura de inscrições em folhas de palmeira e em tabuinhas que se destinam exclusivamente a ser lidas. As narrativas escritas em folhas de palmeira provêm da tradição budista. Contam a vida de Buda e recontam histórias das jatakas (fábulas e parábolas), com a nobre intenção de cultivar as mentes jovens e de lhes instilar fé, imaginação e um sentido moral.
Chakrabhand Posayakrit Tradução: José António Gomes

Chakrabhand Posayakrit nasceu em 1943, em Banguecoque. Formou-se em Pintura pela Universidade de Silpakorn, em 1968, e ensinou na Faculdade de Artes Decorativas da mesma universidade. Doutorou-se em Artes pela Universidade de Chulalongkorn, em 1989, e, actualmente, dedica-se, por inteiro, à sua criação artística.

Mensagem do IBBY (International Board on Books for Young People)

Em Portugal: APPLIJ (Associação Portuguesa para a Promoção do Livro Infantil e Juvenil)

Mais informações:
Direção Geral dos Livros e das Bibliotecas (de Portugal)
http://www.iplb.pt/pls/diplb/!get_page?xid=2319

terça-feira, 1 de abril de 2008

Paula Brito (1809-1861), editor-impressor, por Mello Moraes Filho

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Abrindo mão dos favores do throno, mestre da arte typographica do Sr. D. Pedro II, a sua lyra vibrara o Hymno da Acclamação desse soberano, cuja cabeça se destaca, ao luar dos cabellos brancos, em um fundo de ouro e de soffrimento em nossa historia nacional.

Durante o periodo romantico, a famosa loja congregava os poetas da nova escola, tornando-se exclusivo nucleo dos porta-vozes desse movimento litterario, taes como Magalhães, Gonçalves Dias e Porto-Alegre, seguidos de Macedo, Teixeira e Souza etc., que, simultaneamente, ou em épocas truncadas, discutiam a plastica do verso, architectavam poemas, afinavam pelo nosso sentir ou pela natureza selvagem e nacionalismo de suas composições.

E quantos não deveram ao typographo-editor fecundas animações, o enfeixamento em volume de esplendidas producções, que figuraram successivas nas estantes e nos mostradores daquella livraria? Que o digam os collaboradores da Marmota, do Guanabara e outros periódicos; que o respondam Teixeira e Souza, Martins Penna, Joaquim Norberto, Machado de Assis, Constantino Gomes de Souza, Bruno Scabra e a pleiade gloriosa das vocações de outr’ora, que encontrvam em Paula Brito um ponto de vista ás suas aspirações, um guia confiante a remontadas eminencias.
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Da arte typographica no Brasil foi elle o mais legitimo representante, a mais transcendente irradiação.
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Conheça um pouco mais, rara leitora, da trajetória de Paula Brito, o paradigma dos impressores-editores brasileiros e uma das mais notáveis personalidades de nossa história editorial:

Leia na rede:

A íntegra do artigo de Mello Moraes Filho, publicado em 1904, no livro Artistas do meu tempo, Rio de Janeiro: H. Garnier, 1904, p. 9-20,
Clique em: http://picasaweb.google.com.br/anibalbraganca/PaulaBritoPorMelloMoraesFilho

e o artigo:

“Introdução à História Editorial Brasileira”, de Aníbal Bragança publicado em Cultura, Revista de História e Teoria das Ideias, Vol. XIV, II série, 2002, Centro de História da Cultura da Universidade Nova de Lisboa (Portugal), p. 57-83,
nos Arquivos do e-grupo Cultura Letrada.

Clique em http://groups.google.com/group/cultura-letrada/files

Leia também o livro de:
GONDIM, Eunice Ribeiro. Vida e obra de Paula Brito. Iniciador do movimento editorial no Rio de Janeiro (1809-1861). Rio de Janeiro: Brasiliana, 1965.