terça-feira, 22 de abril de 2008

Hoje, 508 anos do achamento da Terra de Vera Cruz: o relato

Senhor

Posto que o Capitão-mor desta Vossa frota e assim igualmente os outros capitães escrevam a Vossa Alterza dando notícia do achamento desta Vossa terra nova, que agora nesta navegação se achou, não deixarei de também eu dar minha conta disso a Vossa Alteza, fazendo como melhor me for possível, ainda que – para o bem contar e falar – saiba pior que todos. Queira porém Vossa Alteza tomar minha ignorância por boa vontade, e creia que certamente nada porei aqui, para embelezar nem para enfeiar, mais do que vi e me pareceu. (...) Portanto, Senhor, do que hei de falar começo e digo:

A partida de Belém – como Vossa Alteza sabe – foi na segunda-feira do dia 9 de março. No sábado, 14 do dito mês, entre as oito e nove horas, nos achamos nas ilhas Canárias, mais perto da Grã-Canária. Ali andamos por todo aquele dia em calma, sempre com as ilhas à vista, numa distância de três a quatro léguas. E domingo, 22 do dito mês, mais ou menos às dez horas, avistamos as ilhas do Cabo Verde, que porém, segundo o piloto Pedro Escolar, era a Ilha de São Nicolau. Na noite seguinte à segunda-feira, ao amanhecer, se perdeu da frota Vasco de Ataíde com a sua nau, sem que houvesse tempo forte nem contrário para que tal coisa acontecesse. O Capitão fez as suas diligências para o achar, por todas as partes, mas tudo foi inútil!

E assim seguimos o nosso caminho por este mar – de longo – até que na terça-feira das Oitavas de Páscoa – eram os vinte e um dias de abril – estando da dita ilha distantes de 600 a 670 léguas, conforme dados dos pilotos, topamos alguns sinais de terra: uma grande quantidade de ervas compridas, chamadas botelhos pelos mareantes, assim como outras a que dão o nome de rabo-de-asno. No dia seguinte - quarta-feira pela manhã – topamos aves a que os mesmos chamam de fura-buchos. Neste mesmo dia, à hora de vésperas, avistamos terra! Primeiramente um grande monte, muito alto e redondo; depois, outras serras mais baixas, da parte sul em relação ao monte e, mais, terra chã. Com grandes arvoredos. Ao monte alto o Capitão deu o nome de Monte Pascoal; e à terra, Terra de Vera Cruz.
(...)
Dali avistamos homens que andavam pela praia, uns sete ou oito, segundo disseram os navios pequenos que chegaram primeiro.
(...)
E logo que ele começou a dirigir-se para lá, acudiram pela praia homens em grupos de dois, três, de maneira que, ao chegar o batel à boca do rio, já ali estavam dezoito ou vinte homens. Eram pardos, todos nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse as suas vergonhas. Traziam nas mãos arcos e setas. Vinham todos rijamente em direção ao batel.
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E desta maneira dou aqui a Vossa Alteza conta do que nesta Vossa terra vi. E se me alonguei um pouco, Ela me perdoe. Porque o desejo que tinha de Vos tudo dizer, me fez pôr assim tudo pelo miúdo.

E pois que, Senhor, é certo que tanto neste cargo que levo como em outra qualquer cousa de Vosso serviço for, Vossa Alteza há de ser por mim muito bem servida, a Ela peço que por me fazer singular mercê, mande vir da Ilha de São Tomé a Jorge de Osório, meu genro – o que d’Ela receberei em muita mercê.

Beijo as mãos de Vossa Alteza.
Deste Porto Seguro, da Vossa Ilha de Vera Cruz, hoje, sexta-feira, primeiro dia de maio de 1500.

Pero Vaz de Caminha

Esta é, para muitos, a certidão de nascimento do Brasil (aqui apresentada apenas em seu início e conclusão). Inserido, desde o primeiro dia de seu achamento, no ritual da cultura letrada, com o escriba da frota comandada por Pedro Álvares Cabral, Pero Vaz de Caminha, dando notícia ao rei D. Manuel, o Venturoso, por escrito, do ocorrido desde a saída de Belém, em Lisboa, até à chegada às novas terras achadas e de tudo o que aí se encontrou e sucedeu.

Há cinco séculos e 8 anos atrás começava a construção do que se transformaria em Brasil. Parabéns merecem todos os que contribuíram, mais ou menos, a partir daí (e mesmo de antes), para formar uma das nações mais relevantes do mundo contemporâneo, por seu povo, por sua grandeza e por sua cultura.

Vale a pena ler na íntegra, rara leitora, a Carta de Pero Vaz de Caminha. Dirija-se à biblioteca mais próxima ou à sua livraria preferida e peça uma. Há muitas edições diferentes disponíveis, críticas, comentadas, simples, à sua escolha. A que utilizamos aqui é uma edição da LP&M, de Porto Alegre, organizada por Sílvio Castro, que a fez acompanhar de vários estudos e notas, além do seu texto original e a transcrição para a linguagem e grafia atual.

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