terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Um bom Ano Novo!

Alba
Geir Campos

Não faz mal que amanheça devagar,
as flores não têm pressa nem os frutos:
sabem que a vagareza dos minutos
adoça mais o outono por chegar.
Portanto não faz mal que devagar
o dia vença a noite em seus redutos
de leste – o que nos cabe é ter enxutos
os olhos e a intenção de madrugar.


in A profissão do poeta & Carta aos livreiros do Brasil, org. de Aníbal Bragança e Maria Lizete dos Santos. Niterói: Imprensa Oficial do Estado do Rio de Janeiro, 2001, p. 71.

Rara leitora, raro leitor, que a passagem para o Ano Novo seja de alegrias e paz, de amor e fraternidade. Que tenhamos a serenidade e a firmeza necessárias para construir uma vida cada vez melhor para nós e para todos que pudermos alcançar com nossos gestos, palavras e pensamentos. Feliz 2009!

sábado, 20 de dezembro de 2008

Feliz Natal!


Foram apressadamente e acharam Maria e José, e a criança deitada na manjedoura.

E, vendo-o, divulgaram o que se lhes havia dito a respeito deste menino.

Todos os que ouviram se admiraram das cousas referidas pelos pastores.

Maria, porém, guardava todas as palavras, meditando-as no coração.

Voltaram então os pastores glorificando e louvando a Deus por tudo o que tinham ouvido e visto, como lhes fora anunciado.

O Evangelho segundo Lucas, 2, 16-20, in A Bíblia Sagrada. Trad. de João Ferreira de Almeida. Brasília: Sociedade Bíblica do Brasil, 1969.

A você, raro, a você, rara leitora, os votos de um Natal Feliz, tendo presente, ainda hoje, o sentido do nascimento daqu’Ele menino.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Um livro na sua árvore de Natal, de Dalcídio Jurandir

- Que presente vai me dar, este Natal? Uma cesta, um perfume, aquele colar que vimos juntos na vitrina?
- Não. Um livro.
- Mas livro?!
Entraram na livraria, o rapaz pediu o Pequeno Príncipe, de Exupéry e deu a ela:
- Pra começo de conversa e de Natal. Principie.
- Príncipe? Príncipe o que?
- A ler, menina! Comece pelo Príncipe.

Certo é que perfume, colar, a meia, tão habituais ao Natal, não temem concorrência de livro. Nem as grandes cestas que parecem cargas lotando a sala de jantar próspera ou as mais discretas, por mais baratas, que vão para o subúrbio, velha encomenda pensada há meses. As coisas, como presentes, ainda só valem pelo brilho, quantidade e preço.

Embora caro e nunca necessário quanto o arroz e o feijão, ou mesmo a castanha, o livro custa menos que a gravata e dura mais que o perfume e o sabonete.

Passarão os Natais e aquela moça há de encontrar na sua casa, relido ou esquecido, mas constante, o livrinho comprado de circunstância que lhe falará sempre de um Príncipe e de suas sutis aventuras. O rapaz poupou o bolso praticando um bom-gosto, atreveu-se a entrar na livraria ao invés de entrar na perfumaria. E isso há dez anos não era assim.


Não era hábito de Natal fazer presente de livro, coitado do livro ali na montra cinzenta, entre o tédio do caixeiro e a solidariedade poeirenta dos outros livros, seus companheiros de solidão e abandono.

Agora o desamparado é confiado a uma embalagem, e tome papel colorido e tome laço de fita, aparece na vitrina, num ar festivo, como caixa de presente. Vem aos poucos ganhando seu lugar de Natal e Ano Bom.


Os novos tempos sopraram o velho pó das montras e sacodem o embaraço de quem quer dar um presente: Que tal um livro? Barato, fino, lisonjeia quem dá e quem recebe. Vamos ao livro.

A eletrônica sugere um presente

Se menino quer brinquedo, o técnico espera aquele livro que vive namorando, o Eletrônica Aplicada e convém que seu amigo se lembre disso e apareça com o presente. E há professores e estudantes que desejariam ganhar, neste Natal, aquele Evolução da Física, de Einstein e Infeld, que custa apenas setecentos cruzeiros.


É possível que a estudante de faculdade de filosofia vacile entre a pulseira e o A Origem da Terra que a preocupa nas suas aulas. Aqui esse moço parou diante da vitrina, lendo A Mecânica do Cérebro e sua curiosidade é compreensível, estuda psicologia e confia que o amigo lhe apareça em pleno Natal com o desejado volume. E não custa experimentar mandar de presente a um técnico de carros aquele Manual do Volkswagem.

A ilustração como presente de festa

Ilustrar-se é uma antiga aspiração popular, ilustrar-se naquele sentido de ler um almanaque, ler curiosidades, folhear um dicionário. Como presente de Natal, a ilustração reserva muito atrativo. Por exemplo, O Livro da Natureza, o Deuses, Túmulos e Sábios, as fartas enciclopédias, Milagres da Novocaína e o persuasivo Vença a Alergia a quatrocentos cruzeiros. E para maior resistência da ilustração, bom presente é a História da Liberdade no Brasil, de Viriato Correia.


Podemos ir aos preços mais altos, como a Enciclopédia de Arte, da editora Martins, a sete mil cruzeiros, as coleções da Cultrix - Histórias e Paisagens do Brasil - vários volumes, a seis e quinhentos ou a História das Invenções, e pode-se chegar a este: Sexo: perguntas e respostas, Guia para um casamento feliz ou mandar embrulhar, como presente, o Amor e Capitalismo, de Cláudio de Araújo Lima.

Pendure a ficção na sua árvore


Se tem árvore, não hesite, tome o rumo da livraria e veja o desfile da ficção brasileira um pouco ansiosa de virar presente, um pouco ainda envergonhada, mas que diabo! Não faz mal sair num embrulho lindo, ser pendurada na árvore ou discretamente entregue ao amigo:
Convém ler a ficção nacional, senhores que gostam de dar presentes de festas, convém! Por exemplo, aqui temos o segundo volume de Marques Rebelo, A Mudança, e aí você encontra o Rio em excelente prosa; mande embrulhar também o Maria de Cada Porto, de Moacir Lopes, não esqueça Primeiras Estórias, de Guimarães Rosa, O Vento do Amanhecer em Macambira, de José Condé, Matéria de Memória, de Carlos Heitor Cony, o Corpo Vivo, de Adonias Filho, Serras Azuis, de Geraldo França de Lima, o Ganga-Zumba, de João Felício dos Santos, o Arquipélago, de Érico Veríssimo, a coleção Graciliano Ramos numa verdadeira embalagem de Natal, todo o José Lins do Rego.

Entre a quantidade dos presentes nunca será demais A Comédia Humana, de Balzac, da editora Globo, ou a coleção Dostoievski, da José Olympio, o Guerra e Paz, de Tolstoi ou Grandes Esperanças, de Dickens. E será bom incluir no roteiro uma visita a Machado de Assis, seus livros devem estar em toda estante; e fazemos questão de lembrar que há um romance indispensável para presente: o Triste Fim de Policarpo Quaresma, do carioca Lima Barreto.


Por outro lado, os que gostam da velha aventura podem ainda ler o Alexandre Dumas em Os Três Mosqueteiros e O Colar da Rainha e a coluna maciça dos romances policiais – mas sempre livro.

A hora da poesia

Em matéria de poesia é seguir os bons poetas e a Aguilar pode dar de presente o Fernando Pessoa em volume muito digno. Mas não esquecer, leitora da grama em Del Castilho, defronte do conjunto residencial, que bom presente é também As Primaveras, de Casimiro de Abreu, ou as Espumas Flutuantes, de Castro Alves, ou, então, o Terceira Feira, de João Cabral de Melo Neto.

Não fica aí a sugestão, porque outros poetas estão ao nosso alcance, neste Natal: Lição de Coisas, de Carlos Drummond de Andrade, Para Viver um Grande Amor, de Vinicius de Moraes, O País do Não Chove, de Homero Homem e o Violão de Rua. Estão à sua espera, que é comprar, levar e o presente valeu por toda vida.

Miudeza também é presente

Os mais modestos não desejam os livros mais ricos ou os mais sábios e sim aqueles, por exemplo, da coleção “Como Se Faz...", "Como Se Vence”, onde é fácil encontrar para um presentinho despretensioso, o Arte de Fazer Amigos, o Aprenda a Conversar, Como emagrecer comendo e tudo a preço camarada.

Informações úteis, como presente, é uma boa sugestão de Natal e Ano Bom; este, por exemplo, Da Tabela Price ou Conheça seus Direitos, além do Aprenda a Nadar Corretamente e mande a seu amigo um “Manual de Judô”, sempre é livro.

Para um distante amigo da roça, não será bom mandar de presente o Lições Práticas de Avicultura? A um que se empenha no esoterismo, mande esse volume aqui, solene, por nome Cabala.

Os livros sérios

Todo livro é sério e creio que nada mais sério do que um livro de poesia. Mas aqui os sérios são os livros de fisionomia grave como, por exemplo, o Reflexões sobre a História, de Burckhardt, o Pré-Revolução Brasileira, de Celso Furtado, A Inflação Brasileira, de 1820 a 1958, a Coleção Saber, com mais de cincoenta volumes, o Princípios de Planejamento Econômico, o Manual de Economia Política, da Editorial Vitória, o Formação Histórica do Brasil, de Nelson Werneck Sodré, os livros da coleção Brasiliana, o Dicionário do Folclore Brasileiro, de Luiz da Câmara Cascudo, o Cristianismo Hoje, da editora Universitária, a preços que variam de trezentos e setecentos.

Cabe incluir, pela atualidade, o Política Externa Independente, de Santiago Dantas. Um Hatha-Yoga é um presente de Natal a amigo que cultiva essa transcendente matéria. E em meio a tamanha seriedade de livros, não esquecer que o Natal e Ano Bom reclamam livros de cozinha, este, por exemplo, Prenda Seu Marido...Cozinhando.

Agora, noutra escala, a da crítica, temos dois presentes de significação: A Glória de César e o Punhal de Brutus, de Álvaro Lins, e o Laboratório Poético de Cassiano Ricardo, de Osvaldino Marques.

“Homenzinho na Ventania"

A Editora do Autor lançou uma nova coleção de presentes: A Mulher do Vizinho, de Fernando Sabino, A Bolsa e a Vida, de Carlos Drummond de Andrade, o O Retrato na Gaveta, de Oto Lara Rezende e Homenzinho na Ventania, de Paulo Mendes Campos.

Outro presente de festas é o Banho de Cheiro, de Eneida, os “Cadernos do Povo Brasileiro”, da Civilização Brasileira, o álbum de Portinari, a coleção Les plus beaux: insetos, borboletas, cães, o El Greco, o Picasso, o Caribe.

Para um político, bom presente é Vida de Virgílio de Melo Franco, de Carolina Nabuco. Temos depois, ou antes, os livros sobre futebol: Copa do Mundo, de Mário Filho e Drama dos Bi-Campeões, de Armando Nogueira e Araújo Neto.

E do assunto Pelé, podemos chegar ao assunto teatro e apanhar da Aguilar o Bodas de Sangue, de Federico Garcia Lorca, chegando, ainda, ao Pagador de Promessas e A Invasão, de Dias Gomes. E a um amigo curioso da África, mande África - as raízes da revolta, e sobre Fidel, o ainda atual A Verdade sobre Cuba.

Um político pode receber para ensinamento a toda hora, o História das Lutas Sociais no Brasil, de Everardo Dias, e a outro que queira ter um bom santo na sua estante não é mau lhe oferecer As Confissões de Santo Agostinho.

O mundo maravilhoso gira em torno de Monteiro Lobato


No Brasil, a história para criança continua a girar em torno de Monteiro Lobato. Os meninos continuam a ver no mestre o avô contador de histórias. Por isso, chovem os livros de Monteiro Lobato nos sapatos, na noite de Natal, e com ele os outros livros, os outros autores, o cortejo dos bichos e fadas e tudo que é o faz-de-conta e o encantado e o que é ainda bom de contar às crianças.

Aqui, o presente é mais numeroso e vale a pena. Preferível este Na Região dos Peixes Fosforescentes ou a Coleção para Jovens, da editora Brasiliense, que o revolverzinho de bandido...

Mas não só menino necessita de livro. Gente grande também. E agora Natal e Ano Bom é a ocasião de fazer do livro um bom, e até bem barato, entre coisas tão caras, presentes de festas.

Nota: Além da revisão, foi feita uma atualização ortográfica do texto original.

Este texto, rara leitora, foi publicado no jornal Última Hora, na década de 1960. Foi resgatado por José Roberto Freire Pereira, filho de Dalcídio Jurandir, que mantém o sítio virtual http://www.dalcidiojurandir.com.br/ em homenagem à obra imortal de seu pai, considerado um dos grandes romancistas brasileiros, especialmente por sua obra sobre a vida na região amazônica, com foco especial na Ilha de Marajó.

A ocasião é propícia, como nos escreveu José Roberto, para divulgar esta página de Dalcídio, pois pode nos lembrar do livro como um ótimo presente de Natal. Mais que isso, o texto nos remete a um tempo em que ler livros era prática bem valorizada, ao menos em parcela significativa da sociedade brasileira.

Vivíamos um tempo de esperanças renovadas de construção de um mundo melhor, de uma sociedade brasileira mais justa, em que o conhecimento poderia, pela tomada de consciência social, operar transformações e possibilitar reformas.

As chamadas reformas de base, a pré-revolução brasileira, dos tempos de Jango Goulart, dando continuidade à construção do nacional iniciada por Getúlio Vargas, retomada por Juscelino Kubitscheck e mesmo por Jânio Quadros em sua meteórica e tresloucada presidência.

Os livros apontados por Dalcídio Jurandir em sua crônica são um bom retrato das práticas sociais de leitura do período, vistas por um intelectual de esquerda não sectário. Apontam os grandes sucessos e as então novidades da literatura brasileira, lembram os clássicos da literatura universal e ensaios relevantes, obras de ciências sociais e políticas, livros práticos e de divulgação científica, sem esquecer a literatura infantil e juvenil. Um belo retrato de época.

Será que hoje aquilo que era novidade, na ótica de Jurandir, dar livros de presente, novamente é prática que se perdeu? Você, rara leitora, irá presentear com livros neste Natal?

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Uma Ilha de Leitura, de Felipe Matos

O livro Uma Ilha de leitura: notas para uma história de Florianópolis através de suas livrarias, livreiros e livros (1830-1950), de FelipeMatos, editado pela Editora da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) www.editora.ufsc.br , é, segundo o autor, uma “introdução ao tema da circulação da cultura letrada na ilha de Santa Catarina”.

Na apresentação, a professora Maria Teresa Santos Cunha, da UESC, afirma que “é obra de extrema sutileza e exigência, onde o senso crítico nunca se dissociou da ternura e onde a liberdade permanente não dispensou jamais os rigores e as riquezas do diálogo histórico”. Diz ainda que esta obra “foi construída lenta e continuamente em um longo perambular do seu autor por variados arquivos, bibliotecas, leituras, conversas”, sendo “uma criteriosa pesquisa que apresenta uma cartografia possível para uma história editorial da cidade de Florianópolis (a partir de Desterro), mapeando suas tipografias, livrarias, livreiros e livros”.

Leia a íntegra do texto de Maria Teresa Santos Cunha, “De tipografias, livrarias e livros: viagens por mundos e fundos”, acessando os Arquivos do e-grupo Cultura Letrada:
http://groups.google.com/group/cultura-letrada

O lançamento, em Florianópolis (SC), ocorrerá nesta quinta-feira, dia 15 de dezembro, a partir de 19h, na Patropi, Av. Rio Branco, 583 – Centro.

Mais informações: Tel. (48) 3222-4644.

Recebi e estendo a você, raro leitor, a notícia deste lançamento, que me deixou muito contente. Torcia por essa publicação desde que conheci o seu belo texto, de leitura prazerosa. Estou certo que o jovem historiador Felipe Matos dá uma importante contribuição à história cultural de Santa Catarina e à história do livro no Brasil.


Envio daqui meus parabéns a Felipe. Peço a você, raro leitor, que, se puder estar presente, lhe dê um abraço por mim.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Périplo, de Sávio Soares de Sousa

Abro o livro de Homero e me surpreendo,
anônimo, entre heróis de iluminura,
eu, caipira inocente, de mistura
com gregos e troianos, combatendo.

Incomoda-me o peso da armadura.
Nem mesmo sei se agrido ou me defendo.
E devo confessar: só não me rendo
porque desperto ao cabo da leitura.

Fecho o volume. Saio do aeroporto,
fatigado de errâncias, quase morto.
Ulisses, eu? Meu lema é amor e paz.

Retorno ao lar e, em pouco, estou refeito:
Penélope me aguarda, no seu leito,
e essa história de guerra - nunca mais!

Niterói, 28/11/2008.

Inédito do poeta niteroiense, a sair em seu próximo livro, A penúltipla guerra de Tróia (Poesia Reunida), pela Traço&Photo, previsto para 2009. Fiquemos atentos, pois a poesia de Sávio é sempre boa de saborear.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Contos do Velho Nipon na Primavera dos Livros

Luís Antônio Pimentel autografa Contos do Velho Nipon. Foto de Augusto Erthal.

Masanori Ninomiya, o ilustrador da 3a. edição de Contos do Velho Nipon, autografa. Foto de Augusto Erthal.



A leitora conversa com Pimentel enquanto aguardo o seu autógrafo no belo Palácio do Catete.
Ao fundo, Ricardo Hallais fotografa. Foto de Augusto Erthal.

Professora Sonia Regina Longhi Ninomiya, Luís Antônio Pimentel, Masanori Augusto Longhi Ninomiya, o ilustrador, Luiz Augusto Erthal, o editor, e Augusto Erthal, autor do projeto gráfico da bela edição de Contos do Velho Nipon. Foto de Ricardo Hallais.


Alguns registros do lançamento do livro Contos do Velho Nipon, de Luís Antônio Pimentel, realizado no dia 29/11/2008, durante a Primavera dos Livros, nos jardins do Museu da República, antigo Palácio do Catete, no Rio de Janeiro.

A 3a. edição do livro foi uma iniciativa do editor fluminense Luiz Augusto Erhtal, da Nitpress (tel. 55-21-2618-2972), e contou com a colaboração do jovem ilustrador Masanori Ninomiya, que expressou, magnificamente, em traços contemporâneos, a magia dos contos tradicionais da cultura japonesa e de seus personagens eternos.
O projeto gráfico, harmônico e muito bem urdido por Augusto Erthal, inclui a tradução para o japonês, em ideogramas, feita pela professora Nícia Tanaka, do título do livro e dos seus contos: Momo Tarô ou o Filho do Pêssego, O Velho e os Demônios, O Jovem Pescador, O Tito-tico de Língua Cortada, O Ressuscitador de Árvores, o Macaco e os Caranguejos, A Montanha de Katch-Katch, A Aranha Fantasma, A Vingança da Raposinha, O Guerreiro e o Anãozinho, O Machado de Ouro, Kintaro.
O belo volume, cartonado, de 86 páginas, conta ainda com os peritextos "Histórias de ontem, de hoje, e de sempre", de Sonia Regina Longui Ninomiya, "De uma Antologia Telúrica", de R. S. Kahlmeyer-Mertens, "Luís Antônio Pimentel, um Narrador", de Aníbal Bragança, o "Prefácio à Primeira Edição", de Mello Mourão, as "Notas do Editor" e "Dados biobliográficos da Luís Antônio Pimentel", e o registro do "Reconhecimento do Japão ao escritor fluminense".
É imperativo afirmar: Contos do Velho Nipon é uma das opções mais sugestivas para presentear, inclusive neste Natal, crianças, jovens e adultos, nipo-brasileiros ou não, pela sabedoria da tradição japonesa e pelo saboroso texto de Luís Antônio Pimentel, encerrados em belo volume.
PS: Luís Antônio Pimentel estará autografando Contos do Velho Nipon na Livraria Ideal, em Niterói - RJ (Rua Visc. de Itaboraí, 222, Centro - tel. 55-21-2620-7361), no dia 20/12/08, sábado, de 10 às 13h. Se puder, não perca!

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Vestibular para cursos de graduação à distância em universidades públicas do Rio de Janeiro

Recebi, raro leitor, e repasso para eventuais interessados estas informações que me parecem relevantes:

As inscrições para o Vestibular Cederj 2009/1 foram prorrogadas até o dia 30 de novembro.

São 4.011 vagas para os cursos de graduação à distância em diferentes áreas.

O consórcio Cederj é uma parceria entre o Governo do Estado do Rio de Janeiro, através da Secretaria de Ciência e Tecnologia, e as universidades públicas presentes no estado (UENF, UERJ, UFF, UFRJ, UFRRJ e UNIRIO).

São destinados aos professores das redes públicas de ensino estadual ou municipais 20% das vagas dos cursos de Licenciatura oferecidos pela UFF, UFRJ e UNIRIO. Dos cursos oferecidos pela UENF, são destinados a esses professores 20% das vagas remanescentes das cotas.

Para mais informações: www.cederj.edu.br e telefone (21) 2568.1226.
Para inscrever-se, só até 30 de novembro: www.cederj.edu.br/vestibular

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Contos do Velho Nipon na Primavera dos Livros do Rio de Janeiro



Estãos convidados, rara leitora, raro leitor, a conhecer Luís Antônio Pimentel, um grande narrador, uma grande figura humana, com 96 anos e muita vitalidade, autor de Contos do Velho Nipon, cuja 3a. edição, estará sendo lançada pela NitPress, na Primavera dos Livros, no Palácio do Catete, Rio de Janeiro, conforme o convite acima, sábado, dia 29, de 12 às 14 h.


Jornalista, memorialista, poeta, com uma trajetória de vida admirável, Pimentel viveu de 1937 a 1942 no Japão, como um dos dois primeiros estudantes brasileiros que para lá foram com bolsas do governo japonês. Ia ficar apenas dois anos, mas, encantado com a cultura japonesa, acabou morando lá por cinco, trabalhando na Rádio Tokio e no consulado brasileiro, além de viajar e conviver com o povo, as gueixas e os grandes escritores nipônicos.


Festejado, seu livro, Namida no Kito, foi o primeiro livro de poeta brasileiro a ser editado no Japão, em 1940, em edição bilíngüe.

Nesse mesmo ano, saía no Brasil, pela Pongetti, a primeira edição do Contos do Velho Nipon, uma recolha que fez Pimentel do universo da tradição oral que ouviu ser contado, no convívio com as famílias japonesas, especialmente do interior. A 2a. edição faz parte do volume 2 de suas Obras Reunidas, organizadas por este blogueiro, editadas pela Niterói Livros, em 2004.

Luís Antônio Pimentel tem as características do narrador apontadas por Walter Benjamin, unindo o viajante ao que permanece em seu lugar. Formado em uma família de contadores que teve em seu tio, Figueiredo Pimentel, autor de Contos da Carochinha, um dos marcos da formação da literatura infantil brasileira, sua atenção acurada sempre esteve voltado para o universo da cultura popular. Memória privilegiada fez dele um apaixonado pela tradição oral.

Seus trabalhos sobre o folclore brasileiro e os Contos do Velho Nipon, nos dizem que estamos diante de um dos últimos narradores excepcionais da cultura brasileira.

Leia o texto, deste blogueiro, "Luís Antônio Pimentel, um narrador", inserto na nova edição de Contos do Velho Nipon, que está sendo lançada em comemoração aos 100 anos da imigração japonesa no Brasil.

Acesse: Luís Antônio Pimentel, Vida e Obra:
http://groups.google.com/group/luis-antonio-pimentel/files?hl=pt-BR

Para quem está no Rio de Janeiro, Niterói ou arredores, uma oportunidade imperdível.

PS: Leia na íntegra o livro Histórias da Avozinha, de Figueiredo Pimentel, na edição da Biblioteca Nacional Digital, disponível também nos Arquivos do E-Grupo Luís Antônio Pimentel, Vida e Obra:

http://groups.google.com/group/luis-antonio-pimentel


domingo, 16 de novembro de 2008

Jean-Paul Sartre, As Palavras: [Como aprendi a ler]

Foto - BBC: http://www.bbc.co.uk/portuguese/especial/149_sartre/



(...)
Comecei minha vida como hei de acabá-la, sem dúvida: no meio de livros. No gabinete de meu avô, havia-os por toda parte; era proibido espaná-los, exceto uma vez por ano antes do reinício das aulas em outubro. Eu ainda não sabia ler e já reverenciava essas pedras erigidas: em pé ou inclinadas, apertadas como tijolos nas prateleiras da biblioteca ou nobremente espacejadas em aléias de menires, eu sentia que a prosperidade de nossa família dependia delas. Elas se pareciam todas; eu folgava num minúsculo santuário, circundado de monumentos atarracados, antigos, que me haviam visto nascer, que me veriam morrer e cuja permanência me garantia um futuro tão calmo como o passado. Eu os tocava às escondidas para honrar minhas mãos com sua poeira, mas não sabia bem o que fazer com eles e assistia todos os dias a cerimônias cujo sentido me escapava: meu avô – tão canhestro, habitualmente, que minha mãe lhe abotoava as luvas – manejava esses objetos culturais com destreza de oficiante. Eu o vi milhares de vezes levantar-se com ar ausente, contornar a mesa, atravessar o aposento com duas pernadas, apanhar um volume sem hesitar, sem se dar o tempo de escolher, folheá-lo, enquanto voltava à poltrona, com um movimento combinado do polegar e do índice, e depois, tão logo sentado, abri-lo com um golpe seco “na página certa”, fazendo-o estalar como um sapato. (...)

Meu avô nunca soubera fazer contas: pródigo por desleixo, generoso por ostentação, acabou por cair, muito mais tarde, nessa doença dos octogenários, que é a avareza, efeito da impotência e do medo de morrer. Naquela época, ela se prenunciava apenas numa estranha desconfiança: quando recebia, por ordem postal, o montante de seus direitos autorais, erguia os braços para o céu gritando que lhe estavam cortando a garganta, ou então entrava no aposento de minha avó e declarava sombriamente: “Meu editor me assalta como numa floresta”. Eu descobria, estupefato, a exploração do homem pelo homem. Sem essa abominação, felizmente circunscrita, o mundo, no entanto, apresentar-se-ia bem-feito: os patrões davam segundo suas capacidades aos operários segundo seus méritos. Por que era preciso que os editores, esses vampiros, o descompusessem, bebendo o sangue de meu pobre avô? Meu respeito cresceu por aquele santo homem cujo devotamento não obtinha recompensa: fui preparado desde cedo a tratar o magistério como um sacerdócio e a literatura como uma paixão.

Eu ainda não sabia ler, mas já era bastante esnobe para exigir os meus livros. Meu avô foi ao patife de seu editor e conseguiu de presente Os Contos do poeta Maurice Bouchor, narrativas extraídas do folclore e adaptadas ao gosto da infância por um homem que conservava, dizia ele, olhos de criança. Eu quis começar na mesma hora as cerimônias de apropriação. Peguei os dois volumezinhos, cheirei-os, apalpei-os, abri-os negligentemente na “página certa”, fazendo-os estalar. Debalde: eu não tinha a sensação de possuí-los. Tentei sem maior êxito tratá-los como bonecas, acalentá-los, beijá-los, surrá-los. Quase em lágrimas, acabei por depô-los sobre os joelhos de minha mãe. Ela levantou os olhos de seu trabalho: “O que queres que eu te leia, querido? As Fadas?” Perguntei, incrédulo: “As Fadas estão aí dentro?” A história me era familiar: minha mãe contava-a com freqüência, quando me levava, interrompendo-se para me friccionar com água-de-colônia, para apanhar debaixo da banheira o sabão que lhe escorregara das mãos, e eu ouvia distraidamente o relato bem conhecido; (...)

Ao cabo de um instante, compreendi: era o livro que falava. Dele saíam frases que me causavam medo: eram verdadeiras centopéias, formigavam de sílabas e letras, estiravam seus ditongos, faziam vibrar as consoantes duplas: cantantes, nasais, entrecortadas de pausas e suspiros, ricas em palavras desconhecidas, encantavam-se por si próprias e com seus meandros, sem se preocupar comigo: às vezes desapareciam antes que eu pudesse compreendê-las, outras vezes eu compreendia de antemão e elas continuavam a rolar nobremente para o seu fim sem me conceder a graça de uma vírgula.

Seguramente, o discurso não me era destinado. Quanto à história, endomingara-se: o lenhador, a lenhadora e suas filhas, a fada, todas essas criaturinhas, nossos semelhantes, tinham adquirido majestade, falava-se de seus farrapos com magnificência; as palavras largavam a sua cor sobre as coisas, transformando as ações em ritos e os acontecimentos em cerimônias.

Alguém se pôs a fazer perguntas: o editor de meu avô, especializado na publicação de obras escolares, não perdia ocasião de exercitar a jovem inteligência de seus leitores. Pareceu-me que uma criança era interrogada: no lugar do lenhador, o que faria: Qual das duas irmãs preferia? Por quê? Aprovava o castigo de Babette? Mas essa criança era absolutamente eu, e fiquei com medo de responder. Respondi, no entanto: minha débil voz perdeu-se e senti tornar-me outro. Anne-Marie, também, era outra, com seu ar de cega superlúcida; parecia-me que eu era filho de todas as mães, que ela era a mãe de todos os filhos. Quando parou de ler, retomei-lhe vivamente os livros e saí com eles debaixo do braço sem dizer-lhe obrigado.

Com o tempo senti prazer naquele deflagrador que me arrancava de mim mesmo: Maurice Bouchor se debruçava sobre a infância com a solicitude universal que os chefes de seção dedicam aos clientes dos grandes magazines; isso me lisonjeava. Aos relatos improvisados passei a preferir os relatos pré-fabricados; tornei-me sensível à sucessão rigorosa das palavras: a cada leitura voltavam, sempre as mesmas e na mesma ordem, eu as esperava. (...)

Apossei-me de um livro intitulado Tribulações de um Chinês na China [de Júlio Verne] e o transportei para um quarto de despejo; aí, empoleirado sobre uma cama de armar, fiz de conta que estava lendo: seguia com os olhos as linhas negras sem saltar uma única e me contava uma história em voz alta, tomando o cuidado de pronunciar todas as sílabas.

Surpreenderam-me – ou melhor, fiz com que me surpreendessem –, gritaram admirados e decidiram que era tempo de me ensinar o alfabeto. Fui zeloso como um catecúmeno: ia a ponto de dar a mim mesmo aulas particulares: eu montava na minha cama de armar com o Sem Família de Hector Malot, que conhecia de cor e, em parte recitando, em parte decifrando, percorri-lhe todas as páginas, uma após outra: quando a última foi virada, eu sabia ler.
(...)


Jean-Paul Sartre. As palavras. Tradução de J. Guinsburg. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984, 6ª. edição, p. 30-36.

A iniciação na cultura letrada de Sartre, um dos escritores franceses e filósofos mais importantes do século XX, está narrada detalhadamente em sua obra As Palavras [Les mots], publicada em 1964, mesmo ano em que recusa o Prêmio Nobel. Ele teve o privilégio de nascer em casa de leitores, com um avô escritor, o que lhe despertou precocemente o desejo de ler e o fez ter consciência da relação conflituosa (pouco rara) entre autores e editores.

Podemos pensar que as experiências de leitura são importantes para a formação de futuros escritores, como neste e no texto de Fernando Sabino, o autor imortal de Encontro Marcado, que, permita-me confessar, rara leitora, foi um dos livros marcantes na trajetória deste leitor lacunar.

E você, raro leitor, como se iniciou nas letras?

Para saber mais sobre Jean-Paul Sartre, inicie com:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Jean-Paul_Sartre

sábado, 15 de novembro de 2008

Fernando Sabino: Os livros que (não) lemos

(...)

Eu estava no 4º ano de ginásio, e a dissertação do exame final versava sobre o tema “Minhas leituras prediletas”. Monteiro Lobato. Depois Sherlock Holmes, Búfalo Bil, Beau Geste. Já atingi aquela fase a que se refere Pedro Nava, na qual o médico tem coragem de dizer ao cliente “não sei o que o senhor tem”: reafirmo hoje o que escrevi naquele tempo, aos 14 anos, isto é, que a melhor leitura que já fiz na vida foi a de um livro de aventuras de índios chamado Winnetou, de Karl May.

O que andei lendo então? Passando os olhos pelas estantes, descubro, conformado, que não foi nem a centésima parte do que esperava ler. E muito menos do que afirmo (o que é pior, acreditando eu próprio) haver lido. Já não falo dos livros cuja leitura me dispensei de iniciar, baseado no pressuposto daquela “boutade” de Oswald de Andrade: não li e não gostei. Falo dos que deixei de terminar, dos que li em diagonal, ou dos que ficaram para sempre com aquela dobrinha numa das páginas do meio, para que eu um dia retomasse a leitura.

(...)

Aos 17 anos eu andava com um exemplar de O Banquete de Platão debaixo do braço (naquela edição de capa dura da Athena Editora). Mas bom mesmo era Edgar Wallace: O Homem de Marrocos, por exemplo, tenho a certeza de que resistiria (ou não?) a uma releitura. (E o Círculo Vermelho, [de A. Conan Doyle] em que o assassino era o próprio detetive.) Apanhava livros na Biblitoeca Pública de Belo Horizonte, ou lia lá mesmo, um por noite. (E Um Perfil na Sombra, [de Edgar Wallace] ia me esquecendo. Perdão, leitores.)


Já havia lido quase toda a Coleção Terramarear, de Song-Kay, o Pirata, [de Emilio Salgari], a Ilha de Coral, [de Robert Michael Ballantyne] passando pela série de Tarzã. Lia-se de verdade, naquele tempo. Mas veio o vício da literatura e de súbito me vi às voltas com Los Dioses Tienen Sed, de Anatole France, ou Los Paradisos Artificiales, de Baudelaire.

Por que em espanhol? Porque com a guerra, não havia livros franceses ou ingleses, e tínhamos de nos iniciar mesmo em castelhano: os argentinos da Espasa-Calpe (coleção Austral), os chilenos da Zig-Zag (em papel ordinaríssimo), os mexicanos da Fondo de Cultura. Pouco importava que para mim muslo [coxa] fosse músculo, ciruelas [ameixas] fossem ceroulas e un rato [um momento] fosse um rato mesmo – ia lendo o que me caía nas mãos. (...)

Os brasileiros, nem se fala: José Lins, Graciliano Ramos, Rachel, Jorge Amado, Mário e Oswald de Andrade; Cyro dos Anjos, Cornélio Pena, Octávio de Faria, Lúcio Cardoso, que o Etienne me emprestava. Andavam na moda dois livros raros: A Mulher Que Fugiu de Sodoma, de José Geraldo Vieira, e Sob o Olhar Malicioso dos Trópicos, de Barreto Filho.


Os poetas, era para saber de cor: Bandeira, Drummond, Vinicius, Schmidt, Cecília, Murilo, Jorge de Lima, Cassiano. Dos mais antigos, a obrigação era ter lido os romances e contos de Machado de Assis, Os Sertões, de Euclides da Cunha (só “O Homem”; “A Terra” era muito chato); O Ateneu, de Raul Pompéia; e Memórias de um Sargento de Milícias. O resto – Coelho Neto, Alencar, Macedo – era melhor que se dessem por lidos. Uma olhada nos poetas simbolistas, outra nos inconfidentes, outra nos parnasianos, e chega!

De português estava farto: já devia ter lido Camilo, Herculano, Garrett, e mais longe ainda: Frei Luís de Sousa, Gil Vicente. Mas o melhor era mesmo ficar no Eça. E depois mergulhar nos poetas, de Camões a Fernando Pessoa, de Antero de Quental a Camilo Peçanha. Passando, como requinte, por Mário de Sá-Carneiro.

Livro é que não faltava: a Coleção Nobel da Editora Globo, por exemplo. Os que todo mundo tinha obrigação de já haver lido: Sporkenbrooke, de Charles Morgan; Os Thibault, de Roger Martin du Gard; Jean Cristophe, de Romain Roland; A Montanha Mágica, de Thomas Mann; A Condição Humana, de Malraux – livros colossais, de leitura interminável. Não se falando em Cervantes, Dostoievski e Tolstoi.

O máximo da satisfação literária: poder afirmar em sã consciência já haver lido todo o Dom Quixote, Os Irmãos Karamazov e Guerra e Paz.

Três anos de vida em Nova York e quase outro tanto em Londres, com o aprendizado compulsório do inglês, lançaram-me na vertigem de um novo mundo literário, que vai de Shakespeare a Eliot, de Dickens a Norman Mailer, de Conrad a Hemingway. E mais, de Lewis Carrol a James Thurger, de Ruskin a Herbert Read, de Henry James a Henry Miller, de Manley Hopkins a Eliot e Ezra Pound. E daí?


Quando conseguir terminar jamais a leitura de Ulysses. Um dia me vi lendo ensaios de C. M. Bowra, I. A. Richards, F. R. Leavis e outros críticos de nome abreviado, sobre os absconsos segredos da poesia. Que diabo de doença era essa, que acabaria me levando, como a tanta gente boa, às raias do estruturalismo? Parei em tempo.

E descobri que o escritor da minha preferência era mesmo o romancista policial Raymond Chandler, criador do detetive Philip Marlowe. Estava curado do vírus literário.
(...)

1.7.74.


Fernando Sabino, “Os livros que (não) lemos”, in Gente II. Rio de Janeiro: Record, p. 65-70.

O artigo é mais longo. Recortei o que pode suscitar algumas lembranças ou até, quem sabe?, algum debate sobre as nossas leituras e não leituras. E sobre o por que ler os clássicos? E o porque ler, simplesmente, o que nos dá prazer, erudito ou não. O que pensa, rara leitora?

A leitura integral do artigo e, mais ainda, de todo o livro, pode ser muito interessante. Peça na sua livraria os dois volumes de Gente, compostos com artigos originalmente escritos para o Jornal do Brasil, em 1973-1974. São entrevistas, crônicas, artigos sobre temas e principalmente pessoas, interessantes para Fernando Sabino... para nós também.

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Charles Baudelaire (1821-1867), a auréola do poeta e a glória literária

Atravessava eu o Bulevar com um pouco de precipitação, para livrar-me dos carros, quando a minha auréola se desprendeu e caiu na lama do macadame. Por felicidade, tive tempo de apanhá-la, mas, um instante depois insinuou-se em meu espírito a desgraçada idéia de que aquilo era um mau presságio; e desde então a idéia não me quis sair da cabeça, deixando-me sem tranqüilidade durante o dia inteiro.

Do “Diário Íntimo”, em Meu coração desnudado. Tradução de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981, p. 34

***
– O quê! Você por aqui, meu caro? Você, num lugar suspeito! Você, o bebedor de quintessências! Você, o comedor de ambrosia? Em verdade, tenho de surpreender-me!

– Meu caro, você conhece meu pavor pelos cavalos e pelos carros. Ainda há pouco, enquanto eu atravessava a avenida, com grande pressa, e saltitava na lama por entre este caos movediço em que a morte chega a galope por todos os lados ao mesmo tempo, minha auréola, num movimento brusco, escorregou da minha cabeça para a lama da calçada. Não tive coragem de juntá-la. Julguei menos desagradável perder minhas insígnias do que deixar que me rompessem os ossos. E depois, pensei, há males que vêm para bem. Posso agora passear incógnito, praticar ações vis e me entregar à devassidão, como os simples mortais. E eis-me aqui, igualzinho a você, como vê!

– Você deveria ao menos mandar anunciar esta auréola, ou mandar reavê-la pelo comissário.

– Ora essa, não! Me sinto bem aqui. Só você me reconheceu. Aliás, a dignidade me entedia. E também, penso com alegria que algum poeta ruim há de juntá-la e vesti-la impudentemente. Fazer alguém feliz, que prazer! E sobretudo um feliz que vai me fazer rir! Pense em X ou em Z, puxa! Que divertido vai ser!

“Perda de auréola”, in Pequenos poemas em prosa. Edição bilíngüe. Tradução de Dorothée de Bruchard. Florianópolis: Editora da UFSC ; Aliança Francesa de Florianópolis, 1988, p. 217. Há reedição, de 1996.

Estes são textos para nossa vã reflexão, rara leitora. Talvez voltemos a eles. Talvez acrescentemos Walter Benjamin como guia.

O admirável livreiro Albino Jordão, cego e surdo, nas Memórias da Rua do Ouvidor, de Joaquim Manuel de Macedo

Capítulo XIV:

No Brasil ninguém morre enquanto não morre deveras de moléstia física e desaparecendo na cova do cemitério. Só assim, com esses testemunhos de óbito; porque tem-se visto muita gente moralmente morta, que de um dia para outro reaparece viva, sem que se saiba como, nem porquê. No comércio isso já é trivial, e em política sediço.

(...)

Aquela casa nº 113, ainda do lado esquerdo, acanhada, estreita, mas de três pavimentos, cujo letreiro chamador de fregueses anuncia o Café de Londres, e excelente Restaurant, foi levantada no lugar onde se mostrava a antiga e pequena casa térrea de duas portas, que ainda em 1838 era loja de livros do Albino Jordão.

Lembro sempre dele! Lembro-me da sua modesta loja de livros novos e velhos, de obras encadernadas ou em brochura, que se vendiam ali a barato preço. Em meu tempo de estudante fui freguês do Albino Jordão, e entre outras obras, comprei-lhe as Memórias Históricas de Pizarro e as Memórias para Servir à história do Reino do Brasil, do Padre Luís de Gonçalves dos Santos, por alcunha – o Perereca –, as quais de tanto socorro me têm sido em estudos, como este que estou fazendo.

O Albino Jordão era, quando o conheci, homem já velho, vestindo sempre jaqueta, e desde muito cego e surdo. Contra a cegueira não tinha recurso, que não fossem a memória surpreendente e o tato explicavelmente aprimorado; contra a surdez, que não era completa, absoluta, socorria-se de famosa e tradicional buzina que o fazia ouvir o que os fregueses da loja procuravam.

Albino Jordão tinha dois ajudantes, meninos ou rapazes de quatorze a dezesseis anos, de instrução nula e de pouco zelo: quando eles, porém, não serviam de pronto a algum freguês e demoravam-se, procurando o livro pedido, o cego, levantava-se da sua cadeira, punha a buzina no ouvido, e ciente do que se pedia, ia sempre certeiro e sem nunca enganar-se, tomar o livro na estante e no lugar onde estava, ainda mesmo quando lhe era necessário subir por pequena escada portátil para ir buscá-lo.

Eram na verdade admiráveis a memória, o tato, e o tino que a cegueira apurava naquele velho cego; mas para que pudesse tanto, era só e exclusivamente ele o ordenador, e colocador dos livros nas estantes da sua loja.

Albino Jordão foi, como livreiro, contemporâneo dos notáveis e célebres livreiros Saturnino, João Pedro da Veiga e Evaristo Ferreira da Veiga, filhos do primeiro; mas em sua loja, que não podia rivalizar com a daqueles, vendia em geral obras já usadas, livros em segunda mão, e portanto baratíssimos, e se por isso deve ser tido em conta do primeiro alfarrabista da cidade do Rio de Janeiro, foi de tanto proveito para o público, e de tão sã consciência na sua indústria, que nunca lhe caberia o nome feio que os estudantes do Imperial Colégio de Pedro II deram ao vil belchior de livros velhos estabelecido na vizinhança daquele colégio da Rua de S. Joaquim, nome um pouco obsceno que a princípio se estendeu a todos os chamados hoje alfarrabistas.

A Rua do Ouvidor deve perpetuamente lembrar o seu Albino Jordão, o primeiro livreiro que teve, o precursor, ou antecessor dos Srs. Laemmert, Garnier, e ainda outros, o Albino Jordão, enfim, cuja buzina foi tão famosa, como a tesoura de Mme. Josephine e muito mais útil do que ela, se as minhas Ex.ªs. leitoras permitem que eu assim pense.

In Joaquim Manoel de Macedo, Memórias da Rua do Ouvidor [1878], Biografia, introdução e notas de M. Cavalcanti Proença. Ilustrações de Percy Lau. Rio de Janeiro: Edições de Ouro, 1966, p. 165-166.

A pesquisa que desenvolve Gabriel Costa Labanca, mestrando em História na Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ, sobre a história das Edições de Ouro, que tive a satisfação de ver adiantada no recente Exame de Qualificação, me fez nascer a vontade de compartilhar com você, rara leitora, esta obra de Joaquim Manuel de Macedo (Itaboraí, RJ, 1820-Rio de Janeiro, 1882) - o notável autor de A Moreninha -, editada na fase áurea dessa importante editora brasileira de livros de bolso. A obra é uma excelente fonte de nossa história cultural, inclusive em suas referências aos livreiros da rua mais importante de sua época.

Algum de nossos raros leitores certamente leu, por escolha espontânea ou por indicação de seu(sua) professor(a), pelo menos uma edição de bolso publicado pela Tecnoprint no selo Edições de Ouro. Verdade?

Torcemos pelo final do trabalho de Gabriel Labanca, com a segura orientação de Tânia Bessone, que certamente dará ótima contribuição para nossa história editorial.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Governo repassa aos banqueiros (sob a forma de juros) mais de oito vezes o que aplica em educação

Segundo o estudo do Ipea, nos últimos sete anos, o governo [um ano de FHC e seis de Lula] gastou R$ 310,9 bilhões com saúde, R$ 149,9 bilhões com educação e [transferiu para o sistema financeiro e os especuladores] R$ 1,27 trilhão [sob a forma de pagamento de] juros.

Os gastos com juros superam em oito vezes o que foi aplicado em educação e em 10 vezes os investimentos para o país crescer.

"Ademais de poder ser considerado um gasto improdutivo, pois não gera emprego e tampouco contribui para ampliar o rendimento dos trabalhadores, termina fundamentalmente favorecendo a maior apropriação da renda nacional pelos detentores de renda da propriedade (títulos financeiros)", comenta o Ipea sobre os gastos com juros.


A qualidade do gasto público realizado no período de 2000 a 2007 não favoreceu a distribuição de renda no Brasil. É o que destaca a pesquisa divulgada nesta quarta-feira pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), com base nos mesmos dados Sistema de Contas Nacionais (SCN) e para a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad).

Leia a matéria completa publicada em O Globo, 12/11/2008 às 12h04m
http://oglobo.globo.com/economia/mat/2008/11/12/governo_gasta_em_juros_mais_de_oito_vezes_que_aplica_em_educacao_diz_ipea-586365936.asp

Os especuladores e banqueiros agradecem aos colegas que “receberam” o comando do Banco Central e obrigam o Estado a pagar juros a taxas astronômicas – as maiores do mundo! – aos seus patrões, pela dívida pública, com a esfarrapada desculpa de combater a inflação. Até quando, Senhor, nos irão enganar e saquear?! Até quando a sociedade brasileira agüentará isto passivamente?

Por que o país não paga taxas de juros de dívidas (duvidosas) iguais às que são praticadas nos outros países onde esses mesmos capitalistas especulam? Por que eles e todo o sistema financeiro têm tantos privilégios e gozam de tanta impunidade (a começar pelo presidente do Banco Central) no Brasil?

Até quando veremos a educação e a saúde pública serem uma forma de humilhação para a sociedade brasileira? E a falta de segurança pública...?


Quanto o Estado poderia fazer com o que arrecada de impostos das classes médias e populares (a política fiscal brasileira é às avessas) ao invés de destinar isso para os banqueiros?

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Uma biblioteca, por Luiz Antônio de Assis Brasil

Uma biblioteca não é apenas um lugar em que ficam os livros. Uma biblioteca é um lugar que nos pega por todos os sentidos. Os livros nas estantes, sábios numa assembléia, estão ali, olhando-nos sem curiosidade: eles têm séculos de existência à nossa frente, eles sabem de onde viemos e para onde vamos.

Uma biblioteca não terá fim. Bibliotecas são para sempre. Ali se respira o ar do tempo que, em seu lento evoluir, cria romances, novelas, contos, tratados, compêndios, ensaios, artigos, poemas, dicionários, enciclopédias, e também jornais, revistas.

Uma biblioteca tem o cheiro do tempo. As páginas, amarelecendo como se estivessem num perpétuo outono, possuem um perfume que só os iniciados conhecem.

Ao olharmos à distância para uma estante de biblioteca, não distinguiremos os nomes dos autores, nem os títulos dos livros. Todos os livros parecem iguais. Enquanto não nos aproximarmos, eles irão manter-se numa velada promessa. Isso é bom; isso incita à aproximação. Esse zoom que fazemos com ansiosa expectativa, ao chegar perto das lombadas, revela-nos os títulos, os nomes, numa descoberta caprichosa, quase solene e, ao mesmo tempo, íntima. É como uma descoberta do mundo.

Ao levarmos a mão a um livro, ele se torna nosso. Mesmo que saibamos que ele já foi muito manuseado e que depois passará a outras mãos, naquele instante único ele é nosso. Só nós temos o direito de lê-lo. Na leitura silenciosa não há partilha. É um bem-vindo egoísmo, uma luxúria do espírito.

Mas há novidades neste mundo tão antigo. Depois de quase 500 anos, começam a surgir outras modalidades de uma obra chegar a seu leitor. Como nova geração, chega com algum
alarde. Mas nós sabemos, também, que essas novas formas vieram para permanecer entre
nós. Ótimo: são muito bem-vindas. Seus lugares já estão escolhidos: serão numa biblioteca. Ali conviverão em diálogo com as gerações mais velhas. Ali receberão o cuidado dos bibliotecários. Ali, esses generosos e eficientes funcionários saberão dar a palavra certa ao leitor. Ser bibliotecário é mais do que assumir uma profissão: é entender o mundo como uma ordem. Bibliotecários instauram o Cosmo em meio ao Caos.

Assim, inaugurar uma biblioteca é dar um sentido a tudo o que o ser humano fez nesta longa trajetória sobre a Terra. Sem nenhum drama nem exagero podemos dizer: inaugurar uma biblioteca é um ato para a eternidade.

In Zero Hora, Porto Alegre, RS, 5 de novembro de 2008. Graças à divulgação de Hugo & Cândida, a quem estamos sempre gratos.

Vivemos em época cheia de contradições e com múltiplas realidades, convivendo de forma nem sempre harmônica. Por um lado, percebe-se que o governo, através da Fundação Biblioteca Nacional, do Ministério da Cultura, busca avançar na instalação de bibliotecas públicas nos municípios em que elas ainda não existem. É pouco, mas é muito ao mesmo tempo, pois existir município em que os leitores não tenham acesso a esse espaço de encontros e sociabilidades intelectuais é algo lastimável, numa sociedade moderna. Ao mesmo tempo, vemos que muitas bibliotecas públicas não cumprem verdadeiramente sua missão. E assistimos também à redução das bibliotecas particulares, por várias razões, desde a redução de espaço até ao preço do livro.

Com tudo isso, vozes como a do escritor gaúcho Luiz Antônio de Assis Brasil se fazem ouvir em defesa das bibliotecas e de sua permanência. Assim seja!


E você, raro leitor, usa bibliotecas, além da sua? Está satisfeito com as bibliotecas de que se serve? Acha que a Internet e o Google lhe oferecem acesso a tudo que precisa?

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

O Choque das Raças ou O Presidente Negro, Monteiro Lobato, 1926


Capa (sem indicação de autor) e folha de rosto da 1a. edição

(...)
Era Jim Roy na realidade um homem de immenso valor. Nascera fadado a altos destinos, com a marca dos conductores de povos impressa em todas as facetas da sua individualidade. Como organizador e meneur talvez superasse os mais famosos organizadores surgidos entre os brancos. A historia da humanidade pouco [sic] exemplos apresentava de uma efficiencia egual á sua. Consagrara-se desde muito joven á execução dum plano de genio, traçado nas linhas mestras com a mais perfeita comprehensão do material humano sobre que pretendia agir.

- Está-me lembrando o velho Moysés...

- Jim Roy conseguira o milagre da associação integral da população negra sob a bandeira dum partido politico cujas forças, collectadas por extensa cadeia de agentes districtaes, vinham, como fios telephonicos, ter á estação central da sua chefia suprema. Sempre sabias e constructoras, desciam suas instrucções, com autoridade de dogmas, sobre todas as cellulas da Associação Negra (era o nome do partido) e as fazia moverem-se como puros automatos. Esta abdicação, ou melhor, esta sujeição consciente e consentida de todas as vontades a uma vontade única, aperfeiçoara-se de tal modo, que no anno da tragedia a situação politica dos Estados Unidos passou de jacto a depender do leader negro.

- Passou a depender delle como? Pois não eram os negros apenas cem para duzentos milhões de brancos?

- Não se impaciente, senhor Ayrton. Temos que ir por partes. Disse eu que a situação politica da America passou a depender de Jim Roy e foi facto. Mas antes de lá chegarmos temos que fazer um rodeio politico. Gosta de politica, senhor Ayrton?
(...)

In Monteiro Lobato, O Choque das Raças ou O Presidente Negro. Romance americano do anno 2228. [1ª. edição] S. Paulo ; Rio de Janeiro: Companhia Editora Nacional, 1926, p. 130-131.
Para saber mais:
http://lobato.globo.com/biblioteca_Geral.asp

Este blogueiro, cara leitora, associa-se ao regozijo geral e registra este texto do genial Monteiro Lobato, em seu romance "futurista", hoje na ordem do dia. Cremos que, além e talvez mais que um marco na superação do preconceito racial da sociedade americana, a eleição de Barack Hussein Obama II significa a escolha pela não continuidade do governo mais estreito, militarista e criminoso da história política americana recente. E o anseio por uma política de paz, interculturalidade e respeito pelas diferenças, quer interna quer externamente. Torcemos para que não se frustrem as expectativas criadas. Boa sorte, Presidente Obama! Boa sorte, Presidente Negro!

sábado, 1 de novembro de 2008

O jornal e o livro, por Machado de Assis (1ª. parte)

(...)
Tudo se regenera: tudo toma uma nova face. O jornal é um sintoma, um exemplo desta regeneração. A humanidade, como o vulcão, rebenta uma nova cratera quando mais fogo lhe ferve no centro. A literatura tinha acaso nos moldes conhecidos em que preenchesse o fim do pensamento humano? Não, nenhum era vasto como o jornal, nenhum liberal, nenhum democrático, como ele. Foi a nova cratera do vulcão.

Tratemos do jornal, esta alavanca em que Arquimedes pedia para abalar o mundo, e que o espírito humano, este Arquimedes de todos os séculos, encontrou.

O jornal matará o livro? O livro absorverá o jornal?

A humanidade desde os primeiros tempos tem caminhado em busca de um meio de propagar e perpetuar a idéia. Uma pedra convenientemente levantada era o símbolo representativo de um pensamento. A geração que nascia vinha ali contemplar a idéia da geração aniquilada.

Este meio, mais ou menos aperfeiçoado, não preenchia as exigências do pensamento humano. Era uma fórmula estreita, muda, limitada. Não havia outro. Mas as tendências progressivas da humanidade não se acomodavam com os exemplares primitivos dos seus livros de pedra. De perfeição em perfeição nasceu a arte. A arquitetura tinha transformar em preceito, em ordem, o que eram então partos grotescos da fantasia dos povos. O Egito na aurora da arquitetura deu-lhe a solidez e a simplicidade nas formas severas da coluna e da pirâmide. Parece que este povo ilustre queria fazer eterna a idéia no monumento, como o homem na múmia.

O meio, pois, de propagar e perpetuar a idéia era uma arte. Não farei a história dessa arte, que, passando pelo crisol das civilizações antigas, enriquecida pelo gênio da Grécia e de Roma, chegou ao seu apogeu na Idade Média e cristalizou a idéia humana na catedral. A catedral é mais que uma fórmula arquitetônica, é a síntese do espírito e das tendências daquela época. A influência da Igreja sobre os povos lia-se nessas epopéias de pedra; a arte por sua vez acompanhava o tempo e produzia com seus arrojos de águia as obras primas do santuário.

A catedral é a chave de ouro que fecha a vida de séculos da arquitetura antiga; foi a sua última expressão, o seu derradeiro crepúsculo, mas uma expressão eloqüente, mas um crepúsculo palpitante de luz.

Era, porém, preciso um gigante para fazer morrer outro gigante. Que novo parto do engenho humano veio nulificar uma arte que reinara por séculos? Evidentemente era mister uma revolução para apear a realeza de um sistema; mas essa revolução devia ser a expressão de um outro sistema de incontestável legitimidade. Era chegada a imprensa, era chegado o livro.

O que era a imprensa? Era o fogo do céu que um novo Prometeu roubara, e que vinha animar a estátua de longos anos. Era a faísca elétrica da inteligência que vinha unir a raça aniquilada à geração vivente por meio melhor, indestrutível, móbil, mais eloqüente, mais vivo, mais próprio a penetrar arraiais de imortalidade.

O que era o livro? Era a fórmula da nova idéia, do novo sistema. O edifício, manifestando uma idéia, não passava de uma cousa local, estreita. O vivo procurava-o para ler a idéia do morto; o livro, pelo contrário, vem trazer à raça existente o pensamento da raça aniquilada. O progresso aqui é evidente.

A revolução foi completa. O universo sentiu um imenso abalo pelo impulso de uma dupla causa: uma idéia que caía e outra que se levantava. Com a onipotência das grandes invenções, a imprensa atraía todas as vistas e todas as inteligência convergiam para ela. Era um crepúsculo que unia a aurora e o ocaso de dous grandes sóis. Mas a aurora é a mocidade, a seiva, a esperança; devia ofuscar o sol que descambava. É o que temia aquele arcediago da catedral parisiense, tão bem delineado pelo poeta das Contemplações**.

Com efeito! a imprensa era mais que uma descoberta maravilhosa, era uma redenção. A humanidade galgava assim o Himalaia dos séculos, e via na idéia que alvorecia uma arca poderosa e mais capaz de conter o pensamento humano.

A imprensa devorou, pois, a arquitetura. Era o leão devorando o sol, como na epopéia do nosso Homero***.

Não procurarei historiar o desenvolvimento desta arte-rei, desenvolvimento asselado em cada época por um progresso. Sabe-se a que ponto está aperfeiçoada, e não se pode calcular a que ponto chegará ainda.

Mas restabeleçamos a questão. A humanidade perdi a arquitetura, mas ganhava a imprensa; perdia o edifício, mas ganhava o livro. O livro era um progresso; preenchia as condições do pensamento humano? Decerto; mas faltava ainda alguma cousa; não era ainda a tribuna comum, aberta à família universal, aparecendo sempre com o sol e sendo com o ele o centro de um sistema planetário. A forma que correspondia a estas necessidades, a mesa popular a distribuição do pão eucarístico da publicidade, é propriedade do espírito moderno: é o jornal.

O jornal é a verdadeira forma da república do pensamento. É a locomotiva intelectual em viagem para mundos desconhecidos, é a literatura comum, universal, altamente democrática, reproduzida todos os dias, levando em si a frescura das idéias e o fogo das convicções.

O jornal apareceu, trazendo em si o gérmen de uma revolução. Essa revolução não é só literária, é também social, é econômica, porque é um movimento da humanidade abalando todas as suas eminências, a reação do espírito humano sobre as fórmulas existentes do mundo literário, do mundo econômico e do mundo social.

Quem poderá marcar todas as conseqüências desta revolução?

Completa-se a emancipação da inteligência e começa a dos povos. O direito da força, o direito da autoridade bastarda consubstanciada nas individualidades dinásticas vai cair. Os reis já não têm púrpura, envolvem-se nas constituições. As constituições são os tratados de paz celebrados entre a potência popular e a potência monárquica.

Não é uma aurora de felicidade que se entreabre no horizonte? A idéia de Deus encarnada há séculos na humanidade apareceu enfim à luz. Os que receavam um aborto podem erguer a fronte desassombrada: concluiu-se o parto**** maravilhoso.

Ao século XIX cabe sem dúvida a glória de ter aperfeiçoado e desenvolvido esta grandiosa epopéia da vida íntima dos povos, sempre palpitante de idéias. É uma produção toda sua. Depois das idéias que emiti em ligeiros traços é tempo de desenvolver a questão proposta: - O livro absorverá o jornal? o jornal devorará o livro?

In “Miscelânia”, Obra completa, volume III. Organizada por Afrânio Coutinho. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1979, p. 943-946..

* Publicado originalmente em Correio Mercantil, Rio de Janeiro, 10 e 12 de janeiro de 1859.
** Como sabe o leitor, Machado aqui se refere a Victor Hugo, na passagem de seu romance Nossa Senhora de Paris, em que o padre Claude Frollo, apontando para a prensa tipográfica e para as imagens e textos gravados nas paredes de pedra da catedral, diz “Isto vai matar aquilo”.
***Nota do autor: “Colombo”, poema em que trabalha o Sr. [Araújo] Porto Alegre.
**** Na edição usada para esta transcrição, escreveu-se: pacto.

Vivemos, raro leitor, o Ano de Machado de Assis, pois, como sabe, faz 100 anos que nos deixou, legando à posteridade uma obra imortal. Este texto de meados do século XIX nos pode fazer refletir sobre a história da imprensa e a crise de leitura dos jornais impressos, em todo o mundo. Mas é também uma forma de lembrar a sua importância na história da comunicação social e humana, inclusive em comparação com o livro. Aliás, na segunda parte do texto, isto será mais desenvolvido. Creio que retornaremos a ele, pois supomos que nem todos os nossos raros leitores terão como fazê-lo com muita facilidade. Ou terão?

PS: Duas exposições no centro do Rio de Janeiro, bem próxima uma da outra, marcam o Ano de Machado de Assis e encantarão nosso raro leitor, uma na Academia Brasileira de Letras, com muitas primeiras edições de sua obra, e outra na Biblioteca Nacional, com o seu riquíssimo acervo machadiano. É hora de visitar.

Carlos Drummond de Andrade e a primeira emoção literária

Recordemos, rara leitora, daquele que sempre se recusou a ingressar na Academia, e que é, não obstante, um dos grandes imortais de nossa literatura: Carlos Drummond de Andrade.

Em 1902, na Itabira do Mato Dentro, Estado de Minas Gerais, em 31 de outubro, chegou ao mundo aquele que viria a ser um de seus maiores poetas brasileiros. Este dia ficou para sempre marcado por esse fato.

Assim, lembremos de um dos oito programas dominicais que fez na Rádio Ministério Educação e Cultura – Rádio MEC, PRA-2, uma série de entrevistas concedidas a Lya Cavalcanti. A transcrição [?] dessas entrevistas compõe o livro Tempo Vida Poesia, Confissões no Rádio, publicado pela Record, em 1986. Esta é a primeira das entrevistas (p. 11 a 14 do livro):

Mal, Obrigado

- Boa noite, poeta. Como vai?

- Mal, obrigado. Todas as vezes que a gente começa uma coisa, há a premonição de não dar certo...

- Ué, você não confia no seu programa?

- Eu? Nem um pouco. Mas vamos experimentar, como fazem tantos reformadores sociais. Se não der certo, não corremos o risco dos atores no palco. Você volta para o seu escritório na Câmara dos Deputados...

- E você para a sua casa.

- É, o rádio tem isso de bom, como a televisão. Não precisa xingar, bater ou matar ninguém: basta girar o botão, ou desligar.

- É verdade que sua idéia não deixa de ser... petulante. Me desculpe, mas isso de fazer memórias pelo rádio...

- Tá desculpada. No fundo, você está sendo é gentil, insinuando que sou ainda muito jovem para contar minha vida, e que ela continua. Na verdade, a vida que continua sempre é a dos outros. A da gente vai ficando reduzida a certos interesses fundamentais, e mesmo não perdendo em intensidade, será uma intensidade concentrada em área menor. Uma lâmpada, e não um lustre, entende?

- Ai de mim, vou começando a entender.

- Pois é isso. Chega um momento em que a pessoa, fatalmente, se joga numa poltrona macia, estica as pernas e diz: Bem, vamos recordar, como na Ceia dos Cardeais.

- E você vai abrir sua vida diante de todo mundo? Que falta de gosto, para não dizer: que horror!

- Falta de gosto ou horror, por quê? Então você acha que ela mais... quer dizer, menos publicável do que a dos outros?

- Não é isso. É que para mim o processo de recordação tem qualquer coisa de íntimo, de intramuros, passado entre duas pessoas. Se você o pratica pelo microfone, está fazendo conferência, dando aula, posando, até mentindo sem querer. Acaba desvirtuando a pureza do traço para interessar o público no seu desenho. E isso é uma pouca-vergonha, desculpe a expressão.

- Sossegue, Lya. Não vou dar um show de mim mesmo ao público. Nem o público havia de gostar, pois afinal eu não desintegrei o átomo, não ganhei a Segunda Guerra Mundial, não descobri a penicilina... Que é que me pode ser atribuído na história da humanidade, ou mesmo da contracultura? Nada. Rabisquei papelório burocrático e uma versalhada do tipo livre. Os homens e mulheres notáveis, do ponto de vista humanitário, científico, político, esses é que têm imagem digna de multiplicação.

- Mas já me disseram que você escreve bem, e nessa qualidade...

- Não exageremos. Não há código para decidir o que é escrever bem ou mal. E há ainda o problema grave: o que merece ser escrito, bem ou mal, para o bem de todos? O que eu pensava em fazer pelo rádio não era me contar, era contar o que eu vi outros fazerem, ao longo de algumas dezenas de anos de vida literária. Isso me dispensaria de contar o que eu mesmo fiz, se é que fiz alguma coisa, e se não teria sido melhor deixar de fazê-la.

- Mas você não contar tudo que viu, é claro.

- Não. Mas gostaria de contar também como é que a ação dos outros se reflete no espírito da gente. A vida literária pode ser comparada a uma superfície espelhante, não direi manso lago azul, em todo caso um lago ou piscina. Cada escritor que surge e se reflete nele é por sua vez reflexo mais ou menos vivo de outros escritores, que por sua vez... Em suma, a literatura é um fenômeno de imitação ou repetição. Não havendo, por exemplo, o laguinho dos suplementos e revistas literárias, como diminui o número de poetas!

- Muitos não fariam falta. No seu caso especial, quais foram as imagens que você começou a refletir no espelho? Ou por outra, que fizeram de você um literato?

- A primeira reminiscência de sentido literário, que me acode, não é propriamente de um texto de literatura, em verso ou prosa, mas de um personagem de romance. Não do romance em si, mas da figura projetada por ele. Porque o texto não era bem texto, era uma coleção de legendas de uma coleção de figuras, na versão infantil do Robinson Crusoé, de Defoe, na revista O Tico-Tico, publicação da maior importância na formação intelectual das crianças do começo deste século. Creio que lhe devo minha primeira emoção literária, pois, quando Robinson conseguiu se mandar da ilha, senti um nó na garganta: eu queria que ele continuasse lá o resto da vida, solitário e dominador... Emoção produzida por uma personagem literária, um mito.

- Mas você é o tipo do caramujo, puxa! Ainda fedelho, e já sonhava com ilhas desertas.

- Não era bem a solidão da ilha que me encantava no Robinson, era talvez, inconscientemente, a sugestão poética.


Fica a sugestão, rara leitora, que tal ir à biblioteca mais próxima - a da sua sala? - e ler ou reler essas entrevistas. A segunda é "Leituras de garoto".

terça-feira, 28 de outubro de 2008

Dia Nacional do Livro, amanhã, 29 de outubro

O Dia Nacional do Livro foi instituído em 1966. A data está vinculada às comemorações da fundação da Biblioteca Nacional. Nesse dia, em 1810, D. João, o Príncipe Regente, editou o decreto cujo texto está abaixo transcrito, mandando instalar em condições adequadas a sua Real Biblioteca, origem da Biblioteca Nacional, nas catacumbas do Convento do Carmo, anexo à Igreja da Ordem Terceira do Carmo, no Centro do Rio de Janeiro. Esta data passou a ser a referência para a fundação da BN. Em 1967 foi instituída a Semana do Livro, com início dia 23 e término no Dia Nacional do Livro.

Para que você possa comemorar com mais intensidade, que tal saber um pouco da história desse evento?
Oferecemos a você, rara leitora, uma transcrição dos documentos oficiais vinculados a ele.

Aproveite e, se puder, leia depois algumas páginas de um livro preferido, ou mesmo daquele que certamente a aguarda na mesa de cabeceira.


1810. Outubro. 29 –
Decreto – Manda acomodar no lugar das catacumbas da Ordem Terceira do Carmo

Havendo ordenado por Decreto de 27 de Junho do presente ano, que nas casas do Hospital da Ordem Terceira do Carmo, situado à minha Real Capella, se collocassem a minha Real Bibliotheca e gabinete dos instrumentos de physica e mathematica, vindos ultimamente de Lisboa: e constando-me pelas últimas averiguações a que mandei proceder, que o dito edificio não tem toda a luz necessaria, nem offerece os commodos indispensaveis em hum estabelecimento desta natureza, e que no lugar que havia servido de catacumba aos Religiosos do Carmo se podia fazer huma mais propria e decente accomodação para a dita livraria: hei por bem, revogando o mencionado Real Decreto de 27 de Junho, determinar que nas ditas catacumbas se erija e accommode a minha Real Bibliotheca e Instrumentos de physica e mathematica fazendo-se à custa da Real Fazenda toda a despeza conducente ao arranjamento e manutenção do referido estabelecimento. O Conde de Aguiar, do Conselho de Estado, presidente do Real Erario, o tenha assim entendido e faça executar por este Decreto sómente, sem embargo de quaesquer leis, regimentos ou disposições em contrario. – Palacio do Rio de Janeiro, em 29 de Outubro de 1810. – Com a rubrica do Principe Regente Nosso Senhor.


Conforme: CARVALHO, Gilberto Vilar de. Biografia da Biblioteca Nacional (1807-1990). Rio de Janeiro: Irradiação Cultural, 1994, p. 41.

*
13 de dezembro de 1966
LEI Nº 5.191, institui o "Dia Nacional do Livro"

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, faço saber que o CONGRESSO NACIONAL decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º Fica instituído o Dia Nacional do Livro, que será comemorado, anualmente, no dia 29 do mês de outubro.
Parágrafo único. É obrigatória a comemoração da data nas escolas públicas e particulares de ensino primário e médio sem interrupção dos trabalhos escolares.

Art. 2º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 3º Revogam-se as disposições em contrário.
Brasília, 13 de dezembro de 1966; 145º da Independência e 78º da República.
H. CASTELLO BRANCO
Raymundo Moniz de Aragão

Fonte: Subsecretaria de Informações do Senado Federal

*

13 de Outubro de 1967
Decreto nº 61.527: Provê sobre a instituição da Semana do Livro.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, usando da atribuição que lhe confere o artigo 83, item II, da Constituição,

RESOLVE:

Art. 1º. Fica instituída a "Semana do Livro", que será comemorada em todo o País, anualmente com início a 23 de outubro e término a 29 do mesmo mês, data esta consagrada como o "Dia Nacional do Livro" pela Lei nº 5.191, de 18 de dezembro de 1966.

Art. 2º. O Ministério da Educação e Cultura programará as comemorações relativas à "Semana do Livro".

Parágrafo único. Caberá ao instituto Nacional do Livro e ao Grupo Executivo da Indústria do Livro - (GEIL) a coordenação dessas comemorações que serão cumpridas a partir de 1968, podendo para isso ser solicitada a colaboração das entidades e expressões da vida nacional vinculadas ao livro.

Art. 3º. O Ministério das Comunicações, por intermédio do Departamento dos Correios e Telégrafos (DCT), providenciará anualmente a emissão de sêlo postal alusivo à "Semana do Livro".

Art. 4º. Fica revogado o Decreto número 39.328, de 8 de junho de 1956.

Art. 5º. Êste decreto entrará em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 13 de outubro de 1967; 146º da Independência e 79º da República.

A. COSTA E SILVA
Tarso Dutra
Carlos F. de Simas


Publicação: Diário Oficial da União - Seção 1 - 18/10/1967, página 10543.

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

I Seminário de Políticas de Incentivo à Leitura no Brasil

Em comemoração ao Dia Nacional do Livro,
a Frente Parlamentar da Leitura convida para o

I Seminário de Políticas de Incentivo à Leitura no Brasil

29 de outubro de 2008

Auditório Nereu Ramos
Câmara dos Deputados
Brasília DF

PROGRAMAÇÃO

8h45 – Credenciamento

9h15 – Abertura - Hino Nacional Brasileiro

Presidente da FPL – Dep. Fed. Marcelo Almeida
Presidente da Câmara dos Deputados – Dep. Arlindo Chinaglia
Senador Cristovam Buarque
Ministro da Cultura Juca Ferreira
Ministro da Educação Fernando Haddad
Presidente da Câmara Brasileira do Livro, Rosely Boschini

10h – Mesa I
Dois Pra Lá, Dois Pra Cá:
A evolução das políticas públicas de incentivo ao livro e leitura

Presidente: Senador Cristovam Buarque

Por que lemos tão pouco?
Laurentino Gomes

Das intenções aos resultados, um percurso histórico
Anibal Bragança - UFF

A bola da vez: Avanços e obstáculos do PNLL
José Castilho - Secretário Executivo do PNLL


14h – Mesa II
A Gente Não Quer Só Comida:
O que o Brasil precisa para avançar na leitura?

Presidente – Dep. Marcelo Almeida

Viabilidade do Fundo Pró-Livro
Roseli Boschini - Presidente da CBL

Realidade de implementação do Fundo
Senador José Sarney

Criação de entidade autônoma para o livro
Deputado Geraldo Magela

Avanços e desafios
Alfredo Manevi – Secretário-Executivo MinC

16h – Mesa III
Numa Folha Qualquer Eu Desenho Um Sol Amarelo:
Retratos da Leitura no Brasil

Presidente – Dep. Rita Camata

Não se muda o que não se conhece
Jorge Yunes - Presidente do Instituto Pró-livro

Revelações para um bom planejamento
Galeno Amorim - Observatório do Livro e Leitura

17h30 – Encerramento
Dep. Marcelo Almeida

Coquetel e sessão de autógrafos:
Laurentino Gomes, autor do livro “1808”
Galeno Amorim , org. Retratos da Leitura no Brasil

Para participar:
Inscreva-se aqui!
ou acesse:
http://www.frentedaleitura.com.br/index.php/ficha-de-inscricao

*
Esta pode ser uma oportunidade para pensar passado, presente e futuro das políticas públicas brasileiras para o livro e a leitura. E para fortalecer o movimento em que estão envolvidos tantos que acreditam na possibilidade de avanços na área. A Frente Parlamentar da Leitura merece o apoio de todos os que sabem a importância para a sociedade da criação de novas vias de acesso ao livro, do desenvolvimento das práticas de leitura, do fortalecimento da cultura letrada no mosaico cultural contemporâneo de nosso país.
Participe, raro leitor, da forma que puder, deste movimento:

Mais informações:
http://www.frentedaleitura.com.br

terça-feira, 14 de outubro de 2008

O vicio literario, segundo Olavo Bilac [em 1905]

Um jornal assignalou hontem uma feição nova do Rio: “O aspecto dos pontos urbanos em que se vendem jornaes. Feição nova, não propriamente pelos pontos, que são antigos, mas pelo stock exposto, que é agora mais volumoso. Com effeito, o Rio conta hoje nada menos de doze diarios, sendo oito da manhã, trez da tarde e um da noite. Assim, a exposição dos vendedores é mais vasta e as pilhas de folhas mais altas. E ha ainda os semanarios, que orçam por numero equivalente, alguns jornais dos Estados e alguns supplementos illustrados de jornaes estrangeiros”.

Seria esta uma novidade consoladora, se não soubessemos, como affirma o proprio jornal, que o numero dos leitores dos jornaes diarios, no Rio, fica muito áquem de cem mil...

O forasteiro, que por aqui passasse, observando as nossas cousas pela rama, ficaria realmente admirando a nossa cultura: porque deveria ser intensamente culta uma cidade que sustenta oito jornaes diarios. Mas, se dissessemos a esse forasteiro que os analphabetos, na população d’esta cidade, estão na proporção de dois para um, - o homem escancararia os olhos, não podendo comprehender a simultaneidade e a coincidencia d’essa prosperidade da imprensa com a falta de instrucção popular.

Para fazer cessar o seu pasmo, e restituir-lhe o equilibrio cerebral, seria preciso que lhe explicassemos longamente muitas cousas, - entre as quaes esta, que é de explicação difficil: a prosperidade da imprensa é apenas apparente, e constitue sómente um dos symptomas de certo vicio, que é muito nosso, - o vicio literario.

Não é sem razão que se diz que “o mundo é mal feito”. Muito mal feito! O homem é fraco, as virtudes são poucas, os vicios são muitos, o caminho que leva á felicidade é um só e escarpado, e as estradas que levam á ruina são varias e lisas...

Ha mais vicios do que virtudes, - e cada dia se inventam vicios novos. E, se é verdade que foi Deus quem fez aquellas e o Diabo quem inventou e inventa estes, - é força confessar que o genio do mal tem muito mais imaginação e muito mais fertilidade do que o genio do bem...

Mas, de todos os vicios velhos e novos da sociedade brazileira, estou em dizer que o mais espalhado e pernicioso é o literario.

Só quem vive rabiscando chronicas e noticias para os jornaes e que póde saber como é espantosamente numerosa a produccção literaria no Brazil. Não ha dia em que não cheguem a cada escriptorio de jornal trez ou quatro volumes de versos e novellas.Vêm do extremo norte, do extremo sul, dos sertões do centro, de todos os pontos do vasto paiz. Já houve uma semana, em que recebi (não ha nisto o menor exagero!) dezoito livros de poesias!

“Publicar um livro!” – é o sonho de todos os adolescentes, e até de todos os homens maduros, nesta harmoniosa terra em que todos os sabiás são poetas e todos os homens são sabiás.

E todos esses livros são editados pelos proprios autores! E, quando se pensa no resultado pratico e benefico, que para a industria, o commercio, a lavoura, as sciencias, as artes, e a instrucção do povo, se tiraria de uma outra e melhor applicação do tempo, do dinheiro, do esforço intellectual, da energia moral, da paciencia, da esperança que se gastam inutilmente com a concepção, a composição e a impressão de todos esses folhetos lyricos, - não se póde deixar de sentir certo rancor contra os velhos poetas e os velhos criticos, que, affirmando ser a nossa raça a mais lyrica de toda a terra, injectaram em nós este terrível e avassalador veneno da mania literaria!

Verdadeira mania, verdadeira doença... Comprehender-se-ia bem a nossa superproducção literaria, se neste paiz houvesse leitores. Mas não ha. As edições dos livros e folhetos que se publicam não saem das typographias: o autor manda brochar cem ou duzentos exemplares, que dá aos amigos; e o resto da tiragem é dado em pasto ás traças vorazes, quando não é vendido a peso, para embrulhar manteiga...

Mas o mal não seria grande, se essa mania apenas manifestasse por meio da publicação continua e torrencial de folhetos de versos e contos...

O que ha de terrivel neste vicio é que fazemos literatura em tudo, e a proposito de tudo, em todas as idades, em todas as classes, em todas as profissões. É um horror! Ha literatura nas mensagens presidenciaes, nos relatorios dos ministros, nos artigos de fundo, nos noticiarios, nos annuncios, nos compendios de mathematica, nos tratados de anatomia, nos códices de pharmacia, nas theses de doutoramento, nas balas-de-estalo, nos annaes do parlamento, nas revistas scientificas, nos manuaes de escripturação mercantil, nas taboas de logarithmos, e até nos quadros estatisticos!

Ainda ha poucos dias, tendo necessidade de verificar alguns apontamentos sobre a meteorologia do Rio de Janeiro, consultei um livro de demographia, escrito por um “homem pratico”, por um “homem-de-sciencia”, - d’esses que têm a vida regulada como o movimento de um chronometro, e declaram sempre desprezar a poesia, preferindo passar um anno no hospicio entre malucos a passar uma hora num café entre poetas.

Pois aqui tendes a phrase que encontrei no livro d’esse homem; aqui a tendes, sem a alteração de uma virgula nem de uma letra: “A cidade é sempre suavemente acariciada pelas brisas; de manhã, e á noite, ha os zephyros chamados terraes; e, quando, á tarde, elles deixam de amenisar a temperatura, apparecem as auras consoladoras do mar...”

Os zephyros chamados terraes! as auras consoladoras do mar!

Fechei o livro, - e fui procurar informações meteorologicas... nas Lyras de Dirceu.

O facto de existirem tantos jornaes em uma cidade em que quase ninguem lê jornaes, - é uma das consequencias d’esse vicio literario.

Ainda no collegio, fundamos jornaesinhos manuscriptos, em que ensaiamos o primeiro vôo. Não ha lyceus, nem escolas, nem faculdades superiores, nem clubs literarios que não tenham os seus jornaes. Agora, até as tavernas e os armazens de secos e molhados têm jornaes: O Pharol do Barateiro, A Atalaia dos Freguezes, O Bom Mercado, A Estrella do Bom Toucinho, o Arauto da Carne Seca...

Quem é capaz de dizer quantos jornalistas ha no Rio de Janeiro? O jornalismo é a bahia salvadora em que vêm ancorar os naufragos de todas as outras profissões. Todo o homem, que não póde aqui intitular-se outra cousa, logo se lembra de intitular-se jornalista. As confeitarias, os botequins, os theatros, os clubs de dança, as casas de jogo, todas as casas e todas as ruas da cidade estão cheias de jornalistas!

Mas, emfim, quem lê todos esses jornaes? lemol-os nós, que os fazemos, - assim como também os livros de versos são lidos pelos autores. É um caso de... Não! Não posso escrever a comparação que o caso me suggere!

E, emquanto isso, - nada se faz para criar um publico. O analphabetismo progride, engrossado pelas levas de immigrntes que nos chegam da Europa. De onde vêm os povoadores que attrahe a Directoria do Povoamento? não vêm da França, nem da Suissa, nem da peninsula escandinava, onde não ha homem adulto ou adolescente, que não saiba ler e escrever: - vêm das peninsulas meridionaes da Europa, e da Polonia, e da Armenia, onde ha aldeias inteiras que nunca viram uma carta de abc...

Como se o numero dos analphabetos nacionaes não fosse consideravel! Ainda hontem, ao jantar, como falassemos d’estas cousas que sempre me preoccupam, disse-me um amigo: “Quer você horrorizar-se? pois, ouça isto! Ha algum tempo, estive, em Minas, em uma pequena povoação chamada Os Teixeiras, a 14 leguas de Bello Horizonte, no municipio de Itaúna, perto do rio Paráopeba. Essa aldeia tinha 237 habitantes, - e d’esses 237 habitantes apenas dois sabiam ler!”

Não tratamos de criar um publico, - nem de criar um povo livre. Estamos criando um povo de escravos.

E fundamos jornaes, e publicamos livros de versos e de novellas, e de dia em dia nos dedicamos com maior ardor ao vicio liteario...

E este vicio é mais enganador e mais allucinador do que o do opio, porque até nos dá esta illusão de delirio vesanico: a existencia de uma literatura nacional em um paiz que não saber ler!

(1905)

In Ironia e piedade. 3ª. ed. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1926 [1ª. ed.: 1916], p. 187-192.

Este retrato, raro leitor, das práticas de leitura, escrita e edição no Brasil de início do século XX, faz pensar em como o vício literário se manteve de certa forma até hoje, embora sempre restrito a parcela muito pequena da sociedade.

E hoje formar leitores de livros, o público reclamado por Bilac, é bem mais difícil, todos sabemos. Depois das maravilhas do cinema, do rádio, da televisão, temos agora a da Internet e dos computadores! E continuamos a publicar, e muito, em relação ao número de leitores efetivos.

Entretanto, segundo o mexicano Gabriel Zaid, “se todos os que desejam ser lidos na verdade lessem, haveria uma explosão sem precedentes, já que nunca tantos milhões de pessoas sonharam em ser publicados. Mas o narcisismo dificilmente gratificante do “leia-me que eu o lerei” degenerou-se em um narcisismo que nem ao menos é recíproco: “Não me peça que preste atenção em você, você presta atenção em mim Não tenho o tempo, nem o dinheiro, nem o desejo de ler o que você escreveu, quero seu tempo, seu dinheiro e seu desejo. Não me importam suas preocupações, que tal você pensar nas minhas?”.

Sabemos que a realidade de hoje é bem diferente da de um século atrás. Mas, ainda assim, vale (re)ler Olavo Bilac (na grafia original para nos lembrar da nova reforma ortográfica), junto com o ótimo livro de Gabriel Zaid, Livros demais! – Sobre ler, escrever e publicar, editado aqui pela Summus, em 2004, com tradução de Felipe Lindoso. Eles nos ajudam a pensar os desafios atuais da cultura letrada em nosso país. Escreva-nos para dizer o que pensa sobre isso, raro leitor. Se chegou até aqui, certamente, o tema lhe interessa muito.