quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Um livro na sua árvore de Natal, de Dalcídio Jurandir

- Que presente vai me dar, este Natal? Uma cesta, um perfume, aquele colar que vimos juntos na vitrina?
- Não. Um livro.
- Mas livro?!
Entraram na livraria, o rapaz pediu o Pequeno Príncipe, de Exupéry e deu a ela:
- Pra começo de conversa e de Natal. Principie.
- Príncipe? Príncipe o que?
- A ler, menina! Comece pelo Príncipe.

Certo é que perfume, colar, a meia, tão habituais ao Natal, não temem concorrência de livro. Nem as grandes cestas que parecem cargas lotando a sala de jantar próspera ou as mais discretas, por mais baratas, que vão para o subúrbio, velha encomenda pensada há meses. As coisas, como presentes, ainda só valem pelo brilho, quantidade e preço.

Embora caro e nunca necessário quanto o arroz e o feijão, ou mesmo a castanha, o livro custa menos que a gravata e dura mais que o perfume e o sabonete.

Passarão os Natais e aquela moça há de encontrar na sua casa, relido ou esquecido, mas constante, o livrinho comprado de circunstância que lhe falará sempre de um Príncipe e de suas sutis aventuras. O rapaz poupou o bolso praticando um bom-gosto, atreveu-se a entrar na livraria ao invés de entrar na perfumaria. E isso há dez anos não era assim.


Não era hábito de Natal fazer presente de livro, coitado do livro ali na montra cinzenta, entre o tédio do caixeiro e a solidariedade poeirenta dos outros livros, seus companheiros de solidão e abandono.

Agora o desamparado é confiado a uma embalagem, e tome papel colorido e tome laço de fita, aparece na vitrina, num ar festivo, como caixa de presente. Vem aos poucos ganhando seu lugar de Natal e Ano Bom.


Os novos tempos sopraram o velho pó das montras e sacodem o embaraço de quem quer dar um presente: Que tal um livro? Barato, fino, lisonjeia quem dá e quem recebe. Vamos ao livro.

A eletrônica sugere um presente

Se menino quer brinquedo, o técnico espera aquele livro que vive namorando, o Eletrônica Aplicada e convém que seu amigo se lembre disso e apareça com o presente. E há professores e estudantes que desejariam ganhar, neste Natal, aquele Evolução da Física, de Einstein e Infeld, que custa apenas setecentos cruzeiros.


É possível que a estudante de faculdade de filosofia vacile entre a pulseira e o A Origem da Terra que a preocupa nas suas aulas. Aqui esse moço parou diante da vitrina, lendo A Mecânica do Cérebro e sua curiosidade é compreensível, estuda psicologia e confia que o amigo lhe apareça em pleno Natal com o desejado volume. E não custa experimentar mandar de presente a um técnico de carros aquele Manual do Volkswagem.

A ilustração como presente de festa

Ilustrar-se é uma antiga aspiração popular, ilustrar-se naquele sentido de ler um almanaque, ler curiosidades, folhear um dicionário. Como presente de Natal, a ilustração reserva muito atrativo. Por exemplo, O Livro da Natureza, o Deuses, Túmulos e Sábios, as fartas enciclopédias, Milagres da Novocaína e o persuasivo Vença a Alergia a quatrocentos cruzeiros. E para maior resistência da ilustração, bom presente é a História da Liberdade no Brasil, de Viriato Correia.


Podemos ir aos preços mais altos, como a Enciclopédia de Arte, da editora Martins, a sete mil cruzeiros, as coleções da Cultrix - Histórias e Paisagens do Brasil - vários volumes, a seis e quinhentos ou a História das Invenções, e pode-se chegar a este: Sexo: perguntas e respostas, Guia para um casamento feliz ou mandar embrulhar, como presente, o Amor e Capitalismo, de Cláudio de Araújo Lima.

Pendure a ficção na sua árvore


Se tem árvore, não hesite, tome o rumo da livraria e veja o desfile da ficção brasileira um pouco ansiosa de virar presente, um pouco ainda envergonhada, mas que diabo! Não faz mal sair num embrulho lindo, ser pendurada na árvore ou discretamente entregue ao amigo:
Convém ler a ficção nacional, senhores que gostam de dar presentes de festas, convém! Por exemplo, aqui temos o segundo volume de Marques Rebelo, A Mudança, e aí você encontra o Rio em excelente prosa; mande embrulhar também o Maria de Cada Porto, de Moacir Lopes, não esqueça Primeiras Estórias, de Guimarães Rosa, O Vento do Amanhecer em Macambira, de José Condé, Matéria de Memória, de Carlos Heitor Cony, o Corpo Vivo, de Adonias Filho, Serras Azuis, de Geraldo França de Lima, o Ganga-Zumba, de João Felício dos Santos, o Arquipélago, de Érico Veríssimo, a coleção Graciliano Ramos numa verdadeira embalagem de Natal, todo o José Lins do Rego.

Entre a quantidade dos presentes nunca será demais A Comédia Humana, de Balzac, da editora Globo, ou a coleção Dostoievski, da José Olympio, o Guerra e Paz, de Tolstoi ou Grandes Esperanças, de Dickens. E será bom incluir no roteiro uma visita a Machado de Assis, seus livros devem estar em toda estante; e fazemos questão de lembrar que há um romance indispensável para presente: o Triste Fim de Policarpo Quaresma, do carioca Lima Barreto.


Por outro lado, os que gostam da velha aventura podem ainda ler o Alexandre Dumas em Os Três Mosqueteiros e O Colar da Rainha e a coluna maciça dos romances policiais – mas sempre livro.

A hora da poesia

Em matéria de poesia é seguir os bons poetas e a Aguilar pode dar de presente o Fernando Pessoa em volume muito digno. Mas não esquecer, leitora da grama em Del Castilho, defronte do conjunto residencial, que bom presente é também As Primaveras, de Casimiro de Abreu, ou as Espumas Flutuantes, de Castro Alves, ou, então, o Terceira Feira, de João Cabral de Melo Neto.

Não fica aí a sugestão, porque outros poetas estão ao nosso alcance, neste Natal: Lição de Coisas, de Carlos Drummond de Andrade, Para Viver um Grande Amor, de Vinicius de Moraes, O País do Não Chove, de Homero Homem e o Violão de Rua. Estão à sua espera, que é comprar, levar e o presente valeu por toda vida.

Miudeza também é presente

Os mais modestos não desejam os livros mais ricos ou os mais sábios e sim aqueles, por exemplo, da coleção “Como Se Faz...", "Como Se Vence”, onde é fácil encontrar para um presentinho despretensioso, o Arte de Fazer Amigos, o Aprenda a Conversar, Como emagrecer comendo e tudo a preço camarada.

Informações úteis, como presente, é uma boa sugestão de Natal e Ano Bom; este, por exemplo, Da Tabela Price ou Conheça seus Direitos, além do Aprenda a Nadar Corretamente e mande a seu amigo um “Manual de Judô”, sempre é livro.

Para um distante amigo da roça, não será bom mandar de presente o Lições Práticas de Avicultura? A um que se empenha no esoterismo, mande esse volume aqui, solene, por nome Cabala.

Os livros sérios

Todo livro é sério e creio que nada mais sério do que um livro de poesia. Mas aqui os sérios são os livros de fisionomia grave como, por exemplo, o Reflexões sobre a História, de Burckhardt, o Pré-Revolução Brasileira, de Celso Furtado, A Inflação Brasileira, de 1820 a 1958, a Coleção Saber, com mais de cincoenta volumes, o Princípios de Planejamento Econômico, o Manual de Economia Política, da Editorial Vitória, o Formação Histórica do Brasil, de Nelson Werneck Sodré, os livros da coleção Brasiliana, o Dicionário do Folclore Brasileiro, de Luiz da Câmara Cascudo, o Cristianismo Hoje, da editora Universitária, a preços que variam de trezentos e setecentos.

Cabe incluir, pela atualidade, o Política Externa Independente, de Santiago Dantas. Um Hatha-Yoga é um presente de Natal a amigo que cultiva essa transcendente matéria. E em meio a tamanha seriedade de livros, não esquecer que o Natal e Ano Bom reclamam livros de cozinha, este, por exemplo, Prenda Seu Marido...Cozinhando.

Agora, noutra escala, a da crítica, temos dois presentes de significação: A Glória de César e o Punhal de Brutus, de Álvaro Lins, e o Laboratório Poético de Cassiano Ricardo, de Osvaldino Marques.

“Homenzinho na Ventania"

A Editora do Autor lançou uma nova coleção de presentes: A Mulher do Vizinho, de Fernando Sabino, A Bolsa e a Vida, de Carlos Drummond de Andrade, o O Retrato na Gaveta, de Oto Lara Rezende e Homenzinho na Ventania, de Paulo Mendes Campos.

Outro presente de festas é o Banho de Cheiro, de Eneida, os “Cadernos do Povo Brasileiro”, da Civilização Brasileira, o álbum de Portinari, a coleção Les plus beaux: insetos, borboletas, cães, o El Greco, o Picasso, o Caribe.

Para um político, bom presente é Vida de Virgílio de Melo Franco, de Carolina Nabuco. Temos depois, ou antes, os livros sobre futebol: Copa do Mundo, de Mário Filho e Drama dos Bi-Campeões, de Armando Nogueira e Araújo Neto.

E do assunto Pelé, podemos chegar ao assunto teatro e apanhar da Aguilar o Bodas de Sangue, de Federico Garcia Lorca, chegando, ainda, ao Pagador de Promessas e A Invasão, de Dias Gomes. E a um amigo curioso da África, mande África - as raízes da revolta, e sobre Fidel, o ainda atual A Verdade sobre Cuba.

Um político pode receber para ensinamento a toda hora, o História das Lutas Sociais no Brasil, de Everardo Dias, e a outro que queira ter um bom santo na sua estante não é mau lhe oferecer As Confissões de Santo Agostinho.

O mundo maravilhoso gira em torno de Monteiro Lobato


No Brasil, a história para criança continua a girar em torno de Monteiro Lobato. Os meninos continuam a ver no mestre o avô contador de histórias. Por isso, chovem os livros de Monteiro Lobato nos sapatos, na noite de Natal, e com ele os outros livros, os outros autores, o cortejo dos bichos e fadas e tudo que é o faz-de-conta e o encantado e o que é ainda bom de contar às crianças.

Aqui, o presente é mais numeroso e vale a pena. Preferível este Na Região dos Peixes Fosforescentes ou a Coleção para Jovens, da editora Brasiliense, que o revolverzinho de bandido...

Mas não só menino necessita de livro. Gente grande também. E agora Natal e Ano Bom é a ocasião de fazer do livro um bom, e até bem barato, entre coisas tão caras, presentes de festas.

Nota: Além da revisão, foi feita uma atualização ortográfica do texto original.

Este texto, rara leitora, foi publicado no jornal Última Hora, na década de 1960. Foi resgatado por José Roberto Freire Pereira, filho de Dalcídio Jurandir, que mantém o sítio virtual http://www.dalcidiojurandir.com.br/ em homenagem à obra imortal de seu pai, considerado um dos grandes romancistas brasileiros, especialmente por sua obra sobre a vida na região amazônica, com foco especial na Ilha de Marajó.

A ocasião é propícia, como nos escreveu José Roberto, para divulgar esta página de Dalcídio, pois pode nos lembrar do livro como um ótimo presente de Natal. Mais que isso, o texto nos remete a um tempo em que ler livros era prática bem valorizada, ao menos em parcela significativa da sociedade brasileira.

Vivíamos um tempo de esperanças renovadas de construção de um mundo melhor, de uma sociedade brasileira mais justa, em que o conhecimento poderia, pela tomada de consciência social, operar transformações e possibilitar reformas.

As chamadas reformas de base, a pré-revolução brasileira, dos tempos de Jango Goulart, dando continuidade à construção do nacional iniciada por Getúlio Vargas, retomada por Juscelino Kubitscheck e mesmo por Jânio Quadros em sua meteórica e tresloucada presidência.

Os livros apontados por Dalcídio Jurandir em sua crônica são um bom retrato das práticas sociais de leitura do período, vistas por um intelectual de esquerda não sectário. Apontam os grandes sucessos e as então novidades da literatura brasileira, lembram os clássicos da literatura universal e ensaios relevantes, obras de ciências sociais e políticas, livros práticos e de divulgação científica, sem esquecer a literatura infantil e juvenil. Um belo retrato de época.

Será que hoje aquilo que era novidade, na ótica de Jurandir, dar livros de presente, novamente é prática que se perdeu? Você, rara leitora, irá presentear com livros neste Natal?

3 comentários:

Alcir disse...

Que maravilha de texto!
Parabéns pelo achado!

Gracinda Rosa disse...

Aníbal
Estive sumida por falta de Internet. Voltando, deparo, de entrada, com esse convincente texto do Dalcídio Jurandir. No final, a sua pergunta, sempre instigante, que merece resposta. Neste Natal, dei um livro de presente ao meu irmão: "Amanhã de manhã, em frente ao cinema, em Icaraí", de Carlos Rosa Moreira (NITPRESS), e ganhei um livro de meu filho: "Os irmãos Karamabloch", de Arnaldo Bloch (Companhia das Letras). Mas, nesse sentido, na minha vida há Natal o ano inteiro, pois recebo livros de presente por ocasião do Dia das Mães, do aniversário (ganhei 7 este ano)ou de data nenhuma. E dou livros sempre que posso. Respondi?
Desejo-lhe um maravilhoso 2009, com muita felicidade e muitos sucessos. Um abraço da Gracinda.

Colloque International Amazonies Brésiliennes disse...

Bom dia, para informação, Dalcídio Jurandir será homenageado na França nos dias 24,25 e 27 de maio durante o colóquio "Amazonies Brésiliennes" na Universidade paris 10 em Nanterre.
O evento é organizado pela professora paraense Daniela Cruz
Mais informações: http://colloqueamazoniesbresiliennes.blogspot.com
Atenciosamente