sábado, 28 de junho de 2008

Michel de Montaigne (28/2/1533-13/9/1592), Dos livros

Bem sei que me ocorre não raro falar de coisas que são melhor e mais precisamente comentadas pelos mestres do ofício. O que escrevo resulta de minhas faculdades naturais e não do que se adquire pelo estudo. E quem apontar algum erro atribuível à minha ignorância não fará grande descoberta, pois não posso dar a outrem garantias acerca do que escrevo, não estando sequer satisfeito comigo mesmo. Quem busca sabedoria, que a busque onde se aloja: não tenho a pretensão de possuí-la. O que aí se encontra é produto de minha fantasia; não viso explicar ou elucidar as coisas que comento, mas tão-somente mostrar-me como sou. Talvez as venha a conhecer a fundo um dia, ou as tenha conhecido, se por acaso andei por onde elas se esclarecem. Mas já não as recordo. Embora seja capaz de tirar proveito do que aprendo, não o retenho na memória: daí não poder assegurar a exatidão de minhas citações. Que se veja nelas, apenas, o grau de meus conhecimentos atuais.

Não se preste atenção à escolha das matérias que discuto, mas tão-somente à maneira por que as trato. E, no que tomo de empréstimo aos outros, vejam unicamente se soube escolher algo capaz de realçar ou apoiar a idéia que desenvolvo, a qual, sim, é sempre minha.

Não me inspiro nas citações; valho-me delas para corroborar o que digo e que não sei tão bem expressar, ou por insuficiência da língua ou por fraqueza dos sentidos. Não me preocupo com a quantidade e sim com a qualidade das citações. Provêm todas, ou quase, dos autores antigos que hão de reconhecer embora não os mencione.
(...)

Gostaria por certo de possuir, acerca do que comento, um conhecimento completo, mas, para o adquirir, não quero pagar o elevado preço que custa. Tenho a intenção de viver tranqüilamente, sem me aborrecer, durante o tempo que me resta, e não desejo quebrar a cabeça com o que quer que seja, nem mesmo com a ciência que muito prezo.

Não busco nos livros senão o prazer de um honesto passatempo; e nesse estudo não me prendo senão ao que possa desenvolver em mim o conhecimento de mim mesmo e me auxilie a viver e morrer bem, “essa meta para onde deve correr o meu corcel”.

As dificuldades com que deparo lendo, não me preocupam exageradamente; deixo-as de lado, após tentar resolvê-las uma ou duas vezes. Se me detivesse nelas, perder-me-ia e perderia meu tempo, pois meu espírito é de tal índole que o que não percebe de imediato menos entende em se obstinando. Não sou capaz de nada que não me dê prazer ou que exija esforço, e atardar-me demasiado em um assunto, ou nele me concentrar demoradamente, perturba minha inteligência, cansa-a e me entristece. Embacia-se-me a vista e se enfraquece, de modo que tenho de interromper a leitura e repeti-la como quando queremos perceber o brilho de certos tecidos, e precisamos olhá-los várias vezes e de vários modos.

Se um livro me entedia, pego outro e só me dedico à leitura quando não sei que fazer; e o enfado me domina. Quase não leio livros novos; prefiro os antigos que me parecem mais sérios e bem feitos; não procuro tampouco autores gregos, porque meu espírito não pode tirar partido do conhecimento insignificante que tenho da língua grega.

Entre as obras de mero passatempo, agradam-me entre os modernos o “Decamerom”, de Boccaccio, Rabelais e “Os Beijos”, de Jean Second, se é que este último, escrito em latim, pode incluir-se entre os modernos.

Quanto aos Amadis e outros romances do gênero, não me interessaram sequer quando os li em criança. Direi mesmo, o que há de parecer ousado ou temerário, que meu espírito envelhecido não aprecia mais a leitura, não somente de Ariosto mas ainda do bom Ovídio. Sua imaginação, sua facilidade, que outrora me encantavam, não me distraem mais agora.

Exprimo livremente minha opinião acerca de tudo, mesmo daquilo que, por ultrapassar meus conhecimentos intelectuais, considero fora de minha alçada. O meu comentário tem entretanto por fim revelar meu ponto de vista, e não julgar do mérito das coisas.
(...)

Michel de Montaigne, Ensaios, II. “Dos livros”, tradução de Sérgio Milliet. S. Paulo: Abril Cultural, 1972, p. 196-201. Coleção “Os Pensadores”, v. XI.

Certamente o livro Ensaios, publicado postumamente, em 1595, nos seus 3 volumes, é um dos clássicos da cultura ocidental. O “Dos livros”, dentre outros, tem sido citado desde então. Por isso, o incluímos aqui, em pequenos excertos, para animar o raro leitor a relê-lo ou a conhecê-lo integralmente. Pouco mais de cem anos após a invenção da tipografia por Gutenberg, que iria contribuir decisivamente para a construção do mundo moderno, tendo a cultura letrada como o grande eixo das transformações na religião, na política, na ciência, Montaigne era, como se vê, um cético, certamente, um transgressor. Inspirou, no século XVIII, os Iluministas. Segundo o apresentador da edição, “Montesquieu (1689-1744) classificou-o entre os poetas da filosofia e Voltaire colocou-o no exército dos que atacam ‘l’Infâme’, a Igreja: ‘Montaigne, esse autor encantador. / ora profundo, ora frívolo, / de tudo duvidava impunemente/ e zombava mui livremente / dos estúpidos tagarelas da Escola”.

Deve-se atinar para a dimensão do que escreveu (acima) sobre os livros e a leitura: “não me prendo senão ao que possa desenvolver em mim o conhecimento de mim mesmo e me auxilie a viver e morrer bem”. Que de mais alto se poderia desejar, raro leitor?

sexta-feira, 27 de junho de 2008

Cecília Meireles, poemas

O principiante

Sua mão mal se movimenta,
custa a escorregar pela mesa,
caracol no jardim da ciência,
desenrolando letra a letra
a obscura linha do seu nome.

Ah, como é leve o átomo puro,
e ágil o equilíbrio do mundo,
e rápido, e célere, o curso
do céu, do destino de tudo!

Mas na terra o pálido aluno
devagar escreve o seu nome.

(Em Retrato natural, p. 355-6)


Jornal longe

Que faremos destes jornais, com telegramas, notícias,
anúncios, fotografias, opiniões...?

Caem as folhas secas sobre os longos relatos de guerra:
e o sol empalidece suas letras infinitas.

Que faremos destes jornais, longe do mundo e dos homens?
Este recado de loucura perde o sentido entre a terra e o céu.

De dia, lemos na flor que nasce e na abelha que voa;
de noite, nas grandes estrelas, e no aroma do campo serenado.

Aqui, toda a vizinhança proclama convicta:
“Os jornais servem para fazer embrulhos.”

E é uma das raras vezes em que todos estão de acordo.

(Em Mar Absoluto e outros poemas, p. 301)


Comunicação

Pequena lagartixa branca,
ó noiva brusca dos ladrilhos!
sobe à minha mesa, descansa,
debruça-te em meus calmos livros.

Ouve comigo a voz dos poetas
que agora não dizem mais nada,
– e diziam coisas tão belas! –
ó ídolo de cinza e prata!

Ó breve deusa de silêncio
que na face da noite corres
como a dor pelo pensamento,
– e sozinha miras e foges.

Pequena lagartixa – vinda
qara quê? – pousa em mim teus olhos.
Quero contemplar tua vida,
a repetição dos teus mortos.

Como os poetas que já cantaram,
e que já ninguém mais escuta,
eu sou também a sombra vaga
de alguma interminável música.

Pára em meu coração deserto!
Deixa que te ame, ó alheia, ó esquiva...
Sobre a torrente do universo,
nas pontes frágeis da poesia.

(Em Retrato natural, p. 335)

Interlúdio

As palavras estão muito ditas
e o mundo muito pensado.
Fico ao teu lado.

Não me digas que há futuro
nem passado.
Deixa o presente – claro muro
sem coisas escritas.

Deixa o presente. Não fales.
Não me expliques o presente,
pois é tudo demasiado.

Em águas de eternamente,
o cometa dos meus males
afunda, desarvorado.

Fico ao teu lado.

(Em Vaga música, p. 183)

Hoje, rara leitora, senti falta de poesia no blog e em mim. Tenho pensado nalguns versos imortais de Cecília Meireles – eu não tinha este rosto de hoje – e busquei na belo volume da sua Obra poética, editada pela Nova Aguilar, de 1983, estes poemas que nos falam de escritura, leitura, livros e ternura. Passou. Espero que aprecie.

quinta-feira, 26 de junho de 2008

Franz Kafka, por Otto Maria Carpeaux - II


Acima, Franz Kafka. Fonte: www.vitejte.cz/objekt.php?oid=222&j=en ;
Embaixo: Otto Maria Carpeaux, na calçada da Livraria Pasárgada (Niterói), em 1968.



Meu segundo encontro com Franz Kafka, talvez cinco anos mais tarde., foi outra vez em Berlim, no escritório de uma casa editora. Antes de ir para a Itália, onde continuei os estudos universitários, tinha feito alguns trabalhos para aquela editora, chamada Die Brücke (A Ponte), mas nunca consegui receber dinheiro.

Voltando para Berlim, em 1926, ouvi que a casa acabava de entrar em falência. Fui para lá. O diretor me deixou esperar na ante-sala, mais de meia hora. Num cantinho vi um montão de livros, todos iguais. Tirei um exemplar, abri: O Processo, romance de Franz Kafka. Distraído, comecei a ler sem prestar muita atenção, quando o ex-diretor da ex-Brücke me bateu nas costas.


“Pagar não posso, querido”, dizia o homem, “mas se você quiser, pode levar, em vez de pagamento, esse exemplar e, se quiser, a tiragem toda. O Max Brod, que teima em considerar gênio um amigo dele, já falecido, me forçou a editar esse romance danado. Estamos falidos. Nem vendi três exemplares. Se você quiser pode levar a tiragem toda. Não vale nada”.

Fiquei triste. Tinha esperado um pagamento de 130 marcos e o homem me quer dar seu encalhe. Agradeci vivamente, e com certa amargura. Mas levei comigo aquele exemplar que já tinha aberto.

Foi a maior burrice de minha vida inteira. Toda aquela tiragem foi vendida como papel velho e inutilizada. Um exemplar da 1a. edição de O Processo é hoje uma raridade para bibliófilos. Nos Estados Unidos paga-se mil dólares por um livro desses, ou mais. Se eu tivesse aceito o presente, seria hoje milionário... Aliás, fugindo da fúria nazista, em Viena, março de 1938, perdi minha biblioteca inteira, que foi depois confiscada e dispersada. Mas cheguei, mais tarde, a receber na Bélgica um grupo de volumes que tinha, pouco antes do desastre, emprestado ao cônsul geral do Estados Unidos, em Viena, e que este fez questão de devolver ao legítimo dono. Um desses livros foi aquele exemplares da 1a. edição de O Processo que, desse modo, fica até hoje comigo. E não me pretendo separar jamais do livro, pois foi meu segundo encontro com Kafka.

Otto Maria Carpeux, “Meus encontros com Kafka”, in Reflexo e realidade. Rio de Janeiro: Fontana, s/data, (publicação póstuma), p. 171-182.
*
Saiba mais:

Sobre Otto Maria Carpeaux (Viena 9/3/1900-Rio de Janeiro, 3/2/1978), excelente artigo de Leandro Konder. Acesse:
http://www.espacoacademico.com.br/082/82konder.htm

Sobre Franz Kafka (Praga, 3/7/1882-Klosterneuburg, 3/6/1924):
http://almanaque.folha.uol.com.br/kafka.htm

Consulte ainda a Wikipedia:
Otto Maria Carpeaux:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Otto_Maria_Carpeaux
Franz Kafka:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Franz_Kafka
*

Esta segunda parte do artigo de Carpeaux sobre Kafka apresenta-nos, raro leitor, uma passagem na qual se indicam as vicissitudes por que podem passar os livros e as edições. Da primeira edição de O Processo, de Kafka, considerado um livro “que não vale nada”, encalhada e vendida como “papel estragado”, hoje se paga uma fortuna por um exemplar. Sabe-se, claro, que essa inutilização dos exemplares não vendidos contribuiu decisivamente para o alto preço pago hoje por qualquer exemplar que apareça nos leilões. Isso faz lembrar do ocorrido, igual, com a primeira edição de Florae Fluminensis, do naturalista e editor mineiro Frei José Mariano da Conceição Veloso (1741-1811), mandada publicar em 1825, por D. Pedro I, com seus 12 volumes in folio, que hoje é uma raridade. Quase toda a edição foi vendida, em leilão, pela antiga Tipografia Imperial (Imprensa Nacional), em 14/1/1861. Felizmente há um exemplar na Universidade Federal Fluminense. Quantos exemplares dessas duas edições terão sobrevivido à destruição?

terça-feira, 24 de junho de 2008

Franz Kafka, por Otto Maria Carpeaux - I

- Kauka.
- Como é o nome?
- Kauka!
- Muito prazer.

Esse diálogo, que certamente não é dos mais espirituosos, foi meu primeiro encontro com Franz Kafka. Ao ser apresentado a ele, não entendi o nome. Entendi Kauka em vez de Kafka. Foi um equívoco.

Hoje, o “Kauka” daquele distante ano de 1921 é um dos escritores mais lidos, mais estudados e – infelizmente – mais imitados do mundo. Mas só Deus sabe quantos são os equívocos que formam essa glória. O romancista de O Processo é, para alguns, o satírico que zombou da burocracia austríaca; e para outros o porta-voz da angústica religiosa desta época; e para mais outros o inapelável juiz da fraqueza moral do gênero humano e do nosso tempo; e para mais outros um exemplo interessante do Complexo de Édipo, etc., etc., etc. Tudo, em torno de Kafka, é equívoco. Equívoco também foi aquele meu primeiro encontro com “Kauka”.

Foi em 1921, em Berlim. Embora só contando os anos do século, eu já tinha passado por duas experiências de guerra e revolução. Estudante universitário, agora, que sonhava com uma carreira literária. Berlim, naqueles anos do primeiro pós-guerra, foi um centro de vanguardas: expressionismo, dadaísmo, os primeiros pintores abstracionistas, simpatizantes do comunismo e fundadores de seitas religiosas e vegetarianas, uma boêmia na qual os jovens austríacos desempenhavam papel grande e barulhento – e alguns grandes escritores de verdade: Döblin, Arnold Zweig, Werfel.

No Café Românico, centro de boêmia, esses homens feitos ocupavam mesas especiais, de que ninguém ousava aproximar-se sem ser especialmente convidado; o que não aconteceu nunca. Olhávamos para lá com inveja, escutando para apanhar, talvez, um pedaço de conversa. Rara foi a oportunidade de um convite para as tardes de domingo, no apartamento de um ou outro daqueles escritores, no bairro boêmio, mas elegante, do Bayrischer Platz, hoje um montão de ruínas. E numa dessas tardes cheguei a conhecer pessoalmente Franz Kafka.

Conheci poucos entre os presentes. Fui sumariamente apresentado. Sentindo-me um pouco perdido no meio dessa gente toda, não tendo a coragem de aproximar-me do centro da reunião, da grande e belíssima atriz D. F. – que tinha fama de Messalina – retirei-me para um canto já ocupado por um rapaz franzino, magro, pálido, taciturno. Eu não podia saber que a tuberculose da laringe, que o mataria três anos mais tarde, já lhe tinha embargado a voz. E então se desenrolou “aquele” diálogo.

Foi este o começo e o fim do meu primeiro encontro com Franz Kafka. Ao sair do apartamento, perguntei a meu amigo e introdutor: “Quem é aquele rapaz magro com a voz rouca?” Respondeu: “É de Praga. Publicou uns contos que ninguém entende. Não tem importância”.



Otto Maria Carpeux, “Meus encontros com Kafka”, in Reflexo e realidade. Rio de Janeiro: Fontana, s/d, p. 171-182.

Esta é, rara leitora, a primeira parte de um longo artigo de Carpeaux sobre Kafka, um dos escritores que, junto com Herman Hesse, mais me sensibilizaram a juventude, em edições bem distantes do desejável. Hoje se podem encontrar nas livrarias boas edições, com tradução direta do original.

Pode fazer-nos lembrar que a eventual imortalidade ou mesmo o reconhecimento do gênio são improváveis em seu tempo. A obra daquele rapaz “sem importância”, após sua morte, viria a consagrar-se como uma das mais importantes da literatura do século XX.

Hoje se poderá acrescentar à questão a dúvida se a literatura poderá imortalizar? O que acha, rara leitora?

Em breve, faremos aqui o registro do segundo encontro de Carpeaux com Kafka. Você os conhece?

domingo, 22 de junho de 2008

Leitura e pensar por si mesmo, segundo Arthur Schopenhauer

A mais rica biblioteca, quando desorganizada, não é tão proveitosa quanto uma bastante modesta, mas bem ordenada. Da mesma maneira, uma grande quantidade de conhecimentos, quando não foi elaborada por um pensamento próprio, tem muito menos valor do que uma quantidade bem mais limitada, que, no entanto, foi devidamente assimilada. Pois é apenas por meio da combinação ampla do que se sabe, por meio da comparação de cada verdade com todas as outras, que uma pessoa se apropria de seu próprio saber e o domina. Só é possível pensar com profundidade sobre o que se sabe, por isso se deve aprender algo; mas também só se sabe aquilo sobre o que se pensou com profundidade.

No entanto, podemos nos dedicar de modo arbitrário à leitura e ao aprendizado; ao pensamento, por outro lado, não é possível se dedicar arbitrariamente. Ele precisa ser atiçado, como é o fogo por uma corrente de ar, precisa ser ocupado por algum interesse nos assuntos para os quais se volta; mas esse interesse pode ser puramente objetivo ou puramente subjetivo.

Este último se refere apenas às coisas que nos concernem pessoalmente, enquanto o interesse objetivo só existe nas cabeças que pensam por natureza, nas mentes para as quais o pensamento é algo tão natural quanto a respiração. Mas mentes assim são muito raras, por isso não se encontram muitas delas em meio aos eruditos.

O efeito que o pensamento próprio tem sobre o espírito é incrivelmente diferente do efeito que caracteriza a leitura, e com isso há um aumento progressivo da diversidade original dos cérebros, graças à qual as pessoas são implidas para uma coisa ou para outra.

A leitura impõe ao espírito pensamentos que, em relação ao direcionamento e à disposição dele naquele momento, são tão estranhas e heterogêneos quanto o selo em relação ao lacre, sobre o qual imprime sua marca.

Desse modo, o espírito sofre uma imposição completa do exterior para pensar, naquele instante uma coisa ou outra, isto é, para pensar determinados assuntos aos quais ele não tinha na verdade nenhuma propensão ou disposição.

Em contrapartida, quando alguém pensa por si mesmo, segue seu mais próprio impulso, tal como está determinado no momento, seja pelo ambiente que o cerca, seja por alguma lembrança próxima. No caso das circunstâncias perceptíveis, não há uma imposição ao espírito de um determinado pensamento, como ocorre na leitura, mas elas lhe dão apenas a matéria e a oportunidade para pensar o que está de acordo com sua natureza e com sua disposição presente.

Desse modo, o excesso de leitura tira do espírito toda a elasticidade, da mesma maneira que uma pressão contínua tira a elasticidade de uma mola. O meio mais seguro para não possuir nenhum pensamento próprio é pegar um livro nas mãos a cada minuto livre. Essa prática explica por que a erudição torna a maioria dos homens ainda mais pobres de espírito e simplórios do que são por natureza, privando também os seus escritos de todo e qualquer êxito. Como disse Pope, eles estão: “Sempre lendo para nunca serem lidos”.

Os eruditos são aqueles que leram coisas nos livros, mas os pensadores, os gênios, os fachos de luz e promotores da espécie humana são aqueles que as lerem diretamente no livro do mundo.

No fundo, apenas os pensamentos próprios são verdadeiros e têm vida, pois somente eles são entendidos de modo autêntico e completo. Pensamentos alheios, lidos, são como as sobras da refeição de outra pessoa, ou como as roupas deixadas por um hóspede na casa. (...)

A leitura não passa de um substituto do pensamento próprio. Trata-se de um modo de deixar que seus pensamentos sejam conduzidos em andadeiras por outra pessoa. Além disso, muitos livros servem apenas para mostrar quantos caminhos falsos existem e como uma pessoa pode ser extraviada se resolver segui-los. Mas aquele que é conduzido pelo gênio, ou seja, que pensa por si mesmo, que pensa por vontade própria, de modo autêntico, possui a bússula para encontrar o caminho certo.

Assim, uma pessoa só deve ler quanto a fonte dos seus pensamentos próprios seca, o que ocorre com bastante freqüência mesmo entre as melhores cabeças. (...)

Às vezes é possível desvendar, com muito esforço e lentidão, por meio do próprio pensamento, uma verdade, uma idéa que poderia ser encontrada confortavelmente já pronta num livro. No entanto, ela é cem vezes mais valiosa quando obtida por meio do próprio pensamento. (...)

A verdade meramente aprendida fica colada em nós como um membro artificial, um dente postiço, um nariz de cera, ou no máximo como um enxerto, uma plástica de nariz feita com a carne de outros. Mas a verdade conquistada por meio do próprio pensamento é como o membro natural, pois só ela pertence realmente a nós. Essa é a base da diferença entre o pensador e o mero erudito. (...)


In Arthur Schopenhauer, A arte de escrever. Org., trad., pref. e notas de Pedro Süssekind. Porto Alegre: L&PM, 2007, p. 39-44.

Propomos, rara leitora, que este excerto do texto de Schopenhauer, ao contrário do que afirma seu autor, pode nos fazer pensar “por nós próprios” sobre nossa relação com as leituras e, portanto, com os pensamentos alheios. Certamente se lêssemos apenas este grande filósofo correríamos o risco sobre o qual somos alertados, isto é, seríamos, no máximo, schopenhauerianos, repetidores de suas verdades, ou mesmo eruditos sem pensamento original.

Entretanto, o bom leitor bebe em muitas fontes e as compara e pensa, reunindo suas próprias reflexões às trazidas pelos textos que lê, assim enriquecendo-as. E, ao contrário do que diz o autor, nós também escolhemos nossas leituras, a partir dos nossos próprios interesses, nascidos dessas reflexões anteriores, e não por mero acaso ou imposição exterior. O que acha você?

Mas, ao lançar o olhar sobre o entorno, não nos negamos a concordar com Schopenchauer, que valeria mais um biblioteca “modesta, mas bem ordenada”...

sexta-feira, 20 de junho de 2008

Sobre a leitura, Marcel Proust

(...)
E nisto reside, com efeito, um dos grandes e maravilhosos caracteres dos belos livros (que nos fará compreender o papel, ao mesmo tempo essencial e limitado que a leitura pode desempenhar na nossa vida espiritual) que para o autor poderiam chamar-se “Conclusões” e para o leitor “Incitações”.

Sentimos muito bem que nossa sabedoria começa onde a do autor termina, e gostaríamos que ele nos desse respostas, quando tudo o que ele pode fazer é dar-nos desejos. Estes desejos, ele não pode despertar em nós senão fazendo-nos contemplar a beleza suprema à qual o último esforço de sua arte lhe permitiu chegar.

Mas por uma lei singular e, aliás, providencial da ótica dos espíritos (lei que talvez signifique que não podemos receber a verdade de ninguém e que demos criá-la nós mesmos), o que é o fim de sua sabedoria não nos aparece senão como começo da nossa, de sorte que é no momento em que eles nos disseram tudo que podiam nos dizer que fazem nascer em nós o sentimento de que ainda nada nos disseram.

Aliás, se lhes fizermos perguntas, às quais não podem responder, também pedimos-lhe respostas que não nos instruirão em nada. Porque é um efeito do amor que os poetas consigam fazer com que demos uma importância literal a coisas que não são para eles mais do que significativas de emoções pessoais. Em cada quadro que nos mostram, parecem dar-nos apenas uma ligeira impressão de uma paisagem maravilhosa, diferente do resto do mundo e no coração da qual gostaríamos que eles nos fizessem penetrar. (...)

O que os faz parecer diferentes e mais belos que o resto do mundo é que eles trazem em si, como um reflexo intangível, a insaciável impressão que deram ao gênio, e que nós veríamos errar tão singular quanto despótica sobre a face indiferente e submissa de todas as regiões que ele teria pintado.

Essa aparência com que eles nos encantam e nos decepcionam e para além da qual gostaríamos de ir, é a própria essência dessa coisa, de algum modo, sem espessura – miragem estática sobre uma tela – que é uma visão. E essa bruma que nossos olhos ávidos gostariam de penetrar é a última palavra da arte do pintor.

O supremo esforço do escritor como artista não consegue senão erguer parcialmente para nós o véu da feiúra e da insignificância que nos deixa negligentes diante do universo. Então, ele nos diz: (...) “Olhe a casa de Zelândia, rosa e brilhante como uma concha. Olhe! Aprenda a ver!” E neste momento ele desaparece.

Este é o preço da leitura e esta é a sua insuficiência. É dar um papel muito grande ao que não é mais que uma iniciação para uma disciplina. A leitura está no limiar da vida espiritual; ela pode nela nos introduzir, mas não a constituiu.
(...)

In Marcel Proust. Sobre a leitura. Trad. de Carlos Vogt. Campinas: Pontes, 1989, p. 30-32.

Este pequeno trecho, rara leitora, de um singelo livro, nada mais que o prefácio que escreveu Marcel Proust para a tradução que fez para o francês do romance Sesame and Lilies (Sésame et les Lys), de John Ruskin, em 1905, pode dar-lhe uma pista da riqueza de reflexões e sugestões que o grande escritor - e maior leitor - colocou ao nosso alcance para nos “incitar” a outras descobertas sobre o significado da leitura em nossas vidas. Aproveitemos.

quarta-feira, 18 de junho de 2008

Hoje, 100 anos do início da imigração japonesa no Brasil

Marcelo, filho de Celina Fróes Bragança e Marco Aurélio Fuchida

Cume do Fuji

Escalando o Fuji,
sentindo as nuvens
como um rebanho de neve aos meus pés
e sobre a cabeça a Lua cheia,
brilhante como o Sol,
é impossível que o céu não esteja mais perto.
Essa beleza toda deve ser o céu.


O Fuji dentro da tarde

Na tarde sonolenta,
o Fuji-san se erguia,
por entre o quimono macio das nuvens,
impávido como um seio virgem,
para receber os últimos beijos ardentes
do sol que morria...
Japão – Verão de 1940


Fios telegráficos

Kumamoto exibe orgulhosa,
o tapete de ouro dos seus campos de arroz.
Da janela do trem,
que corre resfolegando,
vejo a paisagem luxuriante
que põe a pauta dos fios telegráficos
diante dos nossos olhos,
pedindo um poema.
Japão, Kumamoto, 21 de outubro de 1939

Haicais

O vento levanta
a névoa fina do vale,
despertando a aurora.

O campo é um mar.
Nos trigais em ondas de ouro,
mergulham pardais.

Morre lento o sol.
Nas grandes sombras deitadas,
um pranto de folhas.

Na mesa do céu,
a lua, taça tombada,
derrama luar!

Cânon do haicai:
Numa flor de cerejeira,
a alma do Nipon.

Molhando o pincel
em lágrimas de saudade,
escrevo um haicai.

Que é um haicai?
É o cintilar das estrelas
num pingo de orvalho.

Poemas do livro de Luís Antônio Pimentel, Contos do Velho Nipon – 12 dias com Leviana – Tankas e Haicais (Prosa e Poesia Reunidas). Obras Reunidas, v. 2, org. de Aníbal Bragança. Niterói: Niterói Livros, 2004.


Logo cedo fui tocado pela fraterna mensagem recebida de Nicia Tanaka, acompanhada de um conjunto de belas imagens de bonsai ilustrando um canto à amizade. Nela, a professora sansei, de Niterói, fala de seus avós imigrantes que “escolheram esta terra para viver”, das dificuldades que passaram e, muito grata, refere à bela herança que recebeu deles e dos pais: família e educação.

Sinto hoje de forma especial a presença de Satie Mizubuti e Kayoko Nakamura, amigas que semearam a delicadeza nipônica em meu coração, para sempre. Lembro de Sonia e Masato Ninomiya, nipobrasileiros de escol, sensíveis, atentos, generosos...

Lembro, com a alma alegre, do sorriso de meu neto Marcelo com seus olhinhos orientais...

E acrescento às homenagens prestadas por todo o país a esses bravos imigrantes e seus descendentes que enriqueceram e enriquecem a cultura brasileira, em todas as dimensões, a sensibilidade da poesia de Luís Antônio Pimentel, um fluminense apaixonado pela cultura tradicional japonesa, o primeiro estudante brasileiro que estudou na Terra do Sol Nascente com bolsa do governo japonês, onde viveu parte de sua juventude (1937-1942) e que lá teve publicado, bilíngüe, o primeiro livro de poeta brasileiro, Namida no Kito, editado em Tóquio em 1940, ao mesmo tempo que lançava aqui, no mesmo ano, pela antiga editora Pongetti, do Rio de Janeiro, o livro Contos do Velho Nipon, que este ano será lançado, em 3a. edição, pela NitPress, de Niterói.

Luís Antônio Pimentel recebe hoje, simbolicamente, no Palácio do Planalto, em solenidade presidida por Luís Inácio Lula da Silva e com a presença do príncipe-herdeiro do trono japonês, Naruhito, a medalha do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil, que lhe foi conferida em “reconhecimento pela contribuição prestada para a inserção da comunidade japonesa no Brasil e da comunidade brasileira no Japão”.

Viva Pimentel! Viva o Brasil! Viva o Japão!

terça-feira, 17 de junho de 2008

Eventos, prêmios e outras notícias do universo da cultura letrada

Convidamos você, rara leitora, a conhecer parte da vida movimentada dos pesquisadores, editores, autores e leitores e outros agentes do universo do livro e da cultura letrada em nosso país (de agora até setembro). Talvez ao menos alguma das informações abaixo seja diretamente de seu interesse.

XXXI Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação
Promoção: INTERCOM – Local: UFRN - Natal (RN)
1 a 6 de setembro de 2008
Inscrição de trabalhos: até 5 de julho de 2008
Mais informações:
http://www.intercom.org.br/ e
http://groups.google.com/group/intercom-nucleo-producao-editorial

Congresso Internacional da Abralic 2008
Promoção: Associação Brasileira de Literatura Comparada
13 a 17 de julho de 2008
Campus da Universidade de São Paulo (USP), São Paulo
Mais informações: http://www.abralic.org/

II Colóquio Internacional sobre Letramento e Cultura Escrita
11 a 13 de agosto de 2008
Belo Horioznte (MG)
Promoção: CEALE/FAE/UFMG
Mais informações: http://www.fae.ufmg.br/ceale
E-mail: coloquioletramento@gmail.com

7º Congresso Ibero-americano de Editores
11 a 13 de agosto de 2008
Local: São Paulo - Brasil
Tema: O Livro, a Leitura e a Construção da Cidadania
http://www.federacioneditores.org/Convocatorias/7%C2%BA_Congreso_Iberoamericano_Editores.pdf

20ª Bienal do Livro de São Paulo
14 a 24 de agosto de 2008
Local: São Paulo - Brasil
Países homenageados: Japão, Portugal e Espanha.
Mais informações: http://www.bienaldolivrosp.com.br/

Exposições:

O Universo de Arthur Azevedo
Até 11 de julho de 2008
Auditório Machado de Assis
Biblioteca Nacional – Rio de Janeiro
Rua México, s;/nº - Acesso pelo Jardim
Entrada franca
Mais informações: http://www.bn.br/

Pérfidas Salomés - Cidade, mulher e novas formas de amar na modernidade carioca – 1900-1930
O universo da nova mulher que emerge com a modernização do Rio de Janeiro a partir de fotografias, caricaturas, propagandas e textos de revistas ilustradas, como a Fon-Fon! e Para Todos, e fragmentos literários entre 1900 e 1930.
Terça a sexta-feira das 12 às 17h. Sábados e domingos das 14 às 18h.
Fundação Casa de Rui Barbosa – Sala de Exposições
Rua São Clemente, 134 - Botafogo - Rio de Janeiro
Mais informações: http://www.casaruibarbosa.gov.br/

Projeto: "Escritores ao ar Livro"
Venda de livros; manhã de autógrafos e "Conversa com o escritor"
Praça Getúlio Vargas, em Icaraí – Niterói – Rio de Janeiro
Curador: Paulo Roberto Cecchetti
Inauguração: 22 de junho, domingo, às 10 horas
Sempre aos domingos, das 10 às 13 horas

Lançamento e autógrafos:

Rapsódia para sanfona, de Sávio Soares de Sousa, Ilustração de Miguel Coelho.
Edição: Traço&Photo (Paulo Roberto Cecchetti)
5 de julho, sábado, às 10 horas
Calçadão da Cultura da Livraria Ideal
Rua Visconde de Itaboraí, 222 - Centro - Niterói - Rio de Janeiro
Com a apresentação de um sanfoneiro.
Mais informações: (55 21) 26207361

Cursos no Proler

O Proler (Programa Nacional de Incentivo à Leitura da Fundação Biblioteca
Nacional/ Ministério da Cultura) está recebendo propostas de cursos voltados
para reciclagem e aperfeiçoamento de professores, bibliotecários e
profissionais envolvidos com formação de leitores. Os cursos serão
realizados na Casa da Leitura, no Rio de Janeiro, entre os meses de junho e
outubro e devem privilegiar as áreas de Formação de Mediadores de Leitura e
Leitura e Novas Tecnologias.
Mais informações:
www.bn.br/proler ou telefones (21) 2557 7437 e (21)2556-6334.

Prêmios literários

Prêmio VivaLeitura 2008

Período de inscrição: até 8 de julho
Aberto a: Bibliotecas públicas, privadas e comunitárias; Escolas públicas
e privadas; Sociedade: ONGs, pessoas físicas, universidades/faculdades e
instituições sociais.
Premiação: R$ 30 mil concedidos a cada um dos três vencedores (um em cada
categoria). Os 15 (quinze) trabalhos finalistas do Prêmio VivaLeitura -
edição 2008 serão objeto de uma publicação especial.
Divulgação do resultado: setembro de 2008
Saiba mais: www.premiovivaleitura.org.br/

Prêmio Afrânio Coutinho 2008

Período de Inscrições: de 29 de abril a 29 de setembro
Aberto a: universitários, jornalistas, professores da área de ciências
humanas, pesquisadores e usuários que tenham registro na Biblioteca Rodolfo
Garcia da Academia Brasileira de Letras.
Premiação: Os três melhores trabalhos receberão, respectivamente, R$ 10
mil, R$ 6 mil e R$ 3 mil.
Data da premiação: 30 de outubro de 2008
Saiba mais:
www.academia.org.br/abl/media/Edital%20PAC%202008.pdf

Prêmio SESC de Literatura

Período de inscrições: 15 de abril a 15 de agosto
Aberto a: originais de romances e coletâneas de contos inéditos.
Saiba mais:
www.sesc.com.br/main.asp

Fontes principais:
Boletim do VivaLeitura:
http://www.vivaleitura.com.br/pnll2/boletins/boletim_108.htm

Portal do Pnll (Plano Nacional do Livro e da Leitura):
http://www.pnll.gov.br/

O que achou, rara leitora, destes informes? Faça seu comentário.

Portal Domínio Público - Biblioteca Digital de acesso gratuito

O "Portal Domínio Público", lançado em novembro de 2004 (com um acervo inicial de 500 obras), propõe o compartilhamento de conhecimentos de forma equânime, colocando à disposição de todos os usuários da rede mundial de computadores - Internet - uma biblioteca virtual que deverá se constituir em referência para professores, alunos, pesquisadores e para a população em geral.

Este portal constitui-se em um ambiente virtual que permite a coleta, a integração, a preservação e o compartilhamento de conhecimentos, sendo seu principal objetivo o de promover o amplo acesso às obras literárias, artísticas e científicas (na forma de textos, sons, imagens e vídeos), já em domínio público ou que tenham a sua divulgação devidamente autorizada, que constituem o patrimônio cultural brasileiro e universal.

Desta forma, também pretende contribuir para o desenvolvimento da educação e da cultura, assim como, possa aprimorar a construção da consciência social, da cidadania e da democracia no Brasil.

Adicionalmente, o "Portal Domínio Público", ao disponibilizar informações e conhecimentos de forma livre e gratuita, busca incentivar o aprendizado, a inovação e a cooperação entre os geradores de conteúdo e seus usuários, ao mesmo tempo em que também pretende induzir uma ampla discussão sobre as legislações relacionadas aos direitos autorais - de modo que a "preservação de certos direitos incentive outros usos" -, e haja uma adequação aos novos paradigmas de mudança tecnológica, da produção e do uso de conhecimentos.

Este texto, rara leitora, assinado pelo Prof. Fernando Haddad, Ministro da Educação do Brasil, tendo como epígrafe "Uma biblioteca digital é onde o passado encontra o presente e cria o futuro", frase creditada ao Dr. Avul Pakir Jainulabdeen Abdul Kalam, Presidente da Índia, apresenta a “missão” do Portal Domínio Público. Circulam textos pela Internet alertando que a iniciativa corre risco por alegado pouco uso. Entretanto, as estatísticas, mostram que desde sua inauguração em novembro de 2004 até maio último o portal recebeu quase 10 milhões de visitas. Para alguns pode ser pouco, para outros, não.

A questão da Biblioteca Digital ser ou não um caminho para se ter acesso aos livros em domínio público, clássicos em geral, é complexa, mas, como os próprios usuários demonstram, tem um sentido e uma utilidade relevantes.

E você, rara leitora, já conhece e usa o Portal Domínio Público? Quer conhecer? Clique:
http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/PesquisaObraForm.jsp

Em tempo: Dentre os 10 livros mais acessados, 3 são de Fernando Pessoa, 2 de William Shakespeare, Machado de Assis e Dante Alighieri aparecem com 1 obra cada. Mas há na lista autores que são surpreendentes.

E tem muito mais o Portal Domínio Público: teses, músicas, vídeos etc. Faça uma visita agora, rara leitora, e deixe aqui suas impressões e comentários sobre essa iniciativa do governo brasileiro. Será que favorece as práticas de leitura em nosso país?

domingo, 15 de junho de 2008

Em São Paulo, voluntários trabalham pelo desenvolvimento das práticas de leitura

O desafio do aprendizado, da vontade de saber mais e abrir-se ao mundo das escolhas, na construção da própria história, estão entre os objetivos do Programa 1 Milhão de Rodas, desenvolvido pela Fundação Dixtal, em escolas públicas e organizações não governamentais do Jardim São Luiz, zona sul de São Paulo. Um dos eixos do Programa é a atuação de voluntários para mediação das atividades das Rodas, que acontecem uma vez por semana nas escolas e Ongs. Os interessados em fazer parte das Rodas como voluntários já podem se inscrever para as atividades do segundo semestre. Basta acessar o endereço www.brasilcampeao.org.br e preencher a ficha de cadastro.

A Fundação Dixtal atua no Jardim São Luiz há nove anos. Os projetos criados pela entidade já beneficiaram diretamente cerca de dois mil jovens, priorizando o desenvolvimento de líderes e empreendedores sociais, por meio de atividades sócio-educativas, de intervenções em espaços públicos, onde o espírito colaborativo e cooperativo sempre foram alicerces fundamentais. O Programa 1 Milhão de Rodas continua o investimento na promoção de uma cultura colaborativa, no crescimento pessoal e coletivo dos participantes por meio do acesso à literatura, à troca de saberes entre o grupo e no fortalecimento da capacidade de fazer escolhas baseadas no conhecimento.

A metodologia do Programa 1 Milhão de Rodas prevê a realização de encontros semanais de uma hora e meia, com uma média de dez participantes, mediados por um voluntário. A Fundação Dixtal oferece materiais de trabalho, treinamento e acompanhamento aos voluntários durante todo o período de realização das Rodas.A maior demanda por voluntários são para aqueles com disponibilidade de tempo durante a semana. Para outras informações os interessados também podem ligar para o telefone (11) 5852.5452/6201 e falar com Cláudia Jorge, da área de voluntariado – claudia@brasilcampeao.org.br

Esta dica, rara leitora, tem dois objetivos, um é explítico, contribuir para divulgar mais a notícia (a pedido de minha filha Celina Bragança, que atua na área em S. Paulo, conhece a Fundação e a recomenda), outra, destacar que há gente e ongs trabalhando (e muito) pelo desenvolvimento das práticas de leitura em nosso país, com envolvimento de voluntários, acreditando que esse caminho abre portas para romper com grilhões sociais, propicia a criação de consciência cidadã e estimula o desenvolvimento do sonho e do imaginário, sem os quais nossa existência é mais pobre.

Teremos alguma rara leitora em S. Paulo? Disposta a ser voluntária em favor da leitura?

Ler e escrever, segundo Peter Gay





(...)
É claro que ler, assim como escrever, é um ato que possui muitas dimensões. Se escrever um romance é um complexo compromisso entre as necessidades instintivas e defensivas do autor, sua fome de aplauso e sua paixão pela experimentação, a leitura pode gratificar um desejo de informação sobre a vida, de alívio da realidade, de momentos de excitação erótica ou de deleite com a forma e o humor.

Tanto no autor como no leitor reverberam as mesmas paixões humanas, e ambos abrigam as mesmas necessidades humanas, mas suas experiências particulares são muitas vezes bastante diferentes. O escritor pode não experimentar as paixões que excita. Quase sempre, ler é uma regressão semelhante a brincar – regressão porque desperta e reúne memórias, brincadeira porque o leitor sabe bem, mesmo quando está profundamente absorvido em sua história, que aquilo não é verdade e que sempre pode escapar a seu encantamento. Enquanto a mágica funciona, porém, a obra de ficção rememora (ou inventa, pungentemente) recordações infantis valiosas. O leitor torna a viver entre encontros edípicos e intimidades ainda anteriores, experimentando, por momentos de enlevo, a ilusão de uma felicidade que pode nunca ter conhecido.

O ato de ler ocupa todas as principais instituições da mente: prova o id ao simular a satisfação dos instintos, lisonjeia o ego com belezes formais, aplaca o superego ao incluir o leitor numa comunidade moral invisível em que é feita justiça aos maus e aos inocentes ou (o que satisfaria a mais perseguidora das consciências) em que o sofrimento assola a todos como parte da condição humana.

Os prazeres trazidos pelo leitura advêm do fato de ser uma atividade econômica, no sentido psicanalítico do termo: ela encerra, com um gasto de energia bem inferior ao que seria exigido pela ação na realidade, aventuras esplêndias e prazeres proibidos, e tudo com pouquíssimo risco para o consumidor.
(...)


In A paixão terna. A experiência burguesa, da Rainha Vitória a Freud, vol. 2. Trad. de Sérgio Flaksman. S. Paulo: Cia. das Letras, 1990, p. 144-5.

Rara leitora, este pequeno excerto de um grande livro faz parte do cap. III, “A obra de ficção”, em que Peter Gay (Berlim, 1923), historiador freudiano, analisa de modo muito percuciente e inovador as práticas de leitura e escrita no século XIX na Europa, e a importância que tiveram para os leitores as grandes obras de ficção, desde as mais refinadas, como as de Gógol, George Eliot, Balzac, Zola, Maupaussant, Eça de Queiroz, Turguêniev, Dickens, Flaubert, Machado de Assis, Tchackeray etc., até aquelas histórias simplesmente “agradáveis e amenas”.


Ler e escrever podem ser experiências das mais complexas, refinadas, criativas, agradáveis e enriquecedoras do ser humano. Viva o leitor! Viva o autor! Viva o tipógrafo, o artista gráfico, o encadernador, o editor, o livreiro, o distribuidor, a professora, os pais. De todos eles (e mais) depende o desabrochar dessa potencialidade no espírito dos homens e mulheres. Viva!

sexta-feira, 13 de junho de 2008

Dez razões para escrever, segundo Roland Barthes


Como escrever não é uma atividade normativa nem científica, não posso dizer por que nem para que se escreve. Posso apenas enumerar as razões pelas quais imagino escrever:

1. por necessidade de prazer que, como se sabe, não deixa de ter alguma relação com o encantamento erótico;

2. porque a escrita descentra a fala, o indivíduo, a pessoa, realiza um trabalho cuja origem é indiscernível;

3. para pôr em prática um “dom”, satisfazer uma atividade instintiva, marcar uma diferença;

4. para ser reconhecido, gratificado, amado, contestado, constatado;

5. para cumprir tarefas ideológicas ou contra-ideológicas;

6. para obedecer às injunções de uma tipologia secreta, de uma distribuição guerreira, de uma avaliação permanente;

7. para satisfazer amigos, irritar inimigos;

8. para contrbiuir para fissurar o sistema simbólico de nossa sociedade;

9. para produzir sentidos novos, ou seja, forças novas, apoderar-me das coisas de um modo novo, abalar e modificar a subjugação dos sentidos;

10. finalmente, como resultado da multiplicidade e da contradição deliberadas dessas razões, para burlar a idéia, o ídolo, o fetiche da Determinação Única, da Causa (causalidade e “boa causa”) e credenciar assim o valor superior de uma atividade pluralista, sem causalidade, finalidade nem generalidade, como o é o próprio texto.

In Roland Barthes, Inéditos, vol. 1 – teoria. S. Paulo: Martins Fontes, 2004, p. 101-2.

Além de tudo o que pretende com sua escritura, e não é pouco, como se pode perceber acima, um dos objetivos de Barthes, parece-nos, raro leitor, neste como em outros textos, é tirar-nos qualquer resquício de certezas, abalar eventuais convicções e fazer-nos pensar de novo. Além, claro, de nos provocar o prazer da leitura pela beleza de seu texto. Se quer um pouco mais de Barthes, sugiro, rara leitora, ler – ou reler – o seu pequeno grande livro O Prazer do Texto (S. Paulo: Perspectiva, 3a. ed., 1993), fruto de uma conferência, que se tornou um clássico sobre o escrever e o ler.

E você, rara leitora, escreve e lê por prazer? Ou por quê?

13 de junho, efemérides: Santo António de Lisboa, Jardim Botânico do Rio de Janeiro, Frei José Mariano da Conceição Veloso

O dia de hoje registra os 777 anos de falecimento de Santo António de Lisboa, um dos maiores pregadores da Igreja Católica, franciscano falecido em Pádua, na Itália, em 13 de junho de 1231 e canonizado nesse mesmo dia do ano seguinte. É um dos santos mais venerados no Brasil e em Portugal, sendo cultuado em todo o mundo católico.

Para saber mais, acesse Santo António de Lisboa na Wikipédia:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Santo_Ant%C3%B3nio_de_Lisboa

Outro franciscano falecido a 13 de junho foi o botânico e editor Frei José Mariano da Conceição Veloso (14-10-1741/13-6-1811), nascido em Minas, considerado o primeiro naturalista brasileiro, diretor da Casa Literária Arco do Cego (1799-1801), de Lisboa, a primeira editora criada para servir ao desenvolvimento do Brasil, então colônia portuguesa, através do estímulo à leitura, especialmente de manuais técnicos de agricultura, dos quais se destaca a obra O Fazendeiro do Brasil, em 11 volumes. Completam-se hoje 197 anos de seu falecimento. Frei Veloso está sepultado no Convento de Santo Antônio do Rio de Janeiro, que, em seu conjunto, formado com a Igreja de Santo Antônio e a Igreja de São Francisco da Penitência, é um dos espaços mais belos e mais visitados pelos católicos na antiga capital do Brasil.

Para saber mais:

Sobre Frei Veloso:
“Sem livros não há instrução”, Frei Veloso
http://ler-e-escrever.blogspot.com/2007/06/sem-livros-no-h-instruco-frei-veloso.html

Personagens da Ciência em Portugal - José Mariano da Conceição Veloso, Instituto Camões:
http://www.instituto-camoes.pt/cvc/ciencia/p16.html

Sobre o Convento de Santo Antônio do Rio de Janeiro:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Convento_de_Santo_Ant%C3%B4nio_(Rio_de_Janeiro)


O Jardim Botânico do Rio de Janeiro, fundado pelo Príncipe Regente D. João, futuro D. João VI, completa hoje 200 anos. Criado, como Jardim de Aclimação (para as plantas exóticas trazidas pela Corte) em 13 de junho de 1808, um mês após a criação da Impressão Régia do Rio de Janeiro, amado como um dos lugares mais aprazíveis da Cidade Maravilhosa, é também grande centro de pesquisas botânicas. Em sua biblioteca encontram-se obras raras, como a Florae Fluminensis, de Frei Veloso.

Para saber mais sobre o Jardim Botânico do Rio de Janeiro:
http://www.jbrj.gov.br/index.html

Esta sexta-feira, 13, é, rara leitora, um dia de sorte. Além de marcar o início dos festejos juninos, dos mais populares e alegres do mundo católico, é também dia para se lembrar dos benefícios para o país da vinda da Corte para o Rio de Janeiro, em processo que teve como uma das grandes referências o trabalho político de D. Rodrigo de Sousa Coutinho, ministro de D. João, também o responsável pela criação da Casa Literária Arco do Cego, de Frei Veloso. Para saber mais sobre D. Rodrigo leia a excelente biografia O Conde de Linhares, Dom Rodrigo Domingos António de Sousa Coutinho, escrita pelo Marquez do Funchal, recentemente reeditada no Brasil, em edição fac-similar à original de 1908, pela Thesaurus Editora de Brasília, de Victor Alegria http://www.thesaurus.com.br/ .

terça-feira, 10 de junho de 2008

Conferência de Roger Chartier na Uni-Rio, 20 de junho

O professor Roger Chartier, diretor de estudos da École des Hautes Etudes em Sciences Sociales (EHESS), de Paris, irá fazer uma palestra sobre o tema: “Cardenio e Quijote: entre páginas e escenarios”.

6a feira dia 20 de junho às 14h00.
Uni-Rio – Campus Praia Vermelha
Centro de Letras e Artes (CLA) - Auditório Villa Lobos
Av. Pasteur, 438 – Urca – Rio de Janeiro - Brasil

Promoção:
Programa de Pós-graduação em Teatro http://www.unirio.br/cla/index.htm
Professoras Ana Maria Bulhões e Evelyn Furquim Werneck Lima

ACIDI estuda a [lamentável] discriminação contra brasileiros em Portugal


Um estudo apresentado em julho de 2007 pelo Alto Comissariado para a Imigração e Diálogo Intercultural (ACIDI), intitulado "Imigração Brasileira em Portugal" e coordenada pelo professor Jorge Malheiros, revelou que 45,3% dos entrevistados consideram ter visto "bastantes" casos de discriminação da parte dos portugueses em relação aos brasileiros. Considerando conjuntamente os que assinalam "bastantes" casos e "alguns" casos, esse número sobe para 71,9%.Apenas 19,3% dos entrevistados disseram nunca ter visto "nenhuma" situação dessas. Além disso, o relatório revela que 34,5% dos brasileiros entrevistados declararam ter tido conflitos com cidadãos portugueses pelo fato de serem brasileiros, mas 65,3% afirmam nunca ter tido esse problema.

O ACIDI é um instituto público integrado na administração indireta do Estado, que tem como missão colaborar na concepção, execução e avaliação das políticas públicas relevantes para a integração dos imigrantes. Ver aqui postagem de 3 de Abril de 2008:
UNESCO: 2008 - Ano Europeu do Diálogo Intercultural .

Leia a íntegra da matéria de Fernando Moura, de Lisboa, especial para o UOL, publicada hoje em:
http://noticias.uol.com.br/ultnot/internacional/2008/06/10/ult1859u205.jhtm

É lamentável a existência de qualquer preconceito. Mais ainda quando ocorre em Portugal contra brasileiros, cidadãos de um país que tradicionalmente acolhe os estrangeiros com grande generosidade.

Nesta época em que se comemoram os 200 anos anos em que a Família Real e a corte de Portugal aqui encontraram abrigo e proteção e onde hoje vivem milhões de portugueses ou luso-descendentes é de se justificar ações concretas do Estado, da sociedade e dos cidadãos para eliminar esse e todos os preconceitos. Embora não se possam desconhecer o contexto e a complexidade da questão, é inadiável esse enfrentamento. Além de iniciativa moralmente justificável, todos têm a ganhar com o fim dessa chaga que envergonha e perturba as boas relações entre os dois países historicamente ligados por laços culturais, econômicos e políticos. Parabéns ao trabalho do ACIDI, torcendo para que contribua nessa luta.

domingo, 8 de junho de 2008

Estudantes estrangeiros em cursos de pós-graduação no Brasil

A Sala de Imprensa do CNPq divulga:

Estão abertas as inscrições para o Programa de Estudantes-Convênio de Pós-Graduação (PEC-PG). Administrado conjuntamente pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq/MCT), pelo Departamento Cultural do Ministério das Relações Exteriores e pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), o programa possibilita a realização de pós-graduação em instituições de ensino superior brasileiras, por professores universitários, pesquisadores, profissionais e graduados do ensino superior dos países com os quais o Brasil mantém Acordo de Cooperação Educacional, Cultural ou de Ciência e Tecnologia.

Para saber mais, acesse:
http://www.cnpq.br/saladeimprensa/noticias/2008/0530a.htm

sábado, 7 de junho de 2008

Brasil, na América Latina, tem menos alunos em faculdades públicas

O Brasil é o país da América Latina com a menor porcentagem de universitários em instituições públicas, revela um estudo da Unesco apresentado na Conferência Regional de Educação Superior, encerrado ontem em Cartagena. A comparação exclui o Paraguai, o Equador e a Guatemala, que não tinham esses dados disponíveis. De acordo com o estudo, apenas 27% dos universitários brasileiros freqüentam faculdades públicas, número bastante inferior a países como México (66%) e Argentina (75%). Depois do Brasil, a menor porcentagem é de El Salvador (34%).

O Brasil também figura entre os países com menor crescimento relativo de vagas em instituições públicas. Entre 2000 e 2006, a porcentagem de matriculados em ensino superior público caiu de 35% para 27%. Só a Bolívia teve uma redução percentual maior na América do Sul. Há números disponíveis para 15 países, incluindo os mais populosos (Brasil, México, Argentina e Colômbia).
O levantamento, intitulado Mapa da Educação Superior, mostra que 55,8% dos universitários estão em instituições públicas na América Latina e no Caribe. Mas, quando se exclui o Brasil do total, esse índice sobe para 66,6%.

O Brasil apresenta ainda uma das menores taxas de cobertura universitária entre 20 países da região, incluindo os mais populosos. Apenas 18,7% dos jovens de 17 a 24 anos têm acesso à educação superior, porcentagem pouco maior do que a do México (18,1%) e muito inferior à cobertura argentina (45,6%).

Leia na Folha de São Paulo, de hoje, a matéria de Fabiano Maisonnave, enviado especial a Cartagena (Colômbia). Acesso ao texto completo, na rede, a assinantes da Folha e do UOL http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff0706200818.htm .

Os indicadores sociais de Educação são, em geral, desastrosos e lamentáveis em relação ao presente e ao futuro do país, ainda mais considerando-se o que paga o Brasil, inescrupulosamente, de juros de sua dívida pública, pessimamente administrada, em relação aos interesses do país, pela gerência do Banco Central entregue a banqueiros, pelo atual e pelos anteriores governantes.

Assim, tirando o setor de pós-graduação, onde o país tem indicadores positivos, nos demais, desde o jardim de infância até ao terceiro grau, observam-se dados vergonhosos, inclusive em relação aos demais países latinoamericanos. E quando se reclamam verbas para Educação há ferrenha oposição desses banqueiros que administram os recursos públicos, que só pensam “naquilo”, aumentar a taxa de juros que alimentam seus balanços e seus lucros, mesmo quando ela já é campeã no mundo. Até quando a mídia, o congresso e a sociedade brasileira assistirão passivamente a esse crime de lesa-pátria?

sexta-feira, 6 de junho de 2008

Renovação na História da Imprensa no Brasil

Há muito o clássico de Nelson Werneck Sodré, História da Imprensa no Brasil, merecia ser atualizado e renovado com as pesquisas recentes. O tema cada vez mais desperta interesse entre os estudiosos e estudantes dos inúmeros cursos de Jornalismo, Comunicação Social, História, Política etc.

Os 200 anos de criação da Impressão Régia no Rio de Janeiro comemorados este ano, certamente deram mais motivação para que autores e editores se mobilizassem.
Assim, ano passado, foram lançados os excelentes, História Cultural da Imprensa, Brasil, 1900-2000, de Marialva Barbosa, pela Editora Mauad X, do Rio de Janeiro, e História do Jornalismo no Brasil, de Richard Romancini e Cláudia Lago, pela Insular, de Florianópolis, com um breve e dispensável prefácio deste blogueiro.

Agora, sai pela Editora Contexto, mais uma contribuição para a renovação dos estudos na área. Pela seriedade das organizadoras, certamente se trata de uma excelente obra. Será lançada no próximo dia 25 dejunho, 4a. feira, a partir de 19h., na Livraria Saraiva, em S. Paulo, no Shopping Eldorado, em Pinheiros. Av. Rebouças, 3970. Será um sucesso.


HISTÓRIA DA IMPRENSA NO BRASIL
Ana Luiza Martins e Tania Regina de Luca
(Organizadoras)

Síntese oferecida pela editora:
Qual a relação do cidadão com a imprensa? Qual seu papel ao longo da história? Este livro mostra como a imprensa começou no Brasil em 1808 e como vem atuando duplamente: tanto como observadora quanto como protagonista da nossa história. Os primeiros impressos, a relação com os poderosos, a tecnologia alterando a forma de comunicação; as grandes empresas, a imprensa alternativa, o passado e o futuro da imprensa. Tudo isso é retratado de forma analítica em capítulos contextualizados e recheados de informações. Ao reunir um time de especialistas renomados de diversas áreas, História da imprensa no Brasil impõe-se como obra de referência indispensável nas estantes dos que estudam, dos que respeitam, dos que amam e até dos que temem a imprensa.

Sobra as organizadoras

Ana Luiza Martins é Doutora em História Social pela FFLCH-USP, historiadora do CONDEPHAAT (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arqueológico e Turístico do Estado de São Paulo). Publicou pela Contexto mais dois livros: O despertar da República e História do café.

Tania Regina de Luca, Doutora em História Social pela FFLCH-USP, é professora dos cursos de graduação e pós-graduação da Unesp/Assis e pesquisadora do CNPq. Pela Contexto é co-autora de História da cidadania e Fontes históricas. Ganhou o prêmio Jon M. Tolman, da Brazilian Studies Association (BRASA) em 2008.

Nossa imprensa, e não só a "grande" imprensa, tem seus pontos altos, admiráveis são suas contribuições em muitos episódios de nossa história, e uma execrável cumplicidade com o poder, quase sempre, mas é indispensável. Conhecê-la por dentro, rara leitora, não é coisa apenas de especialistas e estudantes.

quinta-feira, 5 de junho de 2008

No Dia Internacional do Meio Ambiente, poemas de Drummond



Evocação

À sombra da usina, teu jardim
Era mínimo, sem flores.
Plantas nasciam, renasciam
para não serem olhadas.

Meros projetos de existência,
desligavam-se de sol e água,
mesmo daquela secreção
que em teus olhos se represava.

Ninguém te viu quando, curvada,
removias o caracol
da via estreita das formigas,
nem sequer se ouviu teu chamado.

Pois chamaste (já era tarde)
e a voz da usina amorteceu
tua fuga para o sem-país
e o sem tempo. Mas te recordo

e te alcanço viva, menina,
a planejar tão cedo o jardim
onde estás, eu sei, clausurada,
sem que ninguém, ninguém te adivinhe.



Declaração de amor

Minha flor minha flor minha flor. Minha prímula meu pelargônio meu gladíolo meu botão-de-ouro. Minha peônia. Minha cinerária minha calêndula minha boca-de-leão. Minha gérbera. Minha clívia. Meu cimbídio. Flor flor flor. Floramaralílis. Floranêmona. Florazálea. Clematite minha. Catléia delfínio estrelítzia. Minha hortensegerânea.Ah, meu nenúfar. Rododendro e crisântemo e junquilho meus. Meu ciclâmen. Macieira-minha-do-japão. Calceolária minha. Daliabegônia minha. Forsitiaíres tuliparrosa minhas. Violeta... Amor-mais-que-perfeito. Minha urze. Meu cravo-pessoal-de-defunto. Minha corola sem cor e nome no chão de minha morte.


A folha

A natureza são duas.
Uma,
tal qual se sabe a si mesma.
Outra, a que vemos. Mas vemos?
Ou é a ilusão das coisas?

Quem sou eu para sentir
o leque de uma palmeira?
Quem sou, para ser senhor de uma fechada, sagrada
arca de vidas autônomas?

A pretensão de ser homem
e não coisa ou caracol
esfacela-me em frente à folha
que cai, depois de viver
intensa, caladamente,
e por ordem do Prefeito
vai sumir na varredura
mas continua em outra folha
alheia a meu privilégio
de ser mais forte que as folhas.

In A paixão medida, 3a. edição. Rio de Janeiro: José Olympio, 1981. Capa e ilustrações de Luís Trimano.



A imagem da capa e, especialmente, a da dedicatória (que alegra meu coração e que devo a Marly Medalha, amiga do Poeta), pretendem marcar a saudade de Drummond, sempre atento à natureza e mais ainda aos homens, ao seu tempo e ao país. Que falta faz não termos Carlos Drummond de Andrade escrevendo suas crônicas no jornal. Os dias que correm no Brasil certamente seriam menos tristes e mais belos. E talvez, quem sabe, a criminosa destruição da Amazônia seria punida e contida. E até a ministra Marina Silva estaria prestigiada e não defenestrada. Quem sabe? Também neste Dia Internacional do Meio Ambiente, que falta faz o Poeta!