domingo, 28 de fevereiro de 2010

Uma vida luminosa dedicada aos livros: José Mindlin (8/9/1914-28/2/2010)

Foto de Bruno Dorigatti/Lihed, 2004.

A notícia entristece seus familiares, amigos e também todos os que amam os livros. José Mindlin faleceu hoje. Deixa aberta uma vaga na Academia Brasileira de Letras e uma carreira exemplar, na qual sua relação amorosa com os livros foi um traço marcante, superando certamente os do advogado e empresário, bem sucedidos.


Cleber Teixeira, na apresentação que faz do autor de Memórias Esparsas de uma Biblioteca, publicado em 2004 pelo Escritório do Livro (Florianópolis-SC) em co-edição com a Imprensa Oficial (SP), lançado no Rio de Janeiro durante o I Seminário Brasileiro Livro e História Editorial (I Lihed), na Casa de Rui Barbosa (foto acima), afirma: ‘José Mindlin é, e será para sempre, uma referência, um ponto luminoso, um exemplo estimulante de interesse pelos livros, pelas artes gráficas, pelo documento histórico e literário; por tudo, enfim, que faz do leitor comum um bibliófilo’.

Amigo de Mindlin, editor da Noa-Noa, poeta, tradutor e também bibliófilo, Cleber Teixeira, inclui no seu texto algumas histórias de Mindlin e de outros bibliófilos e de suas relações afetivas com os livros, além de apresentar o livro em que seu amigo fala ‘da formação de sua biblioteca, fruto de uma paixão correspondida pelos livros, de um esforço bem sucedido de formação de uma acervo fabuloso, hoje privado mas que por iniciativa da família Mindlin deverá ocupar um prédio próprio no campus da USP’. Sobre esta iniciativa saiba mais em http://www.brasiliana.usp.br/bbm_historia

Além da obra citada, Mindlin publicou, dentre outros, José conta suas histórias/Grupo Verde, Edusc/Imprensa Oficial, 2000, No mundo dos livros, Agir, 2009, além de artigos e prefácios, sendo sua obra fundamental: Uma vida entre livros, Reencontros com o tempo, uma belíssima edição, publicada em 1997, em co-edição Edusp com Companhia das Letras. A Edusp publicou também José Mindlin, Editor, organizado por Tereza Kikuchi, também lançado no I Lihed em 2004, acompanhado de um DVD contendo uma entrevista concedida à mesma Tereza, ambos fontes importantes para se conhecer algumas das atividades de Mindlin em favor da cultura letrada brasileira.

Meu encontro com o sino, Geir Campos



Das igrejas o que melhor recordo são meus contatos (não religiosos) com os sinos, por exemplo.

Havia então em Campos três igrejas mais ou menos próximas, no centro da cidade: duas na Praça de São Salvador, e uma na então Rua da Constituição. E era nos meses de novenas, principalmente, em maio sobretudo, que lá íamos, eu e outros meninos, tocar os sinos para a altissonante convocação dos fieis.

Não havia, em nosso gesto – mais para a brincadeira – a menor intenção sagrada. Em vez disso, o que havia era pura vocação lúdica: puxar as cordinhas dos sinos, dois ou três em cada torre, fazendo-os bimbalhar ao nosso gosto, ou afinal pendurar-nos à corda grossa do sino maior, levando-o a girar num redobro que, para nós, nada poderia ser de lúgubre ou melancólico.
(...)

Tudo isso estava já longe, arquivado na mais doce das lembranças, quando, numa véspera de Natal, minha irmã caçula chegou da rua e colocou em cima da mesa, onde a família acabava de almoçar, um pequeno sino de papelão, que lhe haviam dado de presente, recheado de bombons.

Fiquei olhando aquele sino de brinquedo, fazendo força para pensar em outra coisa; mas sem poder tirar dele a vista. Toda a infância me ocorreu, naquela contemplação contrafeita, a começar pelas subidas às torres das igrejas campistas; e dei por mim com uns versos forçando a saída, tentando-me com força e dar-lhes forma escrita.
(...)

Lutava eu contra a premência de escrever, contra uma espécie de necessidade orgânica; mas com vontade de não ceder, de largar o lápis e o papel, de esquecer aquilo. No mais, o tema seria banal; dali não poderia sair coisa que se aproveitasse. E eu assim resistia, sabotando descaradamente as Musas, coitadas; e elas teimavam, forçando-me a pegar o lápis e a anotar o que me viesse à cabeça, não importava a caligrafia, aliás horrível...

Com aqueles rabiscos, difíceis – mesmo para mim – de ler, saí para dar uma volta; andei mais de meia hora, à toa. Só o que eu não queria era voltar, para não recomeçar tudo aquilo de novo.

Três ou quatro horas mais tarde, quando eu já me considerava com a digestão completamente feita, retomei os papeis rabiscados e comecei a tentar organizar aqueles rabiscos; o que dele resultou foi o poema intitulado “O sino”, último de meu livro Arquipélago. É um dos poemas mais ‘sofridos’ que escrevi: sofrido fisicamente, organicamente sofrido.

Excerto de “Meu encontro com o sino”, in Bragança, Aníbal e Santos, Maria Lizete dos, org. A profissão do poeta & Carta aos livreiros do Brasil. Niterói: Imprensa Oficial do Estado do Rio de Janeiro, 2002, p. 139-141. Para comprar: www.estantevirtual.com.br


Hoje, lembra-me Dora Sodré, Geir faria 86 anos. Deixou-nos uma belíssima obra, composta por livros de poesia (dentre outros, Metanáutica, 1970, e Tarefa, 1981), de contos, como O vestíbulo (2ª. ed., 1979), crônicas, peças de teatro, livros infanto-juvenis, teses, ensaios, traduções etc., que o fizeram um dos marcos da literatura brasileira do século XX. Seu ensaio “Carta aos livreiros do Brasil” (1960) continua sendo a melhor análise da situação então vivida no mercado editorial.

Este registro pretende ser uma homenagem ao escritor admirável, ao cidadão combativo, ao amigo terno, e a todos os seus leitores, a quem recomendamos a Antologia Poética, organizada por Israel Pedrosa, editada por Leo Christiano em 2003, que é quase sua obra poética completa. Acesse http://www.leochristiano.com.br/

Você, rara leitora, conhece a poesia de Geir Campos?

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Concurso para docente na área de Editoração

A Universidade Federal de Santa Maria (RS) lançou edital de concurso para admissão de docentes que inclui a área de Jornalismo e Editoração. Especialmente na subárea Editoração isso não é comum, assim os que pretendem ingressar na carreira acadêmica em Universidade pública têm um boa oportunidade. Haverá alguém interessado entre nossos raros leitores? Para maiores informações, acesse:
http://w3.ufsm.br/prrh/docentes/0062010/
E boa sorte!

sábado, 20 de fevereiro de 2010

1º Congresso Internacional do Livro Digital

Nos próximos dias 30 e 31 de março, no Hotel Maksoud Plaza, em São Paulo, serão apresentadas e debatidas as novas oportunidades para a indústria editorial e para a sociedade oferecidas pelo desenvolvimento das tecnologias digitais, com a participação de vários convidados internacionais. Promovido pela Câmara Brasileira do Livro, em parceria com a Buchmesse Frankfurt, terá também a participação desde blogueiro entre os palestrantes. Como se inscrever e outras informações em:

Montaigne (1533-1592), os livros e a leitura

Não busco nos livros senão o prazer de um honesto passatempo; e nesse estudo não me prendo senão ao que possa desenvolver em mim o conhecimento de mim mesmo e me auxilie a viver e morrer bem, “essa meta para onde deve correr o meu corcel” (Propércio).

As dificuldades com que deparo lendo, não me preocupam exageradamente; deixo-as de lado, após tentar resolve-las uma ou duas vezes. Se me detivesse nelas, perder-me-ia e perderia meu tempo, pois meu espírito é de tal índole que o que não percebe de imediato menos entende em se obstinando. Não sou capaz de nada que não me dê prazer ou que exija esforço, e atardar-me demasiado em um assunto, ou nele me concentrar demoradamente, perturba minha inteligência, cansa-a e me entristece. (...)

Se um livro me entedia, pego outro e só me dedico à leitura quando não sei que fazer: e o enfado me domina. Quase não leio livros novos: prefiro os antigos que me parecem mais sérios e bem feitos; (...)

A fim de remediar um pouco as traições de minha memória, tão fraca que me aconteceu mais de uma vez voltar, como se não os conhecesse, a livros lidos anos antes com atenção e anotando, habituei-me de uns tempos para cá a escrever, no fim dos volumes que não pretendo tornar a consultar, a data do término da leitura, e, em grandes caracteres, a impressão sentida, ao menos para ter a qualquer momento uma ideia geral do que li. (...)

Montaigne, Michel de “Dos livros”, in Ensaios. Trad. de Sérgio Milliet. São Paulo: Abril Cultural, 1972, p. 196-201.

A obra Ensaios foi publicada inteira, em 3 volumes, postumamente, em 1595, mas em 1580 saíram em Paris os dois primeiros livros, embora o autor tenha afirmado que os escrevera ‘para si mesmo’, sem pensar na posteridade. Desde então influenciou grandes pensadores e tem sido objeto de inúmeros estudos e leituras.

Você, raro leitor, rara leitora, busca na leitura, como Montaigne, principalmente, o autoconhecimento? É partidário(a) do estudo árduo e perseverante ou prefere buscar o prazer nas obras que lê?  Se tem, como enfrenta as dificuldades de leitura de uma obra? Já começou a ler algum livro porque esqueceu que o havia lido?