Trova do mês de abril
Foram dias foram anos a esperar por um só dia.
Alegrias. Desenganos. Foi o tempo que doía
com seus riscos e seus danos. Foi a noite e foi o dia
na esperança de um só dia.
Foram batalhas perdidas. Foram derrotas vitórias.
Foi a vida (foram vidas). Foi a História (foram histórias)
mil encontros despedidas. Foram vidas (foi a vida)
por um só dia vivida.
Foi o tempo que passava como se nunca passasse.
E uma flauta que cantava como se a noite rasgasse
toda a vida e uma palavra: liberdade que vivia
na esperança de um só dia.
Musa minha vem dizer o que nunca então se disse
esse morrer de viver por um dia em que se visse
um só dia e então morrer. Musa minha que tecias
um só dia dos teus dias.
Vem dizer o puro exemplo dos que nunca se cansaram
musa minha onde contemplo os dias que se passaram
sem nunca passar o tempo. Nesse tempo em que daria
a vida por um só dia.
Já muitas águas correram já muitos rios secaram
batalhas que se perderam batalhas que se ganharam.
Só os dias não morreram em que era tão curta a vida
por um só dia vivida.
E as quatro estações rolaram com seus ritmos e seus ritos.
Ventos do Norte levaram festas jogos brincos ditos.
E as chamas não se apagaram. Que na ideia a lenha ardia
toda a vida por um dia.
Fogos-fátuos cinza fria. Musa minha que cantavas
a canção que se vestia com bandeiras nas palavras.
Armas que o tempo tecia. Minha vida toda a vida
por um só dia vivida.
Manuel Alegre, Atlântico. Lisboa: Moraes, 1981, p. 93-4.
Com este poema de Manuel Alegre, reserva moral do movimento, rara leitora, fazemos um registro da lembrança - talvez já seja um resgate - do que significou a esperança de toda uma nação e de um povo espalhado pelos cinco continentes: o fim de uma das últimas ditaduras modernas, o nefasto salazarismo em Portugal. Faz hoje 34 anos o movimento chamado de Revolução dos Cravos, deflagrado em 25 de abril de 1974. Mesmo ao longe, todos - ou quase - os portugueses, como eu, se emocionaram, com o povo feliz nas ruas, ao ouvir da canção de José Afonso, Grândola, “dentro de ti, ó cidade, o povo é quem mais ordena”.
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, mas... de tudo resta um pouco. Viva o 25 de abril!
Em tempo: Há dias recebi de um fraterno amigo, Manuel Lourenço Neto, antigo militante anti-salazarista, em Portugal e no exílio brasileiro, mensagem alusiva ao 25 de abril, com “um poema que me veio à cabeça”:
Chegaste,
feita palavra e grito
do mais fundo dos
nossos silêncios!...
Quanto tempo! quanto tempo!..
Porque te queremos
sempre manhã, juramos-te
que não mais serás noite!..
- Fascismo, nunca mais!...
Fica mais este registro, em homenagem a todos os que, como ele, lutaram pela liberdade em Portugal.
sexta-feira, 25 de abril de 2008
25 de abril, 34 anos hoje!, com Manuel Lourenço e Manuel Alegre
Assinar:
Postar comentários (Atom)
5 comentários:
Amigo Aníbal:
É data a ser sempre comemorada!
Um grande abraço, Henrique.
Boa noite,
Alguém sabe se (em 2020) Manuel Lourenço Neto ainda é vivo? Se não é, em que ano terá falecido?
Os meus agradecimentos.
Guilherme de Almeida
g.almeida50(A)gmail. com
Boa noite, Guilherme de Almeida,
o nosso querido amigo Manuel Lourenço Neto faleceu no dia 20 de agosto de 2014 e está sepultado no Cemitério Parque da Colina, em Niterói. Deixou muitas saudades.
Se eu lhe puder ajudar em algo estou à sua disposição.
Cordialmente,
Aníbal Bragança
Muito obrigado, Aníbal Bragança,
Lamento que Manuel Lourenço Netos tenha já falecido. Em Portugal, no início da década de 1950, ele vinha algumas vezes a casa dos meus pais. Eu tinha quase acabado de nascer.
Abraço
Guilherme de Almeida
Como sabe, em Portugal Lourenço Neto foi o
Perseguido pela polícia política (tal como muitos outros de.ocratas). No site da Torre do Tombo pode-se baixar a ficha prisional que a PIDE tinha feito sobre ele. Tem valor histórico e documental
Postar um comentário