Entrevista concedida - em 4 de abril de 2001 - por D. Alice a Maria Lygia Cardoso Köpke Santos (uma das sete que fez) nas pesquisas (em depoimentos orais) para a dissertação de mestrado “Entre louças, pianos, livros e impressos: A Casa Livro Azul – 1876-1958”, apresentada à Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em 2004, sob a orientação de Norma Sandra de Almeida Ferreira, a ser publicada em livro neste ano de 2007.
D. Alice:
Eu penso que o gosto pela leitura depende muito dos pais que influenciam as crianças, porque quando eu era menina, eu me lembro, eu estou com 84 anos agora, quando eu era menina meus pais tinham muitos livros, eles incentivavam os filhos a lerem, também porque naquele tempo não tinha televisão, a gente não tinha rádio, havia bem menos distrações. A gente se dedicava muito mais à leitura, era como um passatempo mesmo. (...)
Nós fazíamos às vezes uma leitura em família, ou minha mãe contava histórias.
Às vezes, hoje, eu conto histórias para os meus netos, mas as crianças de hoje são muito mais irrequietas, elas não têm muita paciência pra ficar sentado. Os passatempos são outros agora. (...)
Eu fazia intercâmbio de leitura com as minhas amigas, uma trocava o livro com a outra. Elas compravam alguns também. Eu gostava de ler no meu quarto, sentada na cama, acomodava bem o corpo com o travesseiro. Gostava de ler à noite, principalmente. Deitava cedo, 7 horas, 7 e meia eu já ia para o meu quarto e ficava lendo. (...)
Na escola eu lia os livros que eram indicados para o ano letivo, em casa eu lia romances. Li muito Dely, Henri Ardel, depois houve um tempo em que eu passei a gostar muito de aventuras, aqueles livros de Rafael Sabatini e uns outros que não me recordo mais. Depois fui evoluindo um pouco mais e passei a ler livros mais clássicos, como Eça de Queiroz, Júlio Dantas. Eu gostava muito de ler poesias. Minha irmã também gostava demais de poesias. Então nós líamos muito as poesias de Olegário Mariano, Guilherme de Almeida. Eu não declamava poesias, apenas lia para o meu gosto. (...)
Eu e meu marido tínhamos gostos de leitura diferentes. Líamos quando tínhamos tempo. Conforme o tempo foi passando a vida foi ficando mais agitada, não era mais como antigamente quando não tinha televisão nem rádio e a gente tinha tempo pra ler à vontade.
Depois veio a televisão, o rádio e outras coisas, e a gente já não foi tendo tanto tempo pra ler. Mas sempre se lia muito. (...)
Não leio assim em seguida, mas leio sempre. (...) Também leio muito jornal. Gosto muito de ler jornais.
Veja nas prisões, aquele colosso de gente amontoada que nem bicho. Se em cada prisão tivesse uma biblioteca, que essas pessoas pudessem ler, passar o tempo, eles não sentiriam aquela solidão. Leitura é uma companhia. Eles se sentiriam outras pessoas. É verdade que muitos nem sabem ler e escrever, mas se tivesse um curso de alfabetização em cada prisão e uma biblioteca, acho que a vida seria bem melhor. Olha, se fizessem isto seria uma coisa tão humana, e não haveria estas revoltas. Eles ficam sem fazer nada, sem um passatempo. A leitura é uma companhia. E quem tem uma leitura boa não tem solidão. É uma viagem. (...)
Agora faz um tempinho que eu não estou lendo, porque não estou com a vista muito boa. Eu tenho lido revistas. O último livro que eu li foi este do Eduardo Bueno. Eu leio muito rápido.
Hoje em dia eu comento minhas leituras com minhas noras. Quando era criança minhas amigas também liam e havia um intercâmbio grande entre nós. O passatempo nosso era a leitura. Fora isso só tinha as matinês nos clubes, do Tênis Clube, Cultura Artística... Não tinha outros passatempos. (...)
Os filhos não nascem gostando de ler, a gente precisa incentiva-los. Mas tudo também é uma questão de época. Hoje é tanta correria, tanto atropelo, as pessoas não têm mais tempo pra sentar e ler. Precisa gostar muito e ter aquela vocação pra ler.
Meus melhores momentos de leitura foram na minha juventude. Eu gostava demais e também tinha tempo pra isso. (...)
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