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Não se suspeitava que os direitos dos homens estivessem escritos no livro da natureza e de que era preciso evitar consultar outros. Era nos livros sagrados, nos autores respeitados, nas bulas dos papas, nos rescritos dos reis, nas compilações dos costumes, nos anais das igrejas, que se procuravam as máximas ou os exemplos dos quais podia ser permitido extrair conseqüências. Não se tratava de examinar um princípio em si mesmo, mas de interpretar, de discutir, de destruir ou de fortificar, por outros textos, aqueles nos quais eles se apoiavam. Não se adotava uma proposição porque ela era verdadeira, mas porque ela estava escrita em tal livro; e porque ela tinha sido admitida em tal país e desde tal século.
Assim, em todas as partes, a autoridade dos homens tinha substituído a autoridade da razão. Estudavam-se os livros muito mais do que a natureza, e as opiniões dos antigos antes que os fenômenos do universo. Esta escravidão do espírito, na qual não se tinha ainda nem mesmo o recurso de uma crítica esclarecida, foi então mais nociva aos progressos do espírito humano, pela direção que ela dava aos espíritos do que por seus efeitos imediatos. Estava-se tão longe de ter alcançado os antigos que ainda não era hora de procurar corrigi-los ou ultrapassa-los.
Durante essa época, os costumes conservam sua corrupção e sua ferocidade; a intolerância religiosa foi até mesmo mais ativa; e as discórdias civis, as guerras particulares dos senhores substituíram as invasões dos bárbaros. Na verdade, o galanteio dos menestréis e dos trovadores, a instituição de uma cavalaria professando a generosidade e a franqueza, dedicando-se à manutenção da religião e à defesa dos oprimidos, assim como ao serviço das damas, pareciam dever dar mais suavidade, decência e elevação. Mas essa mudança não alcançava a massa do povo, estava limitada às cortes e aos castelos. Disso resultou um pouco mais de igualdade entre os nobres, menos perfídia e crueldade em suas relações entre si; mas seu desprezo pelo povo, a violência de sua tirania, a audácia de sua pilhagem permaneceram
as mesmas; e as nações, igualmente oprimidas, foram igualmente ignorantes, bárbaras e corrompidas.
Este espírito de galanteio, esta cavalaria, devidos em grande parte aos árabes, cuja generosidade natural resistiu por muito tempo, na Espanha, à superstição e ao despotismo, sem dúvida foram úteis: eles difundiram os germes de humanidade que só deviam frutificar em tempos mais felizes; e este foi o caráter geral dessa época de ter disposto o espírito humano para a revolução à qual a descoberta da tipografia devia conduzir, e de ter preparado a terra que as épocas seguintes deviam cobrir com uma colheita tão rica e tão abundante.
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In “Sétimo período – Desde os primeiros progressos das ciências, quando de sua restauração no Ocidente, até a invenção da tipografia”, capítulo do livro Esboço de um quadro histórico dos progressos do espírito humano [1793-1794]. Campinas: Ed. da Unicamp, 1991, p. 107-8.
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