Incomunicabilidade
Caneta, lápis, papel
e lâmina de ponta de lua
um autômato do bolso me tirava...
Depois a minha mão ficou nua
da vestimenta que usava.
Mas deram-me uma tinta preta
(nuvem negra dum fogo posto)
e meteram-me no tinteiro...
Na tinta, afogo as mãos, o rosto,
o meu corpo inteiro:
A força, o canto, a voz que encerra,
ninguém, ninguém pode afogar
– como as raízes da terra
e o fundo do mar.
Carta
Lanço as palavras ao papel
como pescador calmo
lança os barcos ao rio.
Só no fundo, no fundo inviolado,
contraio e espalmo
as minhas mãos, mãos de afogado
morrendo à sede.
– Meu amor estou bem –
Quanto te escrevo,
ponho os olhos no teu retrato
pendurado nos ferros da minha cama
para que as palavras tenham o sabor exacto
de quem me ouve,
de quem me fala,
de quem me chama.
– Meu amor estou bem –
Ontem vi a Primavera
numa flor cortada dos jardins.
Hoje, tenho nos ombros uma pedra
e um punhal nos rins.
– Meu amor estou bem –
Se a morte vier, querida amiga,
à minha beira, sem ninguém,
hei-de pedir-lhe que te diga:
– Meu amor estou bem –
A uma bicicleta desenhada na cela
Nesta parede que me veste
da cabeça aos pés, inteira,
bem hajas, companheira,
as viagens que me deste.
Aqui,
onde o dia é mal nascido,
jamais me cansou
o rumo que deixou
o lápis proibido...
Bem haja a mão que te criou!
Olhos montados no teu selim
pedalei, atravessei
e viajei
para além de mim.
In Latitude, 1950, com poemas da prisão, incluído em Obra completa, organizada por Luís Adriano Carlos e Paula Monteiro, publicada em bela edição, ilustrada com desenhos do autor, por Campo das Letras, Porto, Portugal, em 1997. A edição de 1950 teve sua circulação proibida então em Portugal.
Em 1967 Luís Veiga Leitão transferiu-se para o Brasil, talvez, principalmente, para que o filho Luís não fosse convocado à guerra colonial. Após viver alguns anos em Niterói – onde chegou a participar das atividades da Livraria Diálogo – retornou a Portugal no calor da hora do retorno à democracia. Anos depois, quando estava no Brasil para lançamento de sua antologia poética Biografia pétrea, publicada pela Thesaurus www.thesaurus.com.br , de Victor Alegria, faleceu subitamente (em 9 de outubro de 1987) na cidade fluminense que o acolheu e onde fez muitos amigos, como o signatário destas linhas.
Caneta, lápis, papel
e lâmina de ponta de lua
um autômato do bolso me tirava...
Depois a minha mão ficou nua
da vestimenta que usava.
Mas deram-me uma tinta preta
(nuvem negra dum fogo posto)
e meteram-me no tinteiro...
Na tinta, afogo as mãos, o rosto,
o meu corpo inteiro:
A força, o canto, a voz que encerra,
ninguém, ninguém pode afogar
– como as raízes da terra
e o fundo do mar.
Carta
Lanço as palavras ao papel
como pescador calmo
lança os barcos ao rio.
Só no fundo, no fundo inviolado,
contraio e espalmo
as minhas mãos, mãos de afogado
morrendo à sede.
– Meu amor estou bem –
Quanto te escrevo,
ponho os olhos no teu retrato
pendurado nos ferros da minha cama
para que as palavras tenham o sabor exacto
de quem me ouve,
de quem me fala,
de quem me chama.
– Meu amor estou bem –
Ontem vi a Primavera
numa flor cortada dos jardins.
Hoje, tenho nos ombros uma pedra
e um punhal nos rins.
– Meu amor estou bem –
Se a morte vier, querida amiga,
à minha beira, sem ninguém,
hei-de pedir-lhe que te diga:
– Meu amor estou bem –
A uma bicicleta desenhada na cela
Nesta parede que me veste
da cabeça aos pés, inteira,
bem hajas, companheira,
as viagens que me deste.
Aqui,
onde o dia é mal nascido,
jamais me cansou
o rumo que deixou
o lápis proibido...
Bem haja a mão que te criou!
Olhos montados no teu selim
pedalei, atravessei
e viajei
para além de mim.
In Latitude, 1950, com poemas da prisão, incluído em Obra completa, organizada por Luís Adriano Carlos e Paula Monteiro, publicada em bela edição, ilustrada com desenhos do autor, por Campo das Letras, Porto, Portugal, em 1997. A edição de 1950 teve sua circulação proibida então em Portugal.
Em 1967 Luís Veiga Leitão transferiu-se para o Brasil, talvez, principalmente, para que o filho Luís não fosse convocado à guerra colonial. Após viver alguns anos em Niterói – onde chegou a participar das atividades da Livraria Diálogo – retornou a Portugal no calor da hora do retorno à democracia. Anos depois, quando estava no Brasil para lançamento de sua antologia poética Biografia pétrea, publicada pela Thesaurus www.thesaurus.com.br , de Victor Alegria, faleceu subitamente (em 9 de outubro de 1987) na cidade fluminense que o acolheu e onde fez muitos amigos, como o signatário destas linhas.
7 comentários:
Será possivel, algum admirador da obra de Luis Veiga Leitão enviar-me o poema completo (?) que tem incluidos os seguintes versos:
Que nos cubram de ameaças e de espanto
Que nos cortem as asas mas o manto
Voa mais alto que as penas.
"Voa mais alto" trata-se do mote para a 15 Bienal de artes plásticas da festa do avante .
Fiz pequisa ,mas não encontrei.
grata
anA --- garridas4@hotmail.com
Oi Ana (?),
o poema é Latitude (que dá título ao primeiro livro de Luís Veiga Leitão, de 1950, e tem apenas estes versos:
Que nos cubram de ameaças e de espanto/que nos cortem as asas mas o canto/voa muito mais largo do que as penas.
Está na página 50 da Obra completa.
Boa sorte e sucesso para a 15 Bienal e para toda a festa do Avante.
Aníbal
Caro Anibal Bragança
Obrigada pela sua ajuda, e pelos esclarecimentos adicionais que me tornaram mais ‘rica’
Desculpe só agora agradecer, mas tinha perdido ‘norte’ ao blog.
cumprimentos
anA
Caro Anibal Bragança,
Só depois de enviar os meus agradecimentos é que fui ler mais sobre si e ver os outros sítios, e, sem querer abusar da sua disponibilidade envio dois blogs onde publico algumas pinturas sobre a poesia de autores de língua portuguesa.
anApintura.blogspot.com e anApintura.blogs.sapo.pt.
grata
anA
Caro Anibal
Publiquei no meu blog o trabalho que fiz sobre o poema Latitude de Luis Veiga Leitão (este ano o juri não aprovou o meu trabalho).
Cumprimentos
anA
olá Anibal
Obrigada pelo comentário no meu blog.
Quanto aos trabalhos escolhidos nada sei.Mas vou procurar saber.Na internet acho que não apareceu nada publicado
Se vier a Portugal ou Lisboa terei todo o gosto e que provoque um encontro, eu ir ao Brasil?...não creio.
Cumprimentos
anA
olá caros leitores
conheci este escritor, através de um membro da família deste.
Gostaria de conhecê-lo melhor, postumamente.
Escrevo poesias, relacionadas a diversos temas, mas tenho enfatizado minha obra sobre um heterónimo de Fernando Pessoa, chamado Alberto Caeiro.
Grande Abraço
Aproveito para convidar o autor deste blogue a conhecer o que escrevo através do site:
http://palavrasquecorrempelagarganta.blogspot.com
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