quarta-feira, 25 de abril de 2007

25 de abril! Poemas de Luís Veiga Leitão

Para lembrar o aniversário da Revolução dos Cravos que, em 25 de abril de 1974, libertou Portugal da ditadura salazarista, propomos a você, rara ou raro leitor, a leitura destes poemas de Luís Veiga Leitão, nascido em Moimenta da Beira (Portugal) a 27 de maio de 1912. Estes versos se referem ao período em que o autor esteve encarcerado como preso político.

Incomunicabilidade

Caneta, lápis, papel
e lâmina de ponta de lua
um autômato do bolso me tirava...
Depois a minha mão ficou nua
da vestimenta que usava.

Mas deram-me uma tinta preta
(nuvem negra dum fogo posto)
e meteram-me no tinteiro...
Na tinta, afogo as mãos, o rosto,
o meu corpo inteiro:

A força, o canto, a voz que encerra,
ninguém, ninguém pode afogar
– como as raízes da terra
e o fundo do mar.

Carta

Lanço as palavras ao papel
como pescador calmo
lança os barcos ao rio.
Só no fundo, no fundo inviolado,
contraio e espalmo
as minhas mãos, mãos de afogado
morrendo à sede.

– Meu amor estou bem –

Quanto te escrevo,
ponho os olhos no teu retrato
pendurado nos ferros da minha cama

para que as palavras tenham o sabor exacto
de quem me ouve,
de quem me fala,
de quem me chama.

– Meu amor estou bem –

Ontem vi a Primavera
numa flor cortada dos jardins.
Hoje, tenho nos ombros uma pedra
e um punhal nos rins.

– Meu amor estou bem –

Se a morte vier, querida amiga,
à minha beira, sem ninguém,
hei-de pedir-lhe que te diga:

– Meu amor estou bem –


A uma bicicleta desenhada na cela

Nesta parede que me veste
da cabeça aos pés, inteira,
bem hajas, companheira,
as viagens que me deste.

Aqui,
onde o dia é mal nascido,
jamais me cansou
o rumo que deixou
o lápis proibido...

Bem haja a mão que te criou!

Olhos montados no teu selim
pedalei, atravessei
e viajei
para além de mim.

In Latitude, 1950, com poemas da prisão, incluído em Obra completa, organizada por Luís Adriano Carlos e Paula Monteiro, publicada em bela edição, ilustrada com desenhos do autor, por Campo das Letras, Porto, Portugal, em 1997. A edição de 1950 teve sua circulação proibida então em Portugal.

Em 1967 Luís Veiga Leitão transferiu-se para o Brasil, talvez, principalmente, para que o filho Luís não fosse convocado à guerra colonial. Após viver alguns anos em Niterói – onde chegou a participar das atividades da Livraria Diálogo – retornou a Portugal no calor da hora do retorno à democracia. Anos depois, quando estava no Brasil para lançamento de sua antologia poética Biografia pétrea, publicada pela Thesaurus www.thesaurus.com.br , de Victor Alegria, faleceu subitamente (em 9 de outubro de 1987) na cidade fluminense que o acolheu e onde fez muitos amigos, como o signatário destas linhas.


7 comentários:

Anônimo disse...

Será possivel, algum admirador da obra de Luis Veiga Leitão enviar-me o poema completo (?) que tem incluidos os seguintes versos:
Que nos cubram de ameaças e de espanto
Que nos cortem as asas mas o manto
Voa mais alto que as penas.

"Voa mais alto" trata-se do mote para a 15 Bienal de artes plásticas da festa do avante .
Fiz pequisa ,mas não encontrei.
grata
anA --- garridas4@hotmail.com

Aníbal Bragança disse...

Oi Ana (?),
o poema é Latitude (que dá título ao primeiro livro de Luís Veiga Leitão, de 1950, e tem apenas estes versos:
Que nos cubram de ameaças e de espanto/que nos cortem as asas mas o canto/voa muito mais largo do que as penas.
Está na página 50 da Obra completa.
Boa sorte e sucesso para a 15 Bienal e para toda a festa do Avante.
Aníbal

Anônimo disse...

Caro Anibal Bragança
Obrigada pela sua ajuda, e pelos esclarecimentos adicionais que me tornaram mais ‘rica’
Desculpe só agora agradecer, mas tinha perdido ‘norte’ ao blog.
cumprimentos
anA

anA disse...

Caro Anibal Bragança,
Só depois de enviar os meus agradecimentos é que fui ler mais sobre si e ver os outros sítios, e, sem querer abusar da sua disponibilidade envio dois blogs onde publico algumas pinturas sobre a poesia de autores de língua portuguesa.

anApintura.blogspot.com e anApintura.blogs.sapo.pt.

grata
anA

anA disse...

Caro Anibal
Publiquei no meu blog o trabalho que fiz sobre o poema Latitude de Luis Veiga Leitão (este ano o juri não aprovou o meu trabalho).
Cumprimentos
anA

anA disse...

olá Anibal
Obrigada pelo comentário no meu blog.
Quanto aos trabalhos escolhidos nada sei.Mas vou procurar saber.Na internet acho que não apareceu nada publicado
Se vier a Portugal ou Lisboa terei todo o gosto e que provoque um encontro, eu ir ao Brasil?...não creio.
Cumprimentos
anA

Angelo Kanitar disse...

olá caros leitores

conheci este escritor, através de um membro da família deste.

Gostaria de conhecê-lo melhor, postumamente.
Escrevo poesias, relacionadas a diversos temas, mas tenho enfatizado minha obra sobre um heterónimo de Fernando Pessoa, chamado Alberto Caeiro.

Grande Abraço

Aproveito para convidar o autor deste blogue a conhecer o que escrevo através do site:
http://palavrasquecorrempelagarganta.blogspot.com