Um paiz se faz com homens e livros. Minha visita aos monumentos de George Washington e Lincoln provou que a América tinha homens. Ter homens, para um paiz, é ter Washingtons e Lincolns, individualidades tão marcantes que sobre seus vincos não pode a morte. Viva quanto viver a América, seus dois heroes viverão com ella, dia a dia mais sublimados. Já não são homens hoje, decennios passados do desapparecimento da scena, mas semi-deuses. Um seculo mais que transcorra e serão deuses. Crescem sempre. Divinisam-se. Em torno dessas pilastras a America se crystallisa. Nas maiores crises moraes nunca lhe faltará o apoio do general que não mentia e do lenhador que impediu a destruição da obra do general.
Com homens e livros. Nos livros está fixada toda a experiencia humana. É por meio delles que os avanços do espírito humano se perpetuam. Um livro é uma ponta de fio, que diz: Aqui parei; toma a ponta e continua, leitor. (...)
Mr. Slang certa vez me disse que o homem só tinha duas creações, a invenção do alphabeto (com suas naturaes consequencias, livro, imprensa, etc.) e a descoberta do fogo. O alphabeto permitiu o accumulo da experiência individual; o fogo abriu caminho para a dominação da natureza. (...)
Estavamos a caminho da Biblioteca do Congresso – o maior templo que ainda se erigiu ao livro, (...).
- Eil-a, disse Mr. Slang apontando para o colossal monumento que ao entrarmos no Capitol Grounds se nos fronteou. Ha lá dentro, catalogados, á disposição de quem os queira consultar, 3.890.096 pontas de cousas impressas, como sejam livros, mappas, musicas e “prints”, sem contar os manuscriptos. Ora, isso quer dizer que ha alli mais de quatro milhões de pontas de fio. Quadro milhões de vidas passadas no estudo e na elaboração escripta da experiência pessoal armazenam nesta bibliotheca a summula do seu esforço. Philosophos, scientistas, artistas – a gente toda que faz uso do cerebro e, havendo tomado as pontas dos fios legados pelos avós, proseguiu na obra e legou aos netos nova ponta por onde continuem o novello sem fim.
Admirei o monumento com todos os ímpetos da minha capacidade de admiração architectonica, embora sua real grandeza não estivesse na fachada, sim no miolo. Quadro milhões de pontas!....
Tudo alli eram symbolos. A casa das pontas é uma casa de symbolos. (...)
Portas de bronze nas tres entradas representam a Imprensa – “Minerva presidindo a diffusão dos productos da arte graphica”. E paineis com allegorisações da Intelligencia Humana, da Escripta, da Verdade, da Pesquiza, da Tradição, da Memória, da Imaginação.
(...) E as marcas usadas pelos mais celebrados impressores. Um mar de symbolos, uma ansia de juntar tudo quanto a imaginação humana pode conceber para adorar o Livro e a arte do Livro e os autores de livros famosos. Tudo isso obra da collaboração de centenares de artistas tomados dos mais notáveis da Europa e America, pintores, esculptores, imagistas, paineladores, architectos, entalhadores.... Positivamente estávamos na Cathedral do Livro, uma outra S. Pedro de Roma em que o Deus honrado era a Ponta do Fio, como o queria o meu inglez.
- Estou meio tonto, Mr. Slang. Acho que quem vem a esta bibliotheca não tem tempo de abrir um livro. Há cousas demais para distrahil-o e occupar-lhe a attenção.
- É que a bibliotheca em si é um livro - o primeiro a ser consultado. A única differença está em que não é um livro composto em papel, na forma clássica. Não está lendo mil cousas nestes marmores e bronzes? Acho que esta bibliotheca foi o primeiro grande livro que a America compoz. Só tem um defeito: para que o possamos ler é mister havermos lido alguns dos livros de papel que estão dentro. Sem isso limitamo-nos a vel-o.
- Pois subamos a escadaria para ver o primeiro capitulo.. Isto aqui me parece apenas prefacio.
(...)
Excertos, na grafia original, do capítulo VI do livro de Monteiro Lobato, America, 1a. ed. S. Paulo: Nacional, 1932, p. 37...41. Capa de J. U. Campos. É também nesse livro que Lobato apresenta o personagem que inventou para dialogar na exposição de seus pensamentos e reflexões, Mr. Slang: “Annos atraz o bom deus Acaso poz no meu caminho um homem de singular philosophia, conhecido como – o inglez da Tijuca. Suas idéas chocavam, aberrantes que eram das idéas e pontos de vista do monstro de mil corpos e uma só cabeça, chamado Toda-a-gente. Mr. Slang via com os seus olhos azues e pensava com o seu cérebro crystallino. Pensava em linha recta e via com nitidez: - porisso era olhado de esguelha pelos que viam torto e pensavem enevoadamente.” (p. 5)
Amanhã, 18 de abril, o Brasil comemorará o nascimento de Monteiro Lobato (no ano de 1882), um dos seus filhos mais ilustres. Esse dia foi estabelecido para ser o Dia Nacional do Livro Infantil. Homenagem de mérito inquestionável, pois Lobato foi sem dúvida o escritor que mais contribuiu para o enriquecimento da literatura para crianças e jovens em nosso país, com a criação de personagens imortais, como Narizinho, Emília, Tia Anastácia, Dona Benta e outros.
Na área do livro, entretanto, pode-se questionar o epíteto pelo qual é referido o escritor na obra de seus amigos memorialistas e também na de bons pesquisadores, talvez levados por um certo entusiasmo a que é difícil escapar diante de sua figura: o de criador da indústria editorial brasileira.
Com homens e livros. Nos livros está fixada toda a experiencia humana. É por meio delles que os avanços do espírito humano se perpetuam. Um livro é uma ponta de fio, que diz: Aqui parei; toma a ponta e continua, leitor. (...)
Mr. Slang certa vez me disse que o homem só tinha duas creações, a invenção do alphabeto (com suas naturaes consequencias, livro, imprensa, etc.) e a descoberta do fogo. O alphabeto permitiu o accumulo da experiência individual; o fogo abriu caminho para a dominação da natureza. (...)
Estavamos a caminho da Biblioteca do Congresso – o maior templo que ainda se erigiu ao livro, (...).
- Eil-a, disse Mr. Slang apontando para o colossal monumento que ao entrarmos no Capitol Grounds se nos fronteou. Ha lá dentro, catalogados, á disposição de quem os queira consultar, 3.890.096 pontas de cousas impressas, como sejam livros, mappas, musicas e “prints”, sem contar os manuscriptos. Ora, isso quer dizer que ha alli mais de quatro milhões de pontas de fio. Quadro milhões de vidas passadas no estudo e na elaboração escripta da experiência pessoal armazenam nesta bibliotheca a summula do seu esforço. Philosophos, scientistas, artistas – a gente toda que faz uso do cerebro e, havendo tomado as pontas dos fios legados pelos avós, proseguiu na obra e legou aos netos nova ponta por onde continuem o novello sem fim.
Admirei o monumento com todos os ímpetos da minha capacidade de admiração architectonica, embora sua real grandeza não estivesse na fachada, sim no miolo. Quadro milhões de pontas!....
Tudo alli eram symbolos. A casa das pontas é uma casa de symbolos. (...)
Portas de bronze nas tres entradas representam a Imprensa – “Minerva presidindo a diffusão dos productos da arte graphica”. E paineis com allegorisações da Intelligencia Humana, da Escripta, da Verdade, da Pesquiza, da Tradição, da Memória, da Imaginação.
(...) E as marcas usadas pelos mais celebrados impressores. Um mar de symbolos, uma ansia de juntar tudo quanto a imaginação humana pode conceber para adorar o Livro e a arte do Livro e os autores de livros famosos. Tudo isso obra da collaboração de centenares de artistas tomados dos mais notáveis da Europa e America, pintores, esculptores, imagistas, paineladores, architectos, entalhadores.... Positivamente estávamos na Cathedral do Livro, uma outra S. Pedro de Roma em que o Deus honrado era a Ponta do Fio, como o queria o meu inglez.
- Estou meio tonto, Mr. Slang. Acho que quem vem a esta bibliotheca não tem tempo de abrir um livro. Há cousas demais para distrahil-o e occupar-lhe a attenção.
- É que a bibliotheca em si é um livro - o primeiro a ser consultado. A única differença está em que não é um livro composto em papel, na forma clássica. Não está lendo mil cousas nestes marmores e bronzes? Acho que esta bibliotheca foi o primeiro grande livro que a America compoz. Só tem um defeito: para que o possamos ler é mister havermos lido alguns dos livros de papel que estão dentro. Sem isso limitamo-nos a vel-o.
- Pois subamos a escadaria para ver o primeiro capitulo.. Isto aqui me parece apenas prefacio.
(...)
Excertos, na grafia original, do capítulo VI do livro de Monteiro Lobato, America, 1a. ed. S. Paulo: Nacional, 1932, p. 37...41. Capa de J. U. Campos. É também nesse livro que Lobato apresenta o personagem que inventou para dialogar na exposição de seus pensamentos e reflexões, Mr. Slang: “Annos atraz o bom deus Acaso poz no meu caminho um homem de singular philosophia, conhecido como – o inglez da Tijuca. Suas idéas chocavam, aberrantes que eram das idéas e pontos de vista do monstro de mil corpos e uma só cabeça, chamado Toda-a-gente. Mr. Slang via com os seus olhos azues e pensava com o seu cérebro crystallino. Pensava em linha recta e via com nitidez: - porisso era olhado de esguelha pelos que viam torto e pensavem enevoadamente.” (p. 5)
Amanhã, 18 de abril, o Brasil comemorará o nascimento de Monteiro Lobato (no ano de 1882), um dos seus filhos mais ilustres. Esse dia foi estabelecido para ser o Dia Nacional do Livro Infantil. Homenagem de mérito inquestionável, pois Lobato foi sem dúvida o escritor que mais contribuiu para o enriquecimento da literatura para crianças e jovens em nosso país, com a criação de personagens imortais, como Narizinho, Emília, Tia Anastácia, Dona Benta e outros.
Na área do livro, entretanto, pode-se questionar o epíteto pelo qual é referido o escritor na obra de seus amigos memorialistas e também na de bons pesquisadores, talvez levados por um certo entusiasmo a que é difícil escapar diante de sua figura: o de criador da indústria editorial brasileira.
Equívocos nunca são ingênuos nem desprovidos de ideologia. Este nos quer fazer esquecer tudo o que aconteceu no campo brasileiro do livro durante mais de um século, desde a criação, em 1808, da Impressão Régia, do Rio de Janeiro, até 1918, quando Lobato inicia sua carreira de editor na Revista do Brasil.
E nesse bordão inseriu-se a Câmara Brasileira do Livro ao apropriar-se de Lobato como patrono da indústria do livro, indo buscar no seu livro de impressões, encantadas, da América, onde Lobato esteve por um breve período, como uma espécie de adido comercial na embaixada brasileira, a sua frase – “Um país se faz com homens e livros” – que ficou famosa como um slogan em favor do livro e da leitura no Brasil, sem que quase ninguém soubesse sua origem. Devemos ressaltar o pioneirismo da pesquisadora Alice Mitika Koshiyama, que, no livro Monteiro Lobato: intelectual, empresário, editor, publicado em 1982 e recentemente reeditado pela Edusp, cita a frase como epígrafe e dá a fonte.
As comemorações dos 200 anos da criação da indústria editorial brasileira, ano que vem, certamente oferecerão oportunidades para uma revisão de nossa historiografia do livro.
O que acha você, rara leitora ou leitor, destas questões? E da apropriação da frase do livro sobre os Estados Unidos da América? E da própria frase? Como você a conheceu?
Faça seu comentário.
As comemorações dos 200 anos da criação da indústria editorial brasileira, ano que vem, certamente oferecerão oportunidades para uma revisão de nossa historiografia do livro.
O que acha você, rara leitora ou leitor, destas questões? E da apropriação da frase do livro sobre os Estados Unidos da América? E da própria frase? Como você a conheceu?
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6 comentários:
Gostaria de saber se a frase" Um livro é uma ponta de fio, que diz: Aqui parei; toma a ponta e continua, leitor. (...) é de sua autoria. Achei muito interessante, uma vez que o leitor...é um co autor do texto...Obrigada
Maria Inez
Oi Maria Inez,
concordo com você que o leitor é co-autor na construção do sentido do texto. Assim, ele pega a ponta do fio e o leva para onde seu coração mandar e/ou seu intelecto possibilitar.
A frase é de Monteiro Lobato, cujo texto transcrevi, conforme está indicado no fim.
Cordialmente,
Aníbal Bragança
Gostei desse comentario :" Um livro é uma ponta de fio, que diz: Aqui parei; toma a ponta e continua, leitor. (...)
pois nos ensina que nos humanos dependemos dos livros para tudo ....
goastei muito tá beijoss
sou Maria Jessica P. Da Silva
jucurutu RN
Gostei dessa frase :" Um livro é uma ponta de fio, que diz: Aqui parei; toma a ponta e continua, leitor. (...)
Pois nos ensina que nos humanos dependemos dos livros para tudo...
jessica Maria
Jucurutu RN
Monteiro Lobato era um homem prático. Incidentalmente se tornou um modernista.
O que ele quer dizer é que os livros são meios de transmitir o conhecimento de uma geração para a outra. Assim um livro é como um fio, o leitor o lê e continua a partir da informação que obteve através dele.
Olá, agradeço a postagem, ela me ajudou a localizar em que livro estava a citação Um país se faz com homens e livros e assim pude ajudar mais rapidamente um usuário da biblioteca.
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