quinta-feira, 1 de maio de 2008

Liberdade, de Fernando Pessoa

16/03/1935 (Falta uma citação de Sêneca)

Ai que prazer
Não cumprir um dever.
Ter um livro para ler
E não o fazer!
Ler é maçada.
Estudar é nada.
O sol doira
Sem literatura.

O rio corre, bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa,
De tão naturalmente matinal,
Como tem tempo não tem pressa...

Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.

Quanto é melhor, quando há bruma,
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não!

Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol, que peca
Só quando, em vez de criar, seca.

O mais do que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças
Nem consta que tivesse biblioteca...


Fernando Pessoa, Obra poética. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1986, p. 122.

Hoje, rara leitora, Dia do Trabalho, com toda sua carga de ideologia – já sem os ritos próprios ou mesmo, quando os há, sem a força que tiveram – serviu e continua a servir a explorados e exploradores – o que infelizmente ainda os há – neste tempo que não é mais moderno, mas tem ainda muitas de suas características, sobreviventes, lembramos de oferecer a você o poema do grande Fernando Pessoa (Lisboa, 13/6/1888-Lisboa, 30/11/1935), cujo trabalho criador, a escritura, quase não foi conhecido em seu tempo – estava para além daquele tempo! – e que hoje continua a ser de uma esplêndida atualidade, com a riqueza de sua complexidade e contradições, como é a vida que vivemos. Assim, em vez da Necessidade, celebremos, como Sêneca que inspirou Fernando Pessoa, que nos inspira, a Liberdade!

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