terça-feira, 13 de maio de 2008

Lima Barreto, 127 anos de nascimento

Lima Barreto a Antônio Noronha Santos

Rio, 3-4-1909

Querido Antônio,
Recebi um cartão teu e a tua carta. Tive grande satisfação em receber ambos, tanto mais que a última me trazia doces consolações. Eu não quero deixar o meu agradecimento aqui, pelo grande favor que me prestaste, porque o silêncio é, no caso, mais eloqüente do que as palavras de uso. Até hoje, não recebi carta alguma do Senhor Teixeira e não lhe escrevi também. A tua carta chegou-me aqui a 27 do mês próximo passado. Fizeste bem em lhe autorizar a imprimir o livro. Não tenho pretensão alguma de lucro com o Caminha. Além de saber que um primeiro livro tem fortuna arriscada, sabes muito bem o que penso sobre essa cousa de make money com livros. Decerto, se eu estivesse ai, em Paris, havia de guardar bem escondida a pretensão de ter um castelo com o produto das minhas obras; mas aqui, dentro do Brasil e da língua portuguesa, as minhas pretensões são mais razoáveis. Não quero acabar como Coelho Neto.
(...)
(p. 69)

*
Lima Barreto a A. M. Teixeira

Em 24 de abril de 1909
Amigo Senhor A. M. Teixeira.

Estimo saúde.

Há cerca de um mês recebi do meu amigo, doutor Noronha Santos, carta com a solução daquela em que João Barreto tivera a bondade de apresentar-lhe o manuscrito de um livro meu – Recordações do Escrivão Isaías Caminha – a fim de ser pela sua conhecida casa publicado. Dizia-me ele, entre outras coisas, que o senhor estava disposto a publicá-lo desde que eu nada quisesse pela edição. Avisava-me que a tal respeito eu devia receber uma carta sua; e, como temo que esse atraso seja devido a algum quiproquó, tomei a liberdade de lhe escrever esta, da qual é portador o meu amigo Francisco Bandeira, jornalista muito conhecido.

Ela tem por fim confirmar tudo o que o meu amigo Santos lhe tenha dito ou autorizado no tocando às condições da impressão do meu volume. Sabendo eu de que modo a fortuna de um primeiro livro é arriscada, nada exijo pela publicação do meu, a não ser alguns exemplares, cinqüenta, se o senhor achar razoável, para os oferecimentos de praxe.

Julgo-me, meu caro Senhor Teixeira, muito feliz por encontrar quem queira publicar-me, e com a publicação fico satisfeito.

Antecipando desde já os meus agradecimentos, fico aqui ao seu dispor e creia-me um seu
Ato Cdo Ador e Obdo
Afonso H. de Lima Barreto
Secretaria da Guerra ou na Rua Boa Vista, 14
Todos os Santos, Rio de Janeiro

*
Lima Barreto a A. M. Teixeira
11-7-09

Caro Senhor A. M. Teixeira.
Recebi os primeiros dezesseis do meu livro que o senhor teve a bondade de editar. Agradeço e também lhe peço que, em meu nome, apresente os meus agradecimentos à pessoa que foi encarregada de revê-lo. Estou francamente contente com a revisão, embora em certos pontos discorde um tanto.
(...)

Na página 53, eu teria deixado como está no original e muito menos teria trocado a frase – “de sensibilidade pronta a fatigar-se com o espetáculo familiar” – pela que lá está.

Na pág. 92, eu teria continuado a dizer: “o rolar dos veículos mais redondo e mais dissonante o ranger” etc. É uma impressão visual que se pode ter de um fenômero acústico – coisa legítima, como o senhor sabe.
(...)

No mais, só tenho que agradecer muito ao revisor, pois que os capítulos que recebi lhe saíram das mãos escoimados de muito desleixo de linguagem, além de ter recebido modificações felizes e inteligentes, que mostram o carinho e a simpatia com que foi tratado o meu despretensioso trabalho.

Queira, pois, Senhor Teixeira, apresentar os meus agradecimentos à pessoa que tão bem reviu a obra [o escritor português Albino Forjaz de Sampaio] e aqui fico ao seu dispor, para o que precisar deste seu humilde criado
Lima Barreto
Todos os Santos, Rio de Janeiro (Rua da Boa Vista, 76)

*
(...)
*
Lima Barreto a A. M. Teixeira
Em 28 de maio de 1910

Amigo Senhor Teixeira,
Levo ao seu conhecimento que aqui, no Rio, não há mais nenhum exemplar do Isaías. Isso acontece há perto de três meses. Eu mesmo já não tenho nem um exemplar para o meu uso. À vista da procura que o livro tem tido nesta cidade, eu lhe vinha pedir o favor de me informar se o mesmo tem acontecido nos outros lugares para onde o senhor o enviou.

Caso tal tenha acontecido, julgo que seria bom darmos uma segunda edição, correta, com um prefácio meu, em que eu me explicasse de certas increpações. Peço, portanto, a tal respeito o seu parecer, e espero que ele seja tal que contente a nós ambos.

No caso afirmativo e por não ter eu mais sequer um exemplar, como já lhe disse, seria grande favor o senhor mandar-me um, por onde as emendas fossem feitas. Irão em boa letra, pois terei o cuidade de servir-me de amigo que tenha caligrafia bem inteligível.
(...)

*

A. M. Teixeira a Lima Barreto

Lisboa, 18 de junho de 1910
Ilustríssimo e Excelentíssimo Senhor Lima Barreto
Rio de Janeiro.

Sumamente agradecidos pela carta de Vossa Excelência de 30 do mês findo e pelas notícias que nos dá do Isaías Caminha.

Não está esgotado e com bastante pena nossa o livro de Vossa Excelência. Depois da remessa de exemplares como novidade para diferentes pontos do Brasil, só a casa F[rancisco] Alves nos pediu cinqüenta exemplares há cerca de dois meses e outras livrarias daí, São Paulo e Bahia, número deles inferior a cinqüenta.

Cremos que muitíssimos exemplares se poderiam ter vendido se os livreiros daí o tivessem sempre à venda, mas como só fazem pedidos quando necessitam outras obras e estes em número tão limitado de exemplares, que não estranhamos que o livro se não encontre à venda. Vamos pois remediar esta falta enviando quantidade à livraria J. Ribeiro dos Santos, Rua de São José, com ordem para o anunciar, podendo Vossa Excelência conceder-nos o favor de – sem sacrifício de qualquer espécie – fazer constar pelos jornais que lhe sejam afeiçoados a chegada da nossa nova remessa de exemplares.
(...)

Com alta estima e muitos agradecimentos.
De Vossa Excelência
Mto Atos Adres Obdos
A. M. Teixeira & Cia.
(p. 173-179)

Lima Barreto, Correspondência, tomo I. Prefácio de Antônio Noronha Santos. S. Paulo: Brasiliense, 1956. Obras reunidas, org. sob a direção de Francisco de Assis Barbosa, vol. XVI.

A história editorial dos livros de Lima Barreto começou a ser esboçada por Bruno Dorigatti em seu trabalho de conclusão do curso de História, na UFF, em 2007. É um campo rico para o melhor conhecimento da vida literária e do desenvolvimento do campo editorial e livreiro do Brasil (e mesmo de Portugal), inclusive no sentido específico da profissionalização do escritor e da questão dos direitos autorais.

Fazemos este registro em homenagem ao aniversário de nascimento de um dos escritores brasileiros atualmente mais estudados e apreciados de nossa literatura. Lima Barreto nasceu no Rio de Janeiro em 13 de maio de 1881.

Em tempo: Seu pai, João Henriques de Lima Barreto, tipógrafo, foi o tradutor do Manual do aprendiz compositor, do francês Jules Claye, publicado pela Imprensa Nacional, do Rio de Janeiro, em 1888.

Para saber mais:
BARBOSA, Francisco de Assis. A vida de Lima Barreto (1881-1922). 3a. ed., def. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1964. Há várias outras edições.
BRAGANÇA, Aníbal. “A política editorial de Francisco Alves e a profissionalização do escritor no Brasil”, in Abreu, Márcia, org. Leitura, história e história da leitura. Campinas (SP): Mercado de Letras/Associação de Leitura do Brasil, 2000.
LAJOLO, Marisa e out.. O preço da leitura. Leis e números por detrás das letras. S. Paulo: Ática, 2001.

3 comentários:

Unknown disse...

Nobre Professor,
Gostei muito do site. Encontrei-o navegando na internet e vou ser um fiel assinante a partir de agora.
Tao somente uma correcao, se me permite, na primeira pagina onde aparece a sua foto e o CV resumido a palavra Brasil esta com " Z" . Este estrangerismo está deslocado na sua pagina tao defensora do idioma portugues.
Obrigado por compartilhar conosco a sua sabidoria
Alberto

Aníbal Bragança disse...

Sr. Alberto,
fico muito contente ao ler seu comentário, inclusive por essa correção. Infelizmente, o "sistema" do blog, que tem como base o inglês, grafa Brasil com z. E não tenho como corrigir isso, ao menos por enquanto.
Como vivemos numa época de aldeia global (o que é muito bom em muitos aspectos), o nome de nosso país internacionalmente acaba sendo conhecido dessa forma.
Mas tentarei que seja feita a correção.
Espero que possa compartilhar do blog outras vezes, fazendo comentários e sugestões.
Cordialmente,
Aníbal Bragança

Anônimo disse...

Eu estou escrevendo uma peça sobre a vida de Lima barreto e um dos personagens é o A.Noronha Santos. O máximo que consegui saber é que se tratava de um Bibliografo de Niterói, filho de um famoso médico.
Se vc puder me ajudar, escreva por favor para estetica@claudiavidal.com.br.
Meu nome é Edmilson Paes.
um abraço e sucesso com seu blog.