domingo, 23 de março de 2008

Santa Rosa, por Rachel Jardim


Tomás Santa Rosa em seu atelier. Foto constante do livro de Barsante, abaixo referido.
Capa de Santa Rosa para a José Olympio, editora a quem prestou relevantes serviços como artista gráfico.


Santa Rosa morreu na Índia, um país onde a morte é considerada um acidente natural, ou apenas uma pequena pausa. Ele, tão plantado na vida, buscando-a sempre, persistentemente, em tudo o que fazia.

Nesta ocasião, apareceu o seu retrato nos jornais – rosto redondo, óculos, nenhum cabelo, cigarro constantemente pendurado na boca. Era um tipo arredondado, sem arestas, sem ossos à vista. Carregado de humanidade, alguém para se levar para a casa, sentar no sofá e deixar falar.

Por essa época, literatura estava muito fora das minhas cogitações. Mas aquela estranha morte na Índia me deixou muitos dias abalada. Não combianava com ele, tampouco parecia destinado a qualquer tipo de tragédia. Sua integração à nossa paisagem era total. Como pois aceitar aquela morte num mundo tão diferente?

Uma vez, ilustrou um conto meu. A ilustração era muito melhor do que o conto. Dera a ele uma dimensão que não tinha. Quando vi a ilustração pensei: era assim que eu queria ter escrito. Eu falava numa chuva translúcida. Ele fez uma chuva translúcida.

Pelos idos de 40 fui parar, não sei como, no seu atelier. Sentei-me num caixote. Livros e quadros por toda a parte. Maquetes para cenários. Ele nem deconfiava que eu era a moça de quem alguns anos antes tinha ilustrado um conto. Nada lhe disse.

Tirei da estante o Romancero Gitano, de García Lorca.

– Que tipo lorquiano, você é – disse-me – Por dentro e por fora.

Eu ri e concordei. Leu-me uns versos do Romancero e depois me disse:

– Olhe, não quer posar para mim? Faria de você um retrato lorquiano.

Olhei para os seus quadros na parede. Não havia quase figuras. Uma nítida atmosfera da época, a visão de beleza da década.

Pensei – posarei. E combinei aparecer no dia seguinte. Não o vi mais.

Tão importante. Tão humano, sua arte impregnada de vida. Perdi o retrato, mas guardei sua imagem. Lembro-me dele totalmente – voz, gestos, riso, modulações, terno, sapato. Pouca gente permaneceu tanto dentro de mim. Foi curto o instante, mas tão permanente. Não pintou meu retrato, mas o dele pintou-se em mim.

In Os anos 40. Rio de Janeiro: José Olympio, 1973, p. 97-8


Para saber sobre o artista Tomás Santa Rosa:
Na rede:

http://www.itaucultural.org.br/aplicExternas/enciclopedia_teatro/index.cfm?fuseaction=personalidades_biografia&cd_verbete=854

Livros:

BARSANTE, Cássio Emmanuel. A vida ilustrada de Tomás Santa Rosa. Rio de Janeiro: Fundação Banco do Brasil ; Bookmakers, 1993.
CARDOSO, Rafael (org.). O design brasileiro antes do design: aspectos da história gráfica, 1870-1960. São Paulo: Cosac Naify, 2005.

5 comentários:

Henrique Chaudon disse...

Amigo Aníbal:
Onde eu poderia encontrar o livro 'Os Anos 40'?
Abraço, Henrique.

Aníbal Bragança disse...

Caríssimo Henrique,
consultei já a Estante Virtual. Tem vários exemplares à venda. Vale a pena visitar: www.estantevirtual.com.br . Verifique o conceito do vendedor, calcule o frete e faça o pedido. Uso muito os serviços deles e quase sempre (99%) dá certo.
Um abraço,
Aníbal

Rosangela disse...

Prezado Anibal,
Sou responsável pelo Arquivo Histórico do Museu Histórico Nacional e um amigo, responsável pela setor de Museografia do museu, pediu que eu descobrisse onde ele pode encontrar os documentos e obras do artista Santa Rosa.
Li que foi feito um museu com tudo dele, mas em 1977 fechou, então gostaria de saber se você tem ideia onde tudo foi parar.
Desde já agradeço.
Atenciosamente,
Rosangela Bandeira
Arquivo Histórico/MHN

Anônimo disse...

Prezado Anibal,
Sou responsável pelo Arquivo Histórico do Museu Histórico Nacional e um amigo, responsável pela setor de Museografia do museu, pediu que eu descobrisse onde ele pode encontrar os documentos e obras do artista Santa Rosa.
Li que foi feito um museu com tudo dele, mas em 1977 fechou, então gostaria de saber se você tem ideia onde tudo foi parar.
Desde já agradeço.
Atenciosamente,
Rosangela Bandeira
Arquivo Histórico/MHN

Aníbal Bragança disse...

Oi Rosângela,
pena não ter seu endereço para contato direto. Infelizmente, não tenho notícia que lhe possa ser útil. Torço para que você localize o material de Santa Rosa, um artista importante em várias áreas. Talvez a José Olympio, agora pertencente à Record, tenha algum material e até a informação que você deseja.
Abraço,
Aníbal