sábado, 22 de março de 2008

Fidelino de Figueiredo (1888-1967): “Philosophias dum editor” [sobre um livro de Bernard Grasset]

Nos últimos meses, caro leitor, um grupo privilegiado de amigos do livreiro Carlos Mônaco, no qual nos incluímos, tem tido a oportunidade de garimpar o acervo extraordinário da biblioteca do saudoso médico e poeta Miguel Freitas Pereira, em Niterói, e assim descobrir preciosidades bibliográficas.

Algumas vezes são apenas modestos volumes que guardam textos pouco conhecidos, à espera de quem os resgate de seu sono. Tal é o caso do artigo em referência, de Fidelino de Figueiredo, notável crítico e historiador da literatura, que deu importante contribuição ao desenvolvimento dessas disciplinas em Portugal e no Brasil, onde foi professor da Universidade de São Paulo.

Na dedicatória do livro que faz a sua mulher, o Autor afirma: "(...) O pae de Jupiter concedeu-me a graça de se interessar por alguns dos meus problemas e das minhas duvidas sobre o nosso tempo e até sobre a ethica da servidão litteraria. Os seus juizos, um pouco ambiguos como linguagem de oraculo e com uma travação logica pouco de accordo com as nossas paixões vãs e os nossos enganosos interesses, traduzidos nos lugares communs de hoje, formaram este pobre caderno de notas. (...)"

O artigo, talvez uma resenha crítica do livro La chose littérarie, do editor francês, Bernard Grasset (1881-1955), o que publicou a primeira edição, por conta do autor, Du côté de chez Swan, de Marcel Proust, em 1913, aponta as mudanças que então se operavam no mundo do livro, com o surgimento do editor-empresário e o lugar central que passa a ocupar na vida literária, o que, para Figueiredo, apontaria para o que chama "servidão literária" dos autores, aos quais conclama a fazer uma "rebelião da pena".

O texto de Fidelino, por sua aguda observação da cultura letrada de seu tempo, aqui mantido em sua ortografia original, merece ser lido e discutido como um documento da história editorial. É o convite-desafio que lhe fazemos, raro e querido leitor.


Sobre as intimidades da vida litteraria, as suas grandezas e as suas servidões, a sua ethica e a sua funcção e até a sua bohemia de romanticas sobrevivencias, muitos auctores teem feito o seu depoimento, mesmo aqui em Hespanha, onde escrevo. Em forma de ficção ou em ensaios criticos, possuimos as reflexões agudas sobre esse duro mistér, de Palacio Valdés, Valle-Inclan, Salaverria, Araujo Costa, Carretero, Carrere e Gomez de la Serna. Mas o aspecto editorial desse mistér, o seu conteúdo industrial, que se relaciona menos com a inspiração interior dos artistas do que com as sollicitações e curiosidades actuaes do publico, não será tambem parte integrante do phenomeno litterario, que, sendo individualissimo no ponto de partida, visa á communicação, a uma grande emoção commum? Sem duvida, principalmente nos tempos modernos, em que vamos caminhando para um derramamento cada vez maior da cultura, mais ainda depois da guerra, porque desta guerra ficou uma curiosidade sempre desperta e insaciavel, que nasceu da avidez diaria do communicado militar, mas que, sobrevivendo á guerra, ampliou consideravelmente a massa de leitores.

Foi então que intervieram os editores, com seu sentido de opportunidade e com a transformação da sua technica – affirma Bernard Grasset, conhecido livreiro francês.

Para explicar o novo conceito do seu officio e a sua ampla influencia cultural, Grasset publicou em Le Journal uma serie de artigos, que reunidos no volume recente La chose littéraire continuam a impressionar, a escandalisar quase pela audacia dos seus pontos de vista. É esse depoimento uma contribuição para o processo de interpretação do phenomeno litterario.

Essa obra só poderia sahir em França. Supponho que só um editor francês disporia da flexibilidade de espirito, do gosto, da afoiteza um pouco cynica, para nos cozinhar, guizar e servir um tal punhado de opiniões pittorescas, que formam toda uma concepção nova da profissão editorial.


Para ler o texto na íntegra acesse os Arquivos do E-Grupo Cultura Letrada, em
http://groups.google.com/group/cultura-letrada/files

Leia mais:
Sobre a trajetória e a contribuição de Fidelino de Figueiredo na origem dos estudos de Literatura Portuguesa no Brasil:
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-40141994000300055&script=sci_arttext

Outros dados biográficos de Fidelino de Figueiredo:
http://www.iel.unicamp.br/cedae/Exposicoes/Expo_JSena/figueiredo.html

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