domingo, 28 de setembro de 2008

100 anos sem Machado de Assis (21/6/1839 – 29/9/1908)

Ao leitor

Que Stendhal confessasse haver escripto um de seus livros para cem leitores, cousa é que admira e consterna. O que não admira, nem provavelmente consternará é se este outro livro não tiver os cem leitores de Stendhal, nem cincoenta, nem vinte, e quando muito, dez. Dez? Talvez cinco. Trata-se, na verdade, de uma obra diffusa, na qual eu, Braz Cubas, se adoptei a fórma livre de um Sterne, ou de um Xavier de Maistre, não sei se lhe metti algumas rabugens de pessimismo. Póde ser. Obra de finado. Escrevi-a com a penna da galhofa e a tinta da melancholia, e não é difficil antever o que poderá sair d’esse connubio. Accresce que a gente grave achará no livro umas apparencias de puro romance, ao passo que a gente frívola não achará n’elle o seu romance usual; eil-o ahi fica privado da estima dos graves e do amor dos frívolos, que são as duas columnas máximas da opinião.

Mas eu ainda espero angariar as sympathias da opinião, e o primeiro remedio é fugir a um prologo explicito e longo. O melhor prologo é o que contém menos cousas, ou o que as diz de um geito obscuro e truncado. Conseguintemente, evito contar o processo extraordinario que empreguei na composição d’estas Memorias, trabalhadas cá no outro mundo. Seria curioso, mas nimiamente extenso, e aliás desnecessario ao entendimento da obra. A obra em si mesma é tudo: se te agradar, fino leitor, pago-me da tarefa; se te não agradar, pago-te com um piparote, e adeus.

Braz Cubas.

Página introdutória do livro de Machado de Assim, Memórias póstumas de Brás Cubas, transcrita da edição da Garnier, de 1924, mantida a grafia original. Pretende ser um singelo registro, rara leitora, neste espaço, no meio das muitas e merecidas comemorações do centenário de morte de Machado de Assis, nosso maior romancista.

Quem sabe vale agora reler essas memórias, acrescentando mais algumas unidades aos 5 leitores previstos pelo memorialista?

Fui vivamente estimulado a fazer isso ao receber os volumes comemorativos de três das mais importantes obras de Joaquim Maria, Dom Casmurro, Quincas Borba e o Memórias póstumas de Brás Cubas, publicados pela Editora Globo e a Globo Universidade. Belíssimas e sóbrias edições, envoltas em primorosa caixa, com fotos de época do Rio de Janeiro, por Marc Ferrez e Georges Leuzinger (do acervo do Instituto Moreira Salles), que também ilustram as capas magníficas de João Baptista da Costa Aguiar.

Além dos trabalhos de fixação de texto e notas, respectivamente, de Manoel Mourivaldo Santiago Almeida, Eugênio Vinci de Moraes e Marcelo Módolo, os volumes têm prefácios de profundos conhecedores da obra do Bruxo do Cosme Velho. Dom Casmurro, contém prefácio de John Gledson, Quincas Borba, de Willi Bolie, e Memórias póstumas de Brás Cubas, de Abel Barros Baptista, autor do magistral Autobibliografias, Solicitação do Livro na Ficção de Machado de Assis, edição da Relógio d’Água, em Portugal, e da Editora da Unicamp, no Brasil.

Enfim, uma contribuição maravilhosa da Globo Universidade e da Editora Globo às homenagens a Machado de Assis. Seus leitores agradecem.

Saiba mais:
http://www.machadodeassis.org.br/

http://www.globolivros.com.br

II Seminário Brasileiro sobre Livro e História Editorial

Este evento, juntamente com o Colóquio Internacional: Arquivos, história editorial e memória da vida literária (com patrocínio do Programa Petrobras Cultural), foi adiado.

Com realização prevista para novembro de 2008 (3 a 7), no Rio de Janeiro, foram transferidos para maio de 2009, certamente nos dias 11 a 15.

Lamentamos e pedimos desculpas por eventuais transtornos causados pela mudança.
Em breve daremos outras informações.

Faça seu comentário abaixo.

Para saber como foi o I Seminário Brasileiro sobre Livro e História Editorial e conhecer os textos apresentados acesse:
www.livroehistoriaeditorial.pro.br

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Richard Romancini e as mudanças na Livraria do Globo


Fotos de Richard Romancini, 2008

Caro Aníbal,

Como lhe disse, estive em Porto Alegre, agora em julho, participando de um concurso na UFRGS. (...) Mas, menos do que contar isto (que acho que já havia mencionado na Intercom), queria lhe mandar fotos da Livraria do Globo, pois sei de seu interesse na memória editorial brasileira.

Um sábado, passeando no centro de Porto Alegre, vi que a Globo "da Rua da Praia" (na verdade, oficialmente, a Rua dos Andradas) agora é ocupada por uma loja de sapatos (quando será que isso aconteceu?), como você poderá ver na foto em anexo. Fiquei até triste, mas pelo menos (notei depois) na rua paralela ela ainda está aberta como livraria mesmo (o nome dessa rua é José Montaury), como você vê na outra foto. Enfim, o dano não foi total, embora certamente por razões sentimentais seria melhor que fosse o contrário.

Por outro lado, pelo que andei na cidade, me parece que Porto Alegre deve ser o município com o maior número de livrarias por habitante do país.

Bom, só escrevo para lhe contar isso e aproveito para mandar um abraço,

Richard
*
Caro Richard

A Globo (antes de a editora de que era parte ser comprada pelo grupo Roberto Marinho) foi uma das livrarias e editoras mais importantes do país, como todos sabemos, inclusive porque foi tema de vários livros que andam disponíveis nas livrarias e acessíveis nas bibliotecas: Editora Globo, uma aventura editorial nos 30 e 40, de Elizaberth Rochadei Torresini, Em busca de um tempo perdido, edição de literatura traduzida pela Editora Globo (1930-1950), de Sônia Maria de Amorim, ambos editados pela Com-Arte, da ECA/USP, em co-edição com a Edusp e a Editora Universitária (UFRGS), A Globo da Rua da Praia, de José Otávio Bertaso, com apresentação de Luís Fernando Veríssimo, e Um certo Henrique Bertaso, de Érico Veríssimo, editados pela Globo (este último antes da referida venda). Acrescento um volume menos conhecido e o primeiro a ser publicado sobre o cotidiano na Globo: Balcão de livraria, de Herbert Caro, tradutor de A morte de Virgílio, de Hermann Broch, e de outros grandes romances alemães, que era o responsável na livraria pela seção de obras estrangeiras, publicado pelo Serviço de Documentação do MEC, em 1960, em coleção dirigida por José Simeão Leal, de grata memória em nossa história editorial.

Hoje a Globo, ao que parece, apesar de toda sua tradição, sofre as vicissitudes das livrarias “de rua”, em combate desigual com as livrarias “de shopping” (muito bem apresentadas por Jason Epstein, para o caso americano, em O negócio dos livros, editado aqui pela Record).

Aproveitemos este espaço para lançar ao nosso raro leitor algumas perguntas: quando foi que a Globo abriu mão de sua frente para a antiga Rua da Praia? Ela pertence ainda a algum descendente dos Bertaso, que elevaram ao topo a empresa? ou, mais improvável, de Laudelino Pinheiro de Barcellos e Saturnino Alves Pinto, seus fundadores em 1883?

Ficamos, Richard, à espera do que nos possa informar algum destinatário desta mensagem lançada - não ao mar - mas ao éter. Quem sabe a nossa amiga Elizabeth Torresini, certamente quem mais conhece hoje da história da Globo?

Saiba mais, acesse:
www.livrariadoglobo.com.br/index.php?option=com_content&task=view&id=13&Itemid=29

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Mitos e falácias sobre a leitura no Brasil


Entrevista com Aníbal Bragança
Ana Elisa Ribeiro


Viva Voz: É verdade que o brasileiro não lê?

Aníbal Bragança: Afirmações genéricas sempre levam ao
erro. Não são todos os brasileiros que não lêem, mas também
não são todos os franceses que lêem. A diferença é que
percentualmente muito mais franceses gostam de ler do que
brasileiros. E por quê? A primeira razão é que a maioria dos
brasileiros não sabe ler. Cerca de 75% não estão plenamente
alfabetizados e têm dificuldade de compreender textos,
especialmente os que têm alguma complexidade. E assim a
leitura não é prazerosa, o que leva ao desinteresse. Mas o
tema é muito complexo e tem a ver com outras variáveis:
tardia implantação das práticas de cultura letrada no país,
grande riqueza cultural nas práticas da oralidade, ignominiosa
desigualdade social, baixíssima valorização do trabalho, o que
leva as pessoas a trabalharem demais para sobreviver,
impedindo que haja tempo para um lazer variado e rico, etc.


VV: O que são as leituras "ideais"?

AB: Creio que uma resposta possível seja: as que são
prazerosas para o leitor e as que o enriquecem. Para o autor
são aquelas que mostram que as sementes lançadas
germinaram no espírito do leitor.


VV: Que relação existe ou deveria existir entre a escola
e a formação de leitores?

AB: A escola deve ampliar o repertório cultural do aluno e,
não, formatá-lo. Assim, uma das experiências que a escola
deverá propiciar aos alunos é a do prazer da leitura, que só se
consegue aprendendo a ler, e isto, só praticando a leitura.
Para isso é necessário que o professor seja leitor. E a maioria
dos professores se inclui entre os que não podem ler ou não
são atraídos pelas práticas de leitura. O que torna um
fracasso também nesta área a atuação da escola brasileira.
Mas, felizmente, existem exceções que confirmam a regra.


Estas são, rara leitora, algumas das perguntas e respostas da entrevista concedida a Ana Elisa Ribeiro publicada no caderno Viva Voz – Conversas com editores, da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (FALE-UFMG), organizado por Ana Elisa Ribeiro e Carla Viana Coscarelli, em 2007.

Para ler a íntegra da entrevista clique:
http://cultura-letrada.googlegroups.com/web/Anibal+Bragan%C3%A7a+Entrevista+concedida+a+Ana+Elisa+Ribeiro.pdf?gda=KvHVwXMAAADb6glB4DZg5YMQmMJOrJeFlbjfn1_9q3NpFWX79l20bvMdd4VEW7SuVPUzbQctQmGeH9u07QeK5PTZk_tCwDiVlkq1S9kKvTDEHXCRzdlz9sQ_qiURPYqkUWmLZDqR7GcytiJ-HdGYYcPi_09pl8N7FWLveOaWjzbYnpnkpmxcWg

ou acesse Arquivos do E-Grupo Cultura Letrada:
http://groups.google.com/group/cultura-letrada

Para ler a íntegra do caderno Viva Voz – Conversas com editores, acesse:
http://www.letras.ufmg.br/site/publicacoes/download/conversaseditores.pdf

Sumário:

Apresentação . 5
Ana Elisa Ribeiro
Carla Viana Coscarelli

Mitos e falácias sobre a leitura no Brasil . 7
Entrevista com Aníbal Bragança

Produção de livros e tino comercial . 14
Entrevista com Raquel T. Yehezkel

A Autêntica Editora e a produção de livros . 21
Entrevista com Rejane Dias dos Santos

O bom revisor de textos . 27
Entrevista com Plínio Martins Filho

Editores e escritores . 30
Bate-papo com vários editores

terça-feira, 23 de setembro de 2008

A Primavera e Pablo Neruda, 35 anos depois

Abaladora foi a noite de setembro.
Eu trazia na roupa
a tristeza do trem que me trazia
cruzando uma por uma as províncias:
eu era esse ser remoto
turbado pela fumaça do carvão
da locomotiva.
Eu não era.
Tive de encarar então a vida.
Minha poesia me incomunicava
e me agregava a todos.
Naquela noite
me coube declarar a Primavera.
A mim, pobre sombrio,
me fizeram desatar a vestimenta
da noite desnuda.
Tremi lendo ante duas mil orelhas desiguais
meu canto.
A noite ardeu
com todo o fogo escuro
multiplicando-se na cidade,
na urgência imperiosa do contato.
Morreu a solidão aquela vez
ou nasci eu de minha solidão?

*

Vivi na desordem de pátrias não nascidas,
em colônias que ainda não sabiam nascer,
com bandeiras inéditas que se ensangüentariam.
Vivi na fogueira de povos malferidos
comendo o pão estranho em meu padecimento.

*
Cada um no casaco mais oculto guardou
as alfaias perdidas da memória,
intenso amor, noites secretas ou beijos permanentes,
parcela de felicidade pública ou íntima.
Alguns, inquietos, colecionaram quadris,
outros homens amaram a madrugada esquadrinhando
cordilheiras ou tímbales, locomotivas, números.
Para mim a felicidade foi compartir cantando,
louvando, imprecando, chorando com mil olhos.
Peço perdão pelo mau comportamento:
não teve utilidade minha gestão na terra.

In Ainda, tradução de Olga Savary. Rio de Janeiro: José Olympio, 1975.

Vivemos hoje, raro leitor, o primeiro dia pleno da Primavera que ontem chegou, um dia lindo nestas terras de Araribóia, em torno da baía de Guanabara. Hoje também se completam 35 anos da morte de um dos maiores poetas latino-americanos de língua espanhola.

Nascido no Chile em 12 de julho de 1904, Pablo Neruda, prêmio Nobel em 1971, faleceu, deixando obra imortal, em 23 de setembro de 1973, poucos dias depois do sanguinário golpe militar que derrubou o governo democrático chileno e matou seu amigo, o presidente Salvador Allende.

Viva a Primavera, viva Pablo Neruda, viva Allende!

Para saber mais:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Pablo_Neruda

Livros aos montes!, 1

Sonetos, Marquesa de Alorna [1750-1839]. Rio de Janeiro: 7letras, 2008. 232 p. Organização, introdução, fixação do texto, notas e bibliografia: Vanda Anastácio, professora da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, pesquisadora da Literatura Portuguesa dos séculos XVI a XVIII. Edição apoiada pela Direção Geral do Livro e das Bibliotecas do Ministério da Cultura (Portugal).
Mais informações:
www.7letras.com.br

Sertanílias, romance de cavalaria, de Elomar Figueira Mello. Vitória da Conquista, [edição do autor], 2008. Capa, projeto gráfico e diagramação de Luiz Evandro Ribeiro. Cartonado, ilustrado. 297 p.
Mais informações:
http://www.rossanecomunicacao.com.br/

Antologia & novos poemas, Wanderley Francisconi Mendes. Rio de Janeiro: Galo Branco, 2005, 187 p. Editor: Waldir Ribeiro do Val. Com apêndices: O menino de Volta Redonda, de José Inaldo Alonso; Wanderly Francisconi Mendes – poeta de sua vida, por Rui Octavio Domingues; Carta de A. Barcellos Sobral ao autor.
Mais informações:
www.edicoesgalobranco.com.br

Livraria Amadeu, de João Antonio de Paula. Belo Horizonte: Concerto, 2006, 71 p. Coleção BH, a cidade de cada um, v. 8. Coordenação editorial: José Eduardo Gonçalves e Silvia Rubião. Projeto gráfico: New; Diagramação: Antonio Seara; Ilustração: Monote.
Mais informações:
www.bhdecadaum.com.br

O livro, Jorge Luis Borges. Tradução de Maria Rosinda Ramos da Silva. São Paulo: Edusp, 2008, 48 p. Projeto gráfico: Tomás Martins. Formato: 10 x 15cm.
Edição comemorativa dos 20 anos de existência e dos 1000 títulos publicados pela Edusp – Editora da Universidade de São Paulo. Distribuição gratuita.
Mais informações e pedidos:
www.edusp.com.br e edusp@usp.br

O livro e a editora universitária pública, de Plínio Martins Filho. São Paulo; Edusp, 2008, 36 p. Projeto gráfico: Tomás Martins. Fotos: Cinzia de Araújo. Formato: 12x18 cm.
Edição comemorativa dos 1000 títulos da Edusp.
Mais informações:
www.edusp.com.br e edusp@usp.br

Verbo. Revista da ABEU, n.4, agosto de 2008. Editor: Plínio Martins Filho. Jornalista responsável: Marcello Rollemberg. Projeto gráfico: Marcela Souza. 36 p.
Alguns artigos em destaque: Os 20 anos da ABEU e a produção das editoras universitárias, de Leilah Bufrem; Cláudio Giordano e a Oficina do Livro, de Raquel Paulino e Tiago Archela; José Olympio, a casa dos livros, de Marcello Rollemberg; Biblioteca Básica de Literatura, de Ivan Teixeira.

Mais informações: ABEU - Associação Brasileira de Editoras Universitárias
www.abeu.org.br

Diante de tantos livros amontoados ao meu redor – comprados ou recebidos recentemente (quase todos à espera, necessariamente paciente, de leitura) –, nasceu-me o desejo de criar este espaço – Livros aos montes! – para registrar e compartilhar a notícia de suas existências, com a esperança talvez vã de que isto seja ainda útil a algum raro leitor.

Além de dar notícia, este espaço poderá servir para algum comentário do leitor sobre estas leituras - ou outras – e até mesmo deste blogueiro, em incessante busca de mais horas em seu dia.

Sobre o ler e o escrever no século XVI em Portugal

Luís de Camões (c.1524-1580):
Trovas a uma dama que lhe mandou pedir algumas obras suas

Senhora, se eu alcançasse,
no tempo que ler quereis,
que a dita dos meus papéis
pola minha se trocasse;
e por ver
tudo o que posso escrever
em mais breve relação,
indo eu onde eles vão,
por mim só quisésseis ler;

despois de ver um cuidado
tão contente de seu mal,
veríeis o natural
do que aqui vedes pintado.

Que o perfeito
amor, de que sou sujeito,
vereis áspero e cruel,
aqui com tinta e papel,
em mim co sangue no peito.

que um continuo imaginar
naquilo que amor ordena,
é pena que, enfim, por pena
se não pode declarar;

que se eu levo
dentro n'alma quanto devo
de trasladar em papéis,
vede qual milhor lereis:
se a mim, se aquilo que escrevo.

(In Luís de Camões, Lírica Completa I, organizada por Maria de Lurdes Saraiva. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1980)


André Falcão de Resende (Évora, 1527 – Lisboa, 1599)
[sobre a escritura de Sá de Miranda]:

Quem não louvará muito em toda hora
o Sá de Miranda, nunca assás louvado,
d'engenho, estudo, estilo alto e apurado,
e sobretudo tão ditoso agora,

Que é do puro alabastro assim, senhora,
de vossas delicadas mãos tocado,
dessa voz doce ora pronunciado,
no seio d'alva neve posto outr'ora?

Pirâmides, sepúlcros sumptuosos
edifícios, que em fim o tempo gasta,
tanto sem fim não fazem sua memória,

quanto a luz desses tão fermosos,
que graça e vida dar a tudo basta,
e a mim dão vida e morte, pena e glória.

In: Américo da Costa Ramalho, O essencial sobre André Falcão de Resende. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2004.

Esta postagem, rara leitora, só foi possível graças às indicações de Marcia Arruda Franco, professora de Literatura Portuguesa da Universidade de São Paulo (USP), organizadora do número II/4 de Floema, Caderno de Teoria e História Literária, da UESB, dedicado a Sá de Miranda. A ela, nosso agradecimento.

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Real Gabinete Português de Leitura, por Maria Teresa Horta


Tem uma extremada beleza
de madeira e livros
de memórias secretas e lisuras serenas

E um sumptuoso silêncio lírico
feito de versos, leituras e poemas
numa longa linhagem de achamento antigo

Na tessitura de enredo e chama acesa
onde de manso se esconde e desalinha
a urdidura da alma portuguesa

Tem uma rara beleza vinda do passado
que de tanto atravessar a linguagem
ali vai misturar ambos os lados

De Portugal, atado em nós de escrita
ao Brasil, recriando a musa ambígua
a partilhar para sempre a mesma língua.
Lisboa, 23 de agosto de 2008
Foto: INEPAC/RJ
É com este belo poema que a Comissão Organizadora do IV Colóquio do PPRLB – Relações Luso-brasileiras: "D. João VI e o Oitocentismo”, aberto ontem na sede do Real Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro, dá as boas-vindas aos seus participantes.
Esta é mais uma realização do Pólo de Pesquisas sobre Relações Luso-brasileiras, que tem à frente a professora Gilda Santos (UFRJ), com a participação de outros professores e pesquisadores de várias universidades brasileiras.

Para saber mais:
http://www.realgabinete.com.br/

terça-feira, 16 de setembro de 2008

A leitura e seu público no mundo contemporâneo, por Jean-Yves Mollier

Jean-Yves Mollier em foto recente no
I Seminário Brasileiro sobre Livro e História Editorial


Este livro aborda a leitura e seu público de meados do século XVIII ao início do XX e testemunha o desenvolvimento da história cultural nos últimos dez anos. Focando na expansão da cultura do material impresso na Europa após 1760, acompanha os meandros, as reviravoltas e as evoluções que assinalaram a passagem de uma atividade reservada a poucos, às elites por nascimento ou por riqueza, para um lazer compartilhado por um número bem mais vasto de leitores.
Nesse lento surgimento de uma cultura de massa, por volta de 1880 na Grã-Bretanha e na França, um pouco ou muito mais tarde nos países vizinhos, se abrigam muitas das transformações do mundo em que vivemos. A revolução escolar e a industrial tiveram seu papel nessa modificação da sociedade, assim como o aparecimento das mídias modernas. O jornal, o romance-folhetim, o manual escolar, o dicionário, o livro de divulgação de conhecimentos, tudo isso serviu para fazer com que cada vez mais pessoas lessem, resultando nesta cultura de massa tão comentada atualmente. Provavelmente originária da Europa, e não dos Estados Unidos, antes da Primeira Guerra Mundial, mais do que após a Segunda, ela dizia respeito à massa de leitores de literatura em série – policial ou sentimental – antes mesmo do aparecimento da televisão ou do desenvolvimento do cinema de grande público.
*
Desta forma, raro leitor, é apresentado pela Autêntica Editora www.autenticaeditora.com.br , de Belo Horizonte, o primeiro livro de Jean-Yves Mollier publicado no Brasil, com tradução de Eliza Nazarian, já à venda nas boas livrarias.
É um fato auspicioso para os estudiosos e pesquisadores brasileiros da área da leitura, da história editorial e do livro. Jean-Yves Mollier é um dos nomes mais importantes da história cultural francesa, professor da Université de Versailles Saint-Quentin-en-Yvelines (UVSQ) http://www.uvsq.fr, vinculado ao Centre d'Histoire Culturelle des Sociétés Contemporaines, e sua obra é uma contribuição inovadora e relevante para os estudos do livro e da leitura.

domingo, 14 de setembro de 2008

Poemas-vida, de Goldberg, por Marília Librandi Rocha, no IV SETHIL

Imagens

Para cima não existem bosques,
Nem para baixo, rios caudalosos.
Assim, pergunta-se,
como escrever com a
mão esquerda, sobre delicados
prados, ou luas visionárias.


Poeta

Rude o albergue de mentiras,
abriga a raiva e a tonteria.
Em escaninhos da memória
trai e mente, entre vogais e
pergaminhos.


Mudança

Dest/arte,
o aedo transforma
a vigília
em aurora.


O tecedor

Quais mascates
– ao fim da feira –
procuram-se palavras –
e – talvez –
sentimentos.

Quem sabe – Eu sou
filho de Marte e
Saturno, estrela
cadente em alto
mar, quem sabe,
procurando dervixes,
que só se encontram
em areias no deserto,
quais mascates –
na pré-feira


Pretexto (ou álibi)

Escrevo para não escrachar,
ou por escrever o ato da soltura,
quem sabe uma escrita gongórica,
que se goza em si mesma,
em escrever gago ou mudo que
se engana de endereço,
uma palavra retilínea de
curvas intenções.
A caneta apócrifa que verseja
mentiras enfeitiçadas,
uma escrita surda de gemidos
audi-sonantes,
enterro autocrático em que,
rebelde, me achego de larvas
encarecidas.


Do ensaio de Marília Librandi Rocha, introdutório à antologia Poemas-vida, de Jacob Pinheiro Goldberg, por ela organizada, editada pela 7Letras http://www.7letras.com.br/ , Rio, 2008, retiramos, rara leitora, seu começo:

Espécie de errância interior, trajetória de vida contada e recontada em muitos poemas e textos, a poesia de Jacob Pinheiro Goldberg pode ser descrita como a de uma vida singular tornada estranhos poemas ou poemas-vida [cf. Michel Foucault].

Começando a escrever em início dos anos de 1950, mas firmando uma escrita poética mais efetiva a partir de final dos anos 60, a poesia de Goldberg defende e pratica procedimentos da arte de vanguarda do início do século XX – desde composições futuristas sobre a palavra em liberdade, a livre associação surrealista, a conjunção arte-vida, a utopia de uma arte livre de regras em revolução permanente e a de uma sociedade livre de autoritarismos, até as manifestações da poesia beatnik e da contra-cultura norte-americana dos anos 60/70, num misto de influências que vão se unir, em Goldberg, à sua prática e formação de terapeuta. (...)

Aproveito este registro, também, para assinalar minha satisfação de estar participando do IV Seminário de Teoria e História Literária (IV SETHIL), sob a temática História do Livro e da Leitura, em Vitória da Conquista (Bahia), promovido pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB (Área de Teoria e Literatura do Departamento de Estudos Lingüísticos e Literários), desde o dia 13 (vai até 16).

O IV SETHIL www.sethil.com.br/ivsethil tem a coordenação de Marília Librandi Rocha, Marcello Moreira, Lúcia Ricotta, com a colaboração de outros professores e alunos da UESB. Nele também está sendo lançado o nº 4, ano II, de Floema – Caderno de Teoria e História Literária, dedicado a Sá de Miranda, organizado pela professora Marcia Arruda Franco (USP).

Um belo evento realizado em Vitória da Conquista, cidade baiana do interior, terra de três grandes artistas brasileiros: Glauber Rocha, Elomar Figueira Mello e Gilberto Gil, com várias boas livrarias. Bom sinal.

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Intercom, Natal e Vicente Serejo

Ao retornar, rara leitora, a este espaço, trago as lembranças das pessoas queridas que revi no 15° encontro do grupo de pesquisadores de produção editorial, livro e leitura reunido na Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação – Intercom, que fez realizar, em conjunto com a Universidade Federal do Rio Grande do Norte e outras instituições, o seu XXXI Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, na capital potiguar, entre 2 e 6 do corrente.

Afora as vivências e trocas acadêmicas que sempre nos enriquecem nesses encontros, foi muito bom estar com amigos que partilham afinidades e sonhos, o que dá mais sentido à vida, perene e precária.

Trago da bela cidade de Natal, que não pude ainda conhecer como queria, a alma em festa pela lembrança do reencontro com os amigos Rejane e Vicente Serejo, anfitriões gentis e generosos.

Além da afinidade no amor aos livros, admiramos a faceta de contador de causos de Serejo, o seu conhecimento profundo da cultura potiguar e brasileira, a visão crítica que tem da vida acadêmica, a discreta elegância e a inteligência refinada de Rejane. Além de tudo, encanta-nos no jornalista de O Jornal de Hoje a sua capacidade de transformar paisagens e experiências em ricos textos tecidos cotidianamente em suas crônicas.

Seu livro Canção da noite lilás, em bela edição da Lidador, do Rio de Janeiro, editado, em 2000, com capa de Nei Leandro de Castro, ilustrações de Mem de Sá, coordenação editorial de Márcia Carrilho, traz prefácio de Silviano Santiago, “Compartilhar o pão da palavra”, no qual afirma o consagrado crítico mineiro: “raramente a língua portuguesa buscou se igualar com tanta maestria à palheta de um pintor (...) A palheta da língua declamada pelas palavras de Vicente Serejo como que conduz os olhos do leitor para o mirante onde surpreendem e apreciam as misteriosas e secretas cores das duas naturezas. A natureza que ambienta dias e noites, que varre espaços com ventos e marés, que recorta acidentes geográficos e se deixa recortar pelas construções do homem, natureza que é finalmente dádiva verde e multicolorida de árvores, flores e frutos. E também a natureza dos corpos vivos (homem ou animal), seu estar no mundo e seu locomover pelas arestas do dia-a-dia, seu silêncio e sua fala, nosso diálogo, seu desaparecer pelas lâminas afiadas da morte, seus temores e amores, seus segredos e covardias, sua solidão e fugas pelos galopes da memória e os delírios do desejo”. Leitura prazerosa. Viagem imaginária que fez parecer mais rápida a volta e até esquecer dos desconfortos do avião.

Foi muito bom, Vicente e Rejane, poder rever, guiado por fraterna amizade, a biblioteca cultivada e culta onde fulguram as coleções mais completas das obras de Mário de Andrade e de Luís da Câmara Cascudo, paixões de pesquisadores e de bibliófilos. E, finalmente, compartilhar do tinto lusitano de boa cepa em belas taças na mesa da varanda, onde folheei, encantado, o exemplar da Iconografia Potiguar, em cuidada edição do SEBRAE-RN, que agora se abriga na biblioteca da nossa casa como lugar de memória de dias encantados.

O colecionador de promessas, Vicente Serejo

Dizia o meu amigo, molhando a garganta em lentos goles de uísque: sou um vigia das horas mais inúteis da tarde. Eis o meu posto e o ofício: uma janela transparente e nela os meus olhos pregados na vidraça. Do que vejo ou não vejo, pouco preciso. O importante é esse ofício da espera, afinal a tarde cumpre seu expediente lá fora, enquanto seus homens prometem vencer o livro de ponto. Sou um colecionador das promessas dos jornais.

E dizendo isto voltou a tomar outro longo gole de uísque e com seus olhos úmidos de ironia alisou a barba mansamente. Com uma mão levou o charuto aos lábios, num gesto lento e perfeito. Com a outra, aquela que usara para também lentamente repousar o copo sobre a mesinha do lado, afagou a barba enfiando os dedos no emaranhado dos cabelos grisalhos e ásperos. E nada mais disse ou pareceu desejar dizer.

Do silêncio que derramou em torno de si mesmo inventou uma floresta de sombras e nelas desapareceu como um duende. Estava ali. Bem perto dos olhos e das mãos, mas ao mesmo tempo parecia tão distante que qualquer palavra, mesmo pronunciada com cuidado, quebraria a fina lâmina de cristal que filtrava as suas ilusões. Era preciso esperar que todo o seu vôo se completasse como numa circunavegação em torno de si mesmo.

Só então pude notar como a matéria engana o espírito. E como a humanidade de um homem é feita das insondáveis razões do ser. Ali estava um homem diante de sua solidão, mas seus gestos aparentemente maquinais o faziam mais humano a cada instante. Todas as vezes que seus dedos caminhavam silenciosamente como centopéias, em busca do copo, e venciam os pequenos obstáculos da tolha de crochê, mais ele se humanizava.

De repente era como se da fumaça de seu charuto nascessem arandelas azuis que iam subindo até o teto da pequena sala de paredes forradas de livros. Só um homem, um vaqueiro e seus olhos de nanquim, vigiava o nosso silêncio. Do fundo, saltava pelo corte luminoso da porta uma réstia de luz da outra sala. E projetando no chão a silhueta distorcida da mesa cercada de cadeiras, criava uma confusão fantasmagórica de luzes e sombras.

O alarme de um carro disparou lá fora. O ruído foi tão perto, e tão estridente, que a vibração estilhaçou o vidro que separava os nosso silêncios. E juntos passamos a colher aquelas minúsculas contas de vidro como se guardássemos cristais, diamantes, águas-marinhas. Toda a riqueza de um silêncio que se quebrou. Enquanto a noite engolia a solidão do mundo e prometia a cada um de nós a primeira estrela da manhã.

In Canção da noite lilás, crônicas. Rio de Janeiro: Lidador, 2000, p. 160-161.

Este é, rara leitora, um pedaço de Vicente Alberto Serejo Gomes, como escreveu Márcia Carrilho na apresentação do volume, “um lírico entre alamandas, luares e solidões. Um peregrino do azul que faz a lúdica travessia do Potengi, chega à Redinha, a Extremoz, a Macau, e conquista todos aqueles que têm olhos para ver, além da penumbra, as coisas suavemente iluminadas pelo amor”. O cronista nasceu em Macau, RN, em 1951, e é jornalista desde 1976, tendo atuado durante 24 anos nos Diários Associados como repórter, editor, chefe de reportagem, editor geral e diretor comercial. Membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras, Vicente Serejo, além de professor de jornalismo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), publica sua crônica diária em O Jornal de Hoje www.jornaldehoje.com.br .

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Luís da Câmara Cascudo, o mais ilustre dos natalenses notáveis

Todos os anos vividos no alto sertão do Rio Grande do Norte e Paraíba foram cursos naturais de literatura oral. Tive a revelação do meu “scholarship” quando estudei na cidade a outra literatura, livros, livros, livros, escolas, diagramas, influências, mestres, críticas, resumos.
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De 1920 a 1932 fui devorador de livros e Henrique Castriciano [escritor e político potiguar] seguia o ritmo delirante porque não era capaz de disciplinar-me quem nunca tivera disciplina.
*
O vício da literatura greco-latina vacinou-me contra as ditaduras mentais contemporâneas.
*
No meu tempo era pecado mortal o popular, o tradicional, o cotidiano, o comum. Fui professor catedrático concursado. Minha tese versou sobre a intencionalidade do descobrimento do Brasil. Pois bem, um colega professor foi pedir ao governador que me demitisse. Eu estava desmoralizando o estabelecimento. Não porque eu fosse pederasta ou coisa que o valha, mas porque falava pros alunos em lapinha, bumba-meu-boi, pastoril. Perguntava aos alunos se eles acreditavam em lobisomens, almas penadas, etc., e isso era uma desmoralização para o ensino superior do estado do Rio Grande do Norte.
*
Minha condição de professor provinciano libertava-me da sugestão hipnótica dos grandes nomes citadinos.
*
O processo criativo semelha ao da gravidez tubária. Existe em nós obscuro, afastado do puramente sensorial. Não se suspeita que se está grávido, platonicamente, resultante da mentalidade e da cultura de cada um.
*
Sempre fiz um livro pensando no outro, que começaria logo em seguida. Sabe como surgiu o Dicionário do Folclore? Era inicialmente um simples caderninho de notas para facilitar o meu trabalho. Foi crescendo tanto que quando me apercebi já estava com um trabalho pronto.
*
Felizmente, eu nunca aprendi gramática, que é inutilizadora de grandes talentos, exceção feita apenas a Machado de Assis, que era nato. No dia em que ele viu uma gramática, se assombrou.
*
A crítica ou a concordância não influirão no movimento da seiva vital.
*
Não se assombre, em Natal eu sou o único pecador profissional. Os outros são amadores.
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A rede [de dormir] colabora no movimento dos sonhos.
*
O livro que mais me agrada entre os meus é Canto de Muro*, publicado pela José Olympio em 1959. Nem sequer posso modificá-lo porque parece trabalho mediúnico. É o que mais amo pelo conteúdo de intensa significação moral e pelo esforço em realizá-lo.
*
O que me interessa é a vida do povo na sua normalidade, como ele vive, as manifestações da legitimidade social. Dedico-me a descobrir as permanências da vida brasileira.
*
A recompensa do trabalho é a alegria de realizá-lo. Quando termino um trabalho, estou pago.

* Visite a sua livraria ou consulte a Estante Virtual www.estantevirtual.com.br .

Coletânea de citações retiradas de livros, entrevistas e falas do autor, respectivamente: História da Literatura Brasileira, vol. VI, 1952; Nosso amigo Castriciano, 1965; Dois ensaios de História, 1965; Jornal “O Saco”, nº 3, julho de 1976; Ontem, 1972; conversa com o autor da coletânea, Diógenes da Cunha Lima; Revista “Manchete”, entrevista concedida a Cassiano Arruda, 1967; Idem; O tempo e eu, 1968; Jornal “O Saco”, nº 3, julho de 1976; Rede de dormir, 1959; Mensagens de Câmara Cascudo e Cosme Lemos – Coletânea de Thadeu Villar de Lemos, vol. 1, 1972; Idem; Idem.

Fonte:
Diógenes da Cunha Lima, Câmara Cascudo; um brasileiro feliz. 3ª. ed., rev. e aum., comemorativa dos 100 anos de nascimento de Luís da Câmara Cascudo. Rio de Janeiro: Lidador, 1998.

Este registro, rara leitora, pretende ser singela homenagem ao grande etnólogo brasileiro Luís da Câmara Cascudo, extensiva à cultura potiguar e aos amigos natalenses. Na próxima semana a bela cidade de Natal, capital do Rio Grande do Norte, receberá os pesquisadores que irão participar do XXXI Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, promovido pela Intercom e pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, com apoios e parcerias de muitas outras instituições.

Saiba mais em www.intercom.org.br e http://www.cchla.ufrn.br/intercom2008/ .

Serão certamente dias de intenso trabalho para muitos e uma festa para todos, visitantes e anfitriões. Natal será um belo espaço para acolher um dos mais importantes eventos acadêmicos brasileiros. Até lá.

Saiba mais
1. Luís da Câmara Cascudo:

“Centenário do nascimento de Luís da Câmara Cascudo”, por Vicente Serejo:
http://www.memoriaviva.com.br/cascudo/vida1.htm

Luís da Câmara Cascudo na Wikipédia:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Lu%C3%ADs_da_C%C3%A2mara_Cascudo

Museu Câmara Cascudo
http://www.mcc.ufrn.br

Memória viva de Câmara Cascudo:
http://memoriaviva.digi.com.br/cascudo/index2.htm

2. Natal:
Prefeitura do Natal:
http://www.natal.rn.gov.br/

Mochila Brasil
http://www2.uol.com.br/mochilabrasil/natal.shtml

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

O lucro dos bancos e a falta de recursos para a educação

Algumas vezes, raro leitor, já nos referimos aqui aos baixos índices médios das práticas de leitura no país, medidos por instituições nacionais e internacionais. Em boa parte, assim como esse, outros indicadores sociais estão relacionados diretamente com esta notícia dada hoje no jornal Folha de S. Paulo:

"Uma curiosidade é que, do final de 2002 até o primeiro semestre deste ano, portanto durante os cinco anos e meio do governo Lula, a rentabilidade dos bancos brasileiros saltou de 12,4% para 21,7%. Já entre os bancos nos EUA, nesse mesmo período, a rentabilidade caiu de 15,7% para 8,9%."
Guilherme Barros, "Rentabilidade de bancos no país supera a dos EUA", in
http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u437491.shtml

Em que pesem possíveis erros na divulgação dos dados (que podem ser mais graves do que estão apresentados), já é algo que não podemos esquecer, principalmente porque os lucros dos bancos no Brasil estão relacionados principalmente com a política de juros altos da dívida pública levada a efeito pelos mandarins do Banco Central, a serviço de interesses que não são do povo nem do Estado brasileiro. Os resultados alcançados pelos bancos e pelo sistema financeiro em geral não nos devem deixar dúvidas sobre quem tem interesse nessa política, levada a efeito sob a fachada do combate à inflação.

O que pensa disso, rara leitora?

Para contribuir para possíveis reflexões de nossa rara leitora ou leitor, acrescentamos alguns outros dados publicados na grande imprensa, ontem e hoje:

Governo paga mais 14.9% de juros do que em igual período no ano passado

"Os governos municipais, estaduais e federal já pagaram este ano mais de R$ 100 bilhões em juros aos credores da dívida pública. Dados apresentados ontem pelo Banco Central mostram que essa despesa somou R$ 106,803 bilhões de janeiro a julho, com alta de 14,9% ante igual período de 2007, novo recorde. (...)

A despesa recorde de juros pagos aos bancos e investidores é explicada por vários fatores, (...). Um deles é a alta da inflação, que eleva a despesa nos papéis corrigidos por indicadores de preço. Nos sete meses de 2008, o pagamento nos títulos atrelados ao Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) passou de R$ 22 bilhões, quase igual à despesa de todo o ano passado (R$ 24,7 bilhões). Outra explicação vem da taxa básica de juros (Selic). Com o aperto monetário iniciado em abril, o custo dos papéis que seguem a Selic sobe.

No início do ano, a despesa mensal com esses títulos era de cerca de R$ 5 bilhões. Em julho, já estava em R$ 7,7 bilhões. (...)"

Fonte: Fernando Nakagawa e Fabio Graner, O Estado de São Paulo, 28/8/2008 (Economia & Negócios)
http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20080828/not_imp231961,0.php
acessado às 7:13
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Segundo reportagem da revista The Economist, o Banco Central do Brasil é o que mais subiu os juros em relação a outros países...
26/08/08
*

Eventos na área do livro e da leitura no Brasil

5 e 6 de setembro de 2008:
VIII Encontro do Núcleo de Pesquisa Produção Editorial da Intercom
no XXXI Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Natal – RN
Mais informações: acesse:
Intercom Núcleo Produção Editorial
http://groups.google.com/group/intercom-nucleo-producao-editorial
Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação
www.intercom.org.br

*
9 e 10 de setembro de 2008:
Simpósio: Impressões: Caminhos da Imprensa no Brasil (1808-2008)
Promoção:
Escola de Comunicação (ECO) - Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Inscrições gratuitas.
Mais informações:
http://picasaweb.google.com.br/anibalbraganca/ImpressEsSimpSioCaminhosDaImprensaNoBrasil18082008/photo#5238471489789703602 Contato:
extensão@eco.ufrj.br
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13 a 16 Setembro, 2008:
“História do Livro e da Leitura” - IV Seminário de Teoria e História Literária
Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia

Vitória da Conquista, Brasil

Conferencistas:

Aníbal Bragança (IACS-UFF):
“Antecedentes da instalação hipertardia da tipografia ao Brasil (1747-1808)”

Márcia Abreu (UNICAMP):
“Olhares sobre o romance: a censura portuguesa no século XVIII e início do XIX”

Márcia Arruda Franco (USP):
“Impressos e manuscritos quinhentistas de Sá de Miranda “

Tania Bessone (UERJ):
“A história do livro e da leitura: novas abordagens”

Sheila Moura Hue (Real Gabinete Português de Leitura):
“As duas faces da impressão da lírica dos contemporâneos de Camões”

Coordenação-geral:
Profs. Marília Librandi Rocha e Marcello Moreira
Saiba mais sobre o evento, inclusive como participar:
http://www.sethil.com.br/ivsethil.asp

*
17 a 19 de setembro de 2008
4ª Colóquio: “Relações Luso-Brasileiras: D. João VI e o Oitocentismo”
Realização:
Pólo de Pesquisa sobre Relações Luso-Brasileiras (PPRLB) do
Real Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro
Coordenação geral:
Profa. Gilda Santos
Inscrições abertas.
Programação completa: acesse
http://picasaweb.google.com.br/anibalbraganca/4ColQuioRelaEsLusoBrasileirasDJoOVIEOOitocentismo Mais informações:
http://www.realgabinete.com.br/#

*
Setembro/2008: Programação cultural da
Academia Niteroiense de Letras (ANL)
sempre às 4as. feiras, 17h.

10: "Letristas da Música Popular Brasileira"
Lauro Gomes de Araújo.
17: “Literatura Brasileira – o Modernismo”
Sávio Soares de Sousa.
24: "A importância da Leitura"
Wanderlino Teixeira Leite Netto.

Rua Visconde do Uruguai, 456 – Centro – Niterói – RJ
Entrada franca. Lugares limitados.
Mais informações: Acesse:
www.academianiteroiense.org.br
*

Estas serão, raro leitor, oportunidades que se nos oferecem para reencontrar amigos e colegas que atuam na área multidisciplinar de estudos sobre livros e leituras, em suas diferentes abordagens. Quem sabe nos encontraremos por lá?

Ainda uma dica: você gosta de visitar ou quer descobrir o universo do YouTube?

Estão disponíveis vídeos da mesa-redonda realizada durante a Bienal Internacional do Livro do Rio de Janeiro (2007) sobre o livro de Roberto Kahlmeyer-Mertens, Verdade-Metafísica-Poesia – Um ensaio de filosofia a partir dos haicais de Luís Antônio Pimentel, da NitPress, 2007, em que participei, estão disponíveis no YouTube:
Acesse:
http://br.youtube.com/results?search_query=Kahlmeyer&uploaded=w

sábado, 23 de agosto de 2008

Herôdotos (c.484-c.425 a.C): Sobre escrita alfabética e livros

Os fenícios vindos com Cadmos [herói mítico grego associado à difusão da escrita alfabética], entre os quais estavam esses gefireus, introduziram numerosos conhecimentos entre os helenos quando se estabeleceram em seu território – entre outros o conhecimento do alfabeto, que os helenos, até onde vai o meu conhecimento, não possuíam anteriormente; de início esse alfabeto era o mesmo usado pelos fenícios; depois, com o passar do tempo, simultaneamente com a língua esses cadmeus mudaram também a forma das letras.

As regiões circunvizinhas eram habitadas em sua maior parte por helenos de raça iônia; eles adotaram os caracteres aprendidos dos fenícios e passaram a usá-los com ligeiras modificações, e usando-os eles os divulgaram, como era justo – pois os fenícios haviam sido os seus introdutores na Hélade – sob o nome de “fenícios”.

Da mesma forma, os iônios chamam os livros de diphteroi [de couro] por causa dos usos antigos, pois anteriormente, em decorrência da raridade do papiro para livros, eles usavam peles de cabra ou carneiro; ainda em minha época muitos bárbaros escrevem nessas peles.


In Herôdotos, História. Trad. do grego, introdução e notas de Mário da Gama Kury. Ed. UnB, 1985, p. 274.

Segundo Mário da Gama Kury, Herôdotos, é o autor da primeira obra em prosa da literatura grega preservada até nossos dias. Nasceu em Halicarnassos (hoje na Turquia), aproximadamente 484 a.C. Em 445, já estava em Atenas, onde teria lido sua obra História (ou parte dela), feita a partir dos conhecimentos adquiridos em suas pesquisas e viagens.

Herôdotos (aqui seguimos a grafia indicada por Kury, diferente da usual, Heródoto), é considerado o “pai da história”. Esta disciplina, desde sua origem, está associação a “busca, investigação, pesquisa”, sendo o historiador, do ponto de vista etimológico, “uma pessoa que se informa por si mesma da verdade, que viaja, que interroga, ao invés de limitar-se a transcrever dados à sua disposição e repetir genealogias, cronologias, lendas” (p. 9).

Destacamos aqui, rara leitora, este excerto da monumental obra de Herôdotos que fala da apropriação pelos gregos do alfabeto criado pelos fenícios, por se tratar certamente de um dos registros escritos mais recuados sobre esse fato (provavelmente ocorrido cerca de 4 séculos antes), que teria repercussão notável na nossa cultura, quando, através do latim, se tornou a base de todas as escritas européias e assim da cultura ocidental.

É interessante no trecho também a referência ao uso do papiro (egípcio) em seu tempo e ao uso do couro de pequenos animais para suporte da escrita de livros pelos “bárbaros”. Apesar do papiro continuar a ser usado ainda durante séculos, o uso do couro se disseminou, quando, mais tarde, em Pérgamo, pequeno reino helenizado (hoje na Turquia), notável por sua biblioteca que rivalizava com a de Alexandria, se criou uma técnica especial que o tornaria mais dócil para receber a escrita e fazer livros. Passou a ser chamado de pergaminho e foi o substituto do papiro quando este se tornou novamente raro. Utilizado durante toda a Idade Média, o pergaminho perdeu definitivamente espaço para o papel quando da invenção da tipografia por Gutenberg, no século XV.

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Programa Petrobras Cultural: bolsa para escrever e publicar!

Neste ano a Petrobras irá reprisar o edital para Criação Literária: Ficção e Poesia. Trata-se de incentivo para fomentar a produção literária no país. Cada autor receberá prêmio equivalente a uma bolsa de R$40 mil e mais R$7 mil de auxílio à editora para viabilizar a publicação da obra.

Se lhe interessa, raro leitor, rara leitora, aproveite uma excelente oportunidade para saber mais e tirar dúvidas sobre o Programa Petrobras Cultural (PCC) em um chat com a Gerente de Patrocínios da Petrobras, Eliane Costa, e o responsável pela seleção pública do setor de Literatura, Giuseppe Zani.

O chat vai acontecer na quinta-feira, dia 28 de agosto, das 15 horas às 16h30. A primeira meia hora irá tratar de questões do Programa Petrobras Cultural e a hora final será dedicada especialmente para o setor de Literatura.

Não perca essa chance. Para participar, acesse o site do PPC no momento do chat:
www.petrobras.com.br/ppc .

Caso não possa nesse dia haverá novas oportunidades: outros chats acontecerão nos dias 11 e 25 de setembro, 9 e 23 de outubro e 6 e 13 de novembro, sempre com espaço para aspectos gerais do Programa Petrobras Cultural e questões específicas do edital de cada setor.

Acompanhe a programação do Programa Petrobrás Cultural (PPC) no sítio acima. Vale a pena. É um dos mais importantes programas de apoio à cultura brasileira.

Participe e sinta que, mesmo no Brasil, país de baixos níveis médios de práticas de leitura, a criação literária pode ser valorizada, estimulada e apoiada.

ECA-USP promove debates sobre o universo da edição

O Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação (PPGCOM) da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP) dá início às Jornadas de Editoração 2008.

O objetivo do ciclo, segundo nos informa José Muniz Jr., é discutir assuntos relativos à edição, colocando em debate questões importantes da área. Para isso, promove a interação entre profissionais e pesquisadores, em mesas que contemplam as tendências do setor e os avanços da pesquisa sobre ele.


Cada jornada conta com a participação de três convidados, que abordarão o assunto de sua respectiva especialidade e, em seguida, discutirão entre si e com o público as questões comuns.

Em 2008, serão realizados os três primeiros encontros.

Em 26 de agosto, o primeiro deles tem como tema as relações entre os mercados editoriais brasileiro, espanhol e latino-americano.

Em 24 de setembro, o segundo debate abordará as atividades profissionais de edição de texto.

Em 20 de outubro, por fim, serão discutidos alguns aspectos da pesquisa em Editoração e seu caráter interdisciplinar.

O evento é voltado aos estudantes de Comunicação, Letras, Pedagogia e áreas afins; pós-graduandos, professores e pesquisadores interessados no tema; autores, tradutores, editores e demais profissionais da área; e interessados em geral.

As inscrições serão feitas no local, meia hora antes do início do debate, e são gratuitas.

As Jornadas de Editoração contam com o apoio do Departamento de Jornalismo e Editoração da ECA-USP e a colaboração de Todotipo Editorial, Virei A Página e Comunicação Pública.

Mais informações em:

Blog Jornadas de Editoração da ECA-USP, de José Muniz Júnior
http://jornadasedit.blogspot.com/


Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP)

http://www.eca.usp.br/

Artes do Livro, da Ateliê, a biblioteca do editor



O Prof. Plínio Martins Filho, da ECA/USP, notável editor, é um apaixonado pelas artes gráficas e pelo livro. Esses atributos manifestam-se sobejamente na coleção Artes do Livro, que dirige na Ateliê Editorial, editora paulista sediada em Cotia, nos arredores de S. Paulo.

O volume 6 da série, Ex-Libris, apresenta a coleção reunida por José Luís Garaldi, da Livraria Sereia, em belíssmo volume, enriquecido com uma introdução da editora e tradutora Dorothée de Bruchard, “Ex-libris. Belas histórias de arte, de vida e de amor aos livros”, além de uma nota do organizador, o mesmo Plínio Martins Filho.

Deve aqui destacar-se que um dos mais antigos ex-libris brasileiros, segundo o organizador do volume, é o do Barão do Rio Branco (José Maria da Silva Paranhos – RJ, 1845-1912), composto por uma gravura que reproduz paisagem da praia da Praia de Icaraí, em Niterói, tendo em primeiro plano a Pedra de Itapuca, símbolo da cidade, e ao fundo a baía de Guanabara e o Rio de Janeiro (veja imagem). O Barão do Rio Branco, autor do desenho, gravado pelo artista francês Agry, foi pioneiro no Brasil no uso de ex-libris para identificar sua biblioteca.

A coleção Artes do Livro tem algumas características que a identificam, como a capa dura, certas marcas gráfico-visuais, o cuidado e a mesma sobriedade em cada projeto editorial, entretanto é grande a variedade de seus formatos, que vão desde 5x9,5 cm. no volume 3, A Arte Invisível, 2003, de Plínio Martins Filho, até 19x27,5 cm., de O Design do Livro, de Richard Hendel, traduzido por Geraldo Gerson de Souza e Lúcio Manfredi, lançado no mesmo ano de 2003.

Completam a coleção, até agora, o volume 2, Catálogo de Clichês, de D. Salles Monteiro, 2003, edição fac-similar; o volume 4, Aldo Manuzio, Editor, Tipógrafo, Livreiro, de Enric Satué, traduzido do original catalão por Cláudio Giordano, com prólogo de Oriol Bohigas, 2004, e o volume 5, de Jan Tschichold, A Forma do Livro. Ensaios sobre tipografia e estética do livro, traduzido por José Laurenio de Melo, com introdução de Robert Bringhurst, de 2007.

Um belo serviço prestado às artes gráficas no Brasil, a coleção Artes do Livro, com a proposta de “contribuir tanto aperfeiçoamento dos processos de produção do livro como no fortalecimento da historiografia da edição”, tem como objetivo ser “A biblioteca do editor”. Indispensável a todos os profissionais e amadores do livros.

Para saber mais:

http://www.atelie.com.br/
http://www.escritoriodolivro.org.br (de Dorothée de Bruchard)
http://www.estantevirtual.com.br/acervos/olecram (Sebo A Sereia, de José Luís Garaldi)

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

João Rui de Sousa: O rosto (o rasto) da escrita

Vida e morte das palavras

São vivas quando
o coração do vento amadurece
e a voz vem de repente
e não se esquece
de estremecer as trevas
ou de roer as malhas
da rotina
ou de dar lenha e fogo
(matéria inesperada
e sibilina)
a um barco que arrefece.

São mortas quando
a morte nelas cresce
– com os seus cabelos ralos,
suas ramagens crespas, desgastadas,
seus ossos cabisbaixos
rolados sobre o nada.
São mortas se não queimam
a limalha sobrante – esse pó
de cães exaustos, de dias
fatigantes –
e em podridão se instalam.


Pastoreio

É em íngremes serranias – e talvez ao luar –
que acompanho o gado (o vulto
das palavras) de que às vezes sou dono
e sou pastor.

Bem junto a ele, e vislumbrando ao longe
ruínas e caminhos, hortejos e silvedos
(e mesmo um corpo em chamas de guitarra),
reencontro o fio das frases e os poemas
– seus currais.


O infindável dos pretextos poéticos

Até à evidência,
até ao clarear de aves nocturnas
em rotundos prados, até ao fogo
das queimadas
(até à queima de si mesmo
no centro das cavernas, entre cães
de Lascaux, bisontes de Altamira),
até ao gotejar da água e à lasciva
seda de dormir entre folhagens,
até ao lago fundo e até à cinza
duma penumbra errante (pragal
de nostalgia e de quebranto)
– há sempre atalhos rubros
para a escrita,
há sempre airosas rãs
para a nossa fala.


Conselho aos crentes

Não queirais entrar na dor que se constrói
de verso a verso, de sílaba a sílaba,
num fogo que se expande e adere à boca,
às páginas, às estrofes e às palavras,
queimando todo o corpo e a alma desavinda
ou aspergindo a voz da maldição
(a nossa e a do mundo)
na trémula incerteza de si mesma.

Adoradores de fé qualquer (terrena
ou transcendente) que tudo abarque
e salve e concilie:
não quebreis o encanto com tais nuvens
ou torturas de ardor e entendimento;
não procureis a lápide das dúvidas
colhidas em estações de desalento;
não vos afasteis do vosso rumo
de confiante e pendular porfia.

Não vos deixeis – ó crentes, cujo rosto
tem a candura de um áureo chamamento –
cair na tentação da poesia!


Que formalismo

De lamber as palavras como se
rasas de silêncio elas fingissem
e não se trucidassem contra o vento
e não voassem fundo
e não ferissem?

De afagar as palavras como se
um aguçado arame não
nos arranhasse
e não despisse em nós
a veste que se cola,
a casca da aparência?

De alisar as palavras como se
não fosse duro e fundo
o solo de onde partiram
e o lancinante grito
que lá mora?

É sempre um homem que
por elas fala,
é sempre um coração
que aí adeja!

In Quarteto para as próximas chuvas, Lisboa: D. Quixote, 2008.

João Rui de Sousa, nasceu em 1928, em Lisboa. É poeta, ensaísta e pesquisador. Trabalhou na área de espólios literários da Biblioteca Nacional (de Portugal). Este belo livro chegou a mim pela via das fraternas sociabilidades poéticas nascidas na rede, confirmadas por experiências de pessoas em carne e osso. Estou muito grato.

Espero, rara leitora, que aprecie estes poemas vindos da outra margem deste Atlântico que nos une a Portugal.


Este e outros livros do autor:
Editora Dom Quixote
www.dquixote.pt

Para saber mais:

Resenha de Quarteto para as próximas chuvas, por Fernando J. B. Martinho, na Revista Colóquio/Letras:
http://coloquio.gulbenkian.pt/bib/sirius.exe/news?i=15