sábado, 23 de agosto de 2008

Herôdotos (c.484-c.425 a.C): Sobre escrita alfabética e livros

Os fenícios vindos com Cadmos [herói mítico grego associado à difusão da escrita alfabética], entre os quais estavam esses gefireus, introduziram numerosos conhecimentos entre os helenos quando se estabeleceram em seu território – entre outros o conhecimento do alfabeto, que os helenos, até onde vai o meu conhecimento, não possuíam anteriormente; de início esse alfabeto era o mesmo usado pelos fenícios; depois, com o passar do tempo, simultaneamente com a língua esses cadmeus mudaram também a forma das letras.

As regiões circunvizinhas eram habitadas em sua maior parte por helenos de raça iônia; eles adotaram os caracteres aprendidos dos fenícios e passaram a usá-los com ligeiras modificações, e usando-os eles os divulgaram, como era justo – pois os fenícios haviam sido os seus introdutores na Hélade – sob o nome de “fenícios”.

Da mesma forma, os iônios chamam os livros de diphteroi [de couro] por causa dos usos antigos, pois anteriormente, em decorrência da raridade do papiro para livros, eles usavam peles de cabra ou carneiro; ainda em minha época muitos bárbaros escrevem nessas peles.


In Herôdotos, História. Trad. do grego, introdução e notas de Mário da Gama Kury. Ed. UnB, 1985, p. 274.

Segundo Mário da Gama Kury, Herôdotos, é o autor da primeira obra em prosa da literatura grega preservada até nossos dias. Nasceu em Halicarnassos (hoje na Turquia), aproximadamente 484 a.C. Em 445, já estava em Atenas, onde teria lido sua obra História (ou parte dela), feita a partir dos conhecimentos adquiridos em suas pesquisas e viagens.

Herôdotos (aqui seguimos a grafia indicada por Kury, diferente da usual, Heródoto), é considerado o “pai da história”. Esta disciplina, desde sua origem, está associação a “busca, investigação, pesquisa”, sendo o historiador, do ponto de vista etimológico, “uma pessoa que se informa por si mesma da verdade, que viaja, que interroga, ao invés de limitar-se a transcrever dados à sua disposição e repetir genealogias, cronologias, lendas” (p. 9).

Destacamos aqui, rara leitora, este excerto da monumental obra de Herôdotos que fala da apropriação pelos gregos do alfabeto criado pelos fenícios, por se tratar certamente de um dos registros escritos mais recuados sobre esse fato (provavelmente ocorrido cerca de 4 séculos antes), que teria repercussão notável na nossa cultura, quando, através do latim, se tornou a base de todas as escritas européias e assim da cultura ocidental.

É interessante no trecho também a referência ao uso do papiro (egípcio) em seu tempo e ao uso do couro de pequenos animais para suporte da escrita de livros pelos “bárbaros”. Apesar do papiro continuar a ser usado ainda durante séculos, o uso do couro se disseminou, quando, mais tarde, em Pérgamo, pequeno reino helenizado (hoje na Turquia), notável por sua biblioteca que rivalizava com a de Alexandria, se criou uma técnica especial que o tornaria mais dócil para receber a escrita e fazer livros. Passou a ser chamado de pergaminho e foi o substituto do papiro quando este se tornou novamente raro. Utilizado durante toda a Idade Média, o pergaminho perdeu definitivamente espaço para o papel quando da invenção da tipografia por Gutenberg, no século XV.

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