quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Uma biblioteca, por Luiz Antônio de Assis Brasil

Uma biblioteca não é apenas um lugar em que ficam os livros. Uma biblioteca é um lugar que nos pega por todos os sentidos. Os livros nas estantes, sábios numa assembléia, estão ali, olhando-nos sem curiosidade: eles têm séculos de existência à nossa frente, eles sabem de onde viemos e para onde vamos.

Uma biblioteca não terá fim. Bibliotecas são para sempre. Ali se respira o ar do tempo que, em seu lento evoluir, cria romances, novelas, contos, tratados, compêndios, ensaios, artigos, poemas, dicionários, enciclopédias, e também jornais, revistas.

Uma biblioteca tem o cheiro do tempo. As páginas, amarelecendo como se estivessem num perpétuo outono, possuem um perfume que só os iniciados conhecem.

Ao olharmos à distância para uma estante de biblioteca, não distinguiremos os nomes dos autores, nem os títulos dos livros. Todos os livros parecem iguais. Enquanto não nos aproximarmos, eles irão manter-se numa velada promessa. Isso é bom; isso incita à aproximação. Esse zoom que fazemos com ansiosa expectativa, ao chegar perto das lombadas, revela-nos os títulos, os nomes, numa descoberta caprichosa, quase solene e, ao mesmo tempo, íntima. É como uma descoberta do mundo.

Ao levarmos a mão a um livro, ele se torna nosso. Mesmo que saibamos que ele já foi muito manuseado e que depois passará a outras mãos, naquele instante único ele é nosso. Só nós temos o direito de lê-lo. Na leitura silenciosa não há partilha. É um bem-vindo egoísmo, uma luxúria do espírito.

Mas há novidades neste mundo tão antigo. Depois de quase 500 anos, começam a surgir outras modalidades de uma obra chegar a seu leitor. Como nova geração, chega com algum
alarde. Mas nós sabemos, também, que essas novas formas vieram para permanecer entre
nós. Ótimo: são muito bem-vindas. Seus lugares já estão escolhidos: serão numa biblioteca. Ali conviverão em diálogo com as gerações mais velhas. Ali receberão o cuidado dos bibliotecários. Ali, esses generosos e eficientes funcionários saberão dar a palavra certa ao leitor. Ser bibliotecário é mais do que assumir uma profissão: é entender o mundo como uma ordem. Bibliotecários instauram o Cosmo em meio ao Caos.

Assim, inaugurar uma biblioteca é dar um sentido a tudo o que o ser humano fez nesta longa trajetória sobre a Terra. Sem nenhum drama nem exagero podemos dizer: inaugurar uma biblioteca é um ato para a eternidade.

In Zero Hora, Porto Alegre, RS, 5 de novembro de 2008. Graças à divulgação de Hugo & Cândida, a quem estamos sempre gratos.

Vivemos em época cheia de contradições e com múltiplas realidades, convivendo de forma nem sempre harmônica. Por um lado, percebe-se que o governo, através da Fundação Biblioteca Nacional, do Ministério da Cultura, busca avançar na instalação de bibliotecas públicas nos municípios em que elas ainda não existem. É pouco, mas é muito ao mesmo tempo, pois existir município em que os leitores não tenham acesso a esse espaço de encontros e sociabilidades intelectuais é algo lastimável, numa sociedade moderna. Ao mesmo tempo, vemos que muitas bibliotecas públicas não cumprem verdadeiramente sua missão. E assistimos também à redução das bibliotecas particulares, por várias razões, desde a redução de espaço até ao preço do livro.

Com tudo isso, vozes como a do escritor gaúcho Luiz Antônio de Assis Brasil se fazem ouvir em defesa das bibliotecas e de sua permanência. Assim seja!


E você, raro leitor, usa bibliotecas, além da sua? Está satisfeito com as bibliotecas de que se serve? Acha que a Internet e o Google lhe oferecem acesso a tudo que precisa?

3 comentários:

Beatriz Vieira disse...

Olá

Achei maravilhoso esse texto.. vou postar também em meu blog.
Eu sou uma das usuárias da biblioteca da universidade que mais perambula por lá.. Apesar do barulho e dos obstáculos para encontrar alguns livros... adoro aquele lugar.
SAudações

Vaninha disse...

Olá,
Adorei o texto e como sou bibliotecária e gestora de informação, ou seja tenho um pouquinho de cada lado, mas existem obras que não estão na rede, não temos acesso a elas a não ser em nossas bibliotecas, principalmente as que possuem obras raras.
As obras raras na maioria das vezes não dá para ser digitalizada ou seja diponibiliza-la online, pois estragaria o livro (por isso uma obra rara) este livro é tratado com carinho pelo profissional bibliotecário e os pesquisadores que admiram estes belos exemplares.
Portanto acho que tem espaço para ambas sendo que uma não tira nem cancela a importancia da outra até porque até hoje não inventaram nada que dure mais do que o papel....até quando teremos a internet segura? sem estarmos apavorados com ataques de vírus?
Portanto tudo tem seu tempo sua hora e seu lugar.
Beijos no coração
Vania Maria B. Parreiras

Rita Sakano disse...

Olá!
Biblioteca, uma das minhas paixões.
Seu cheiro me faz viajar...
Suas cores em formas de capas, folhas.
Saudade da Bibliotecas brasileiras...
Estando fora...não temos esta diversidade..em língua portuguesa.
Tenho uma pertinho de casa, mas quase toda ela em japonês....nadinha de português, alguma em inglês..
Mas deram um jeitinho , bem a moda brasileira, criaram um catalogo de livros, nada organizado, de exemplares diversos, mas bem diversos e até de gosto duvidoso, mas podemos ter alguns livros na nossa língua mãe, vindos da Biblioteca Provincial.
A minha alternativa são as bibliotecas virtuais....com um pouco de pesquisa conseguimos bons livros.
Obrigado aos Bibliotecários pelo carinho e amor.

Paz e luz

Rita Sakano