segunda-feira, 16 de julho de 2007

Walter Benjamin (15/7/1892-27/9/1940), 115 anos.

Excertos de Desempacotando minha biblioteca. Um discurso sobre o colecionador.

Estou desempacotando minha biblioteca. Sim, estou. Os livros, portanto, ainda não estão nas estantes; o suave tédio da ordem ainda não os envolve. Tampouco posso passar ao longo de suas fileiras para, na presença de ouvintes amigos, revista-los. Nada disso vocês têm que temer. Ao contrário, devo pedir-lhes que se transfiram comigo para a desordem de caixotes abertos à força, para o ar cheio de pó de madeira, para o chão coberto de papéis rasgados, por entre as pilhas de volumes trazidos de novo à luz do dia após uma escuridão de dois anos
justamente, a fim de, desde o início, compartilhar comigo um pouco da disposição de espírito – certamente não elegíaca , mas, antes, tensa – que estes livros despertam no autêntico colecionar. Pois quem lhes fala é um deles, e, no fundo está falando de si. (...)

Tenho a intenção de dar uma idéia sobre o relacionamento de um colecionador com os seus pertences, uma idéia sobre a arte de colecionar mais do que sobre a coleção em si. É inteiramente arbitrário que eu faço isso baseando-me na observação das diversas maneiras de adquirir livros. Este processo ou qualquer outro é apenas um dique contra a maré de água viva de recordações que chega rolando na direção de todo colecionador ocupado com o que é seu. De fato, toda paixão confina com um caos, mas a de colecionar com o das lembranças. (...)

Assim, a existência do colecionador é uma tensão dialética entre os pólos da ordem e da desordem.

Naturalmente, sua existência está sujeita a muitas outras coisas: a uma relação muito misteriosa com a propriedade sobre a qual algumas palavras ainda devem ser ditas mais tarde; (...)

Para ele não só livros, mas também seus exemplares têm seu destino. E, neste sentido, o destino mais importante de todo exemplar é o encontro com ele, o colecionador, com sua própria coleção. E não estou exagerando: para o colecionador autêntico a aquisição de um livro velho representa o seu renascimento. E justamente neste ponto se acha o elemento pueril que, no colecionador, se interpenetra com elemento senil. (...)

De todas as formas de obter livros, escrevê-los é considerada a mais louvável. (...)

Quantas coisas não retornam à memória uma vez nos tenhamos aproximado das montanhas de caixas para delas extrair os livro para a luz do dia, ou melhor, da noite. (...)

Saibam que tenho plena consciência de quanto essa revelação que faço do mundo mental contido no ato de colecionar vai reforçar para muitos de vocês a convicção de que essa paixão é coisa do passado e a desconfiança contra o tipo humano do colecionador.
(...)

Bem-aventurado o colecionador! (,,,)

In Rua de mão única (Obras escolhidas II). São Paulo: Brasiliense, 1987, p. 227-35.

Walter Benjamin tem sido uma referência, tanto pessoal quanto teórica, deste neoblogueiro, e foi sem dúvida o principal inspirador de um trabalho de pesquisa sobre os clientes dos sebos, feito em colaboração com colegas, durante o curso de doutorado na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de S. Paulo. Foi concluído em 15.7.1992, quando o filósofo completaria 100 anos de nascimento e a ele foi dedicado.

Você poderá acessar esse trabalho, “O consumidor de livros de segunda mão – Perfil do cliente dos sebos”, no endereço virtual do Escritório do Livro, aliás um espaço rico de conteúdo para nossos raros leitores:
http://www.escritoriodolivro.org.br/leitura/perfil%20sebo.pdf

O texto “Desempacotando minha biblioteca” foi provavelmente escrito em 1936, na casa do amigo Bertolt Brecht, exilado na Dinamarca, onde Benjamin se hospedou, quando ambos fugiam da perseguição nazista. Um de seus maiores estudiosos brasileiros, Flávio Kothe, no entanto, afirma que o texto é de 1931.

Creio ser um dos mais belos depoimentos sobre o amor aos livros que já se escreveu e por isso o escolhemos para marcar a data de seu nascimento. Vale a pena correr à livraria ou à biblioteca e ler o texto inteiro. Aliás, diga-se, Rua de mão única é um livro que Benjamin nos legou e que, por existir ao nosso alcance, nos faz sentir privilegiados leitores.

Para saber mais, na rede, visite:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Walter_Benjamin

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