domingo, 7 de outubro de 2007

Um ensaio filosófico a partir dos haicais de Luís Antônio Pimentel





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A introdução da cultura ocidental no Oriente foi responsável por alterações na perspectiva de seus povos. No Japão, a presença da cultura ocidental-européia é registrada desde os séculos XVI e XVII. Enquanto doutrina possuidora de uma perspectiva, o cristianismo se consolidava principalmente entre a população camponesa até sua violenta repressão e seguida proibição no auge da dinastia dos Tokugawa (1616-1868). Essa deu início a um período de isolacionismo cultural, por um lado fecundo ao campo do pensamento e das artes nativas, de modo a falar-se de um renascimento daquela cultura e da superação do modelo cultural chinês, vigente desde o século IV. d.C.

Nesse período, vemos o cultivo do haicai com autores como Busson, Kobayashi e Issa. Entre esses, o último tornou-se, em sua época, mais conhecido do que o próprio Bashô ao introduzir inovações ao haicai. Não se tem notícia de que Issa tenha tido contato com a cultura judaico-cristã, mas constatam-se algumas características de seus poemas que o aproximam dessa e o distanciam do modo canônico de se fazer haicai.

Perspectiva recrudescida sob a Era Meiji (1868-1912), na qual se abriu a cultura à influência dos ocidentais deixando que o mundo europeu (representado nas artes pelo romantismo, simbolismo e impressionismo) infiltrasse o pensar japonês.

O contato com o mundo ocidental apresentou necessidades que até então o japonês não tinha. Promoveu a urgência de desenvolver vocabulário e gramática para dizer o que era experiência completamente exótica àquele. Nesse período, vê-se nas universidades européias, sobretudo nas de Letras e de Filosofia, grande procura de acadêmicos japoneses ávidos de tomar conhecimento daquele modo de pensar que não se contenta com a imediatez da coisa e se lança ao perscrutar a realidade-verdade.

Doravante, a distinção entre Ocidente e Oriente passaria a não ser mais uma convenção geográfica das fronteiras entre os hemisférios do globo, Ocidente passa a ser a denominação de
uma visão de mundo que acomete outra e que faz com que encontremos também na segunda a preocupação em pensar o universal de todas as coisas. Essa preocupação parece refletir no
Oriente quando presenciamos questionamentos formulados no interior de haicais, como Pimentel evoca:

Que é um haicai?
É o cintilar das estrelas
num pingo de orvalho.
(...)

O livro Verdade-Metafísica-Poesia – Um ensaio de filosofia a partir dos haicais de Luís Antônio Pimentel, do qual retiramos o excerto acima, é de Roberto Kahlmeyer-Mertens, professor universitário, doutorando em Filosofia na Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ. Kahlmeyer-Mertens escreveu um ensaio filosófico, denso, profundo, mas claro e leve, que, a partir da análise da poesia haicai de Luís Antônio Pimentel, aponta para as hibridizações entre as culturas ocidental e oriental. Leitura muito agradável e enriquecedora que recomendamos aos nossos raros leitores.

A obra, editado pela NitPress http://nitpress.tripod.com/ , foi lançada na Bienal Internacional do Livro, do Rio de Janeiro, em 22/09/2007, com mesa-redonda composta por este neoblogueiro, o próprio autor e Luís Antônio Pimentel. O evento se deu na ilha Letras de Niterói, organizada por vários editores da antiga capital fluminense.

Para ver imagens do lançamento, acesse o álbum de fotos (endereço abaixo):
http://picasaweb.google.com/anibalbraganca/BienalInternacionalDoLivroRioDeJaneiroLanAmentoLivroDeRobertoKahlmeyer
O escritor fluminense Luís Antônio Pimentel viveu no Japão de 1937 a 1942, onde teve publicado, no idioma japonês, o livro Namida no Kito (Prece em lágrimas), em 1940, a primeira obra poética de autor brasileiro editada no país do sol nascente. Para saber mais dessa edição e conhecer sua obra literária, sugerimos consultar Contos do velho Nipon, 12 dias com Leviana, Tankas e Haicais, o volume 2 das Obras Reunidas de Luís Antônio Pimentel, organizadas por este neoblogueiro, e publicadas pela Niterói Livros [livros@culturaniteroi.com.br ], em 2004, onde se incluiu uma edição parcial, fac-similar, ilustrada, acompanhada de versão em português, hoje desaparecida, de alguns dos seus belos poemas de Namida no Kito, além do hoje clássico Tankas e Haicais, originalmente publicado em 1953. O volume inclui estudos da poética de Pimentel por Sonia Regina Longhi Ninomiya, Lúcia Teixeira, Cyana Leahy e Luiz Fernando Medeiros de Carvalho, além da apresentação deste neoblogueiro.

Um comentário:

Anônimo disse...

Aníbal
Continuo acompanhando suas belas páginas, que são sempre enriquecedoras para quem gosta de Literatura. Pena não ter tempo para ler tudo que você nos incida.
Um abraço da Gracinda.