Rio 28-X-40
Rubens leve, leve como aérea pluma sutil e pequenina.
Bem, agora que te insultei de maneira infinita, lhe respondo. Aceito, faço o prefácio[*], faço tudo o que voces quiserem, exclusivamente só apenas por causa dos quinhentos bagarotes. Mas por favor mande dizer o quê quer, ou o que que o Martins quer. Se trata de uma edição de luxo, pro Natal. De que tamanho, como, com que ar voces querem esse prefácio? Não vejo por onde fazer um prefácio pesado e erudito, mexendo com bibliografia do livro e do autor, pois isso implicaria edição crítica do romance e se trata apenas de edição de luxo. De resto voces não vão ter a inocência de exigirem de mim um prefácio longo e erudito, de aspecto crítico-científico (morra esse bestalhãoissimo-mór que é o (...)[**] com 15 de dias de prazo.
Proponho o seguinte: um prefácio tipo Alain-Thibaudet-à la françoise. Isto é coisa elegante, refinada, em bom estilo, falando do livro, o analisando em referência à época, mas [s]em que as ideias críticas se revistam das “galas” da literatura, duas coisas que quando a gente acaba de ler diz “é uma delícia”. Excusez du peu... Nada pesado. E por aí de umas 6 páginas datilografas com espaço dois, papel tipo almasso ou ço, que não sei como se escreve.
Se é isso que voces querem, me diga, mas, por favor, com rapidez! porque exige mais trabalho e... qualidades pessoais que fazer erudição barata, bibliografismos e coisa parecida. Precisa INSPIRAÇÃOA!!! e preciso ter tempo pra me inspirar. Mande carta registrada, carta expressa que ardo pelos 500 bagarotes. Minha vida está financeiramente medonha e estou cada vez mais querendo voltar pra minha casa. QUERENDO VOLTAR.
O Martins não terá um emprego pra mim?[***] Voce não sabe quem tem um emprego pra mim? Nem que seja de enfermeiro? Aceito tudo, de 600 bagarotes pra cima!!! Aceito tudo, irei, puro ou desgraçado, até a última baixeza mas quero voltar pra minha casa!
Ciao com desespero
Mário
In Rubens Borba de Moraes, Lembrança de Mário de Andrade, 7 cartas. S. Paulo: sem editora, 1979, p. 42-43 (reproduzida aqui com a grafia original da publicação, exceto o que está entre colchetes).
* Para a edição da Livraria Martins Editora, de José de Barros Martins, do livro Memórias de um Sargento de Milícias, de Manuel Antônio de Almeida. Além de ter sido publicado na edição de luxo, de 1941, o prefácio de Mário de Andrade foi incorporado a outras edições da obra, como a da Editora da Universidade de Brasília, de 1963, na Biblioteca Básica Brasileira, esta com texto fixado por Darcy Damasceno.
** Referência, podemos supor, a José Veríssimo, cujo estudo do romance, de 1893, aparece como uma “Introdução Litteraria”, na edição de Memorias de um Sargento de Milicias, de 1900, da casa H. Garnier (Rio de Janeiro e Paris).
*** O grande editor José de Barros Martins, para quem Rubens Borba de Moraes, dirigiu a Biblioteca Histórica Brasileira, viria a tornar-se o editor de Mário de Andrade, juntamente com Graciliano Ramos e Jorge Amado, além de outros grandes nomes da literatura brasileira. Mário de Andrade, que então trabalhava no Rio de Janeiro (dentre outras atividades, foi consultor técnico do Instituto Nacional do Livro), vivia um quase exílio. Em 1941 (março) retornou a S. Paulo. Morreu 5 anos depois.
O título da postagem, rara leitora, não faz parte do original. O livro do bibliógrafo Rubens Borba de Moraes, autor de Livros e bibliotecas no Brasil colonial, inclui um intróito, “O Amigo”, em que o autor faz um excelente memorial de Mário de Andrade (9/10/1893-25/2/1945) e da longa amizade de ambos, com dados saborosos da trajetória existencial do autor de Macunaíma.
Acrescentei as notas acima e destaco ainda, raro leitor, nessa carta duas referências: os apertos financeiros de Mário de Andrade, já então reconhecido como um grande intelectual, que o faz querer urgente fazer um serviço remunerado, e o que diz sobre o trabalho literário: é preciso ter tempo para “baixar” a inspiração. Cada um de nós, raro leitor, pode já ter vivido uma ou duas dessas situações, sem ter (digo por mim) nem de perto a grandeza marioandradina. Cada vez mais raro em nossos tempos pós-modernos - ao contrário das dívidas - viva o ócio criativo!
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domingo, 5 de outubro de 2008
sábado, 10 de maio de 2008
Ler, escrever e contar, de Manoel de Andrade Figueiredo (1670-1735)

A imagem acima foi copiada do excelente livro de Rubens Borba de Moraes, Bibliografia Brasileira do Período Colonial, publicado pelo Instituto de Estudos Brasileiros da USP, com 437 páginas - apesar de tudo os autores nascidos no Brasil, mesmo com as conhecidas dificuldades, publicaram mais do que se pensa antes da implantação da Impressão Régia no Rio de Janeiro, em 1808 - no verbete que registra a obra de Manoel de Andrade Figueiredo, nascido no Espírito Santo, quando seu pai era governador da Capitania, que se tornou mestre-escola em Lisboa, onde viria a falecer.
O livro de Figueiredo, oferecido ao rei D. João V, tinha o título Nova Escola para aprender a Ler, Escrever e Contar, e foi impresso na Oficina de Bernardo da Costa Carvalho, na capital, presumivelmente no ano de 1722, com 156 p. de texto, mais 44 gravuras, sendo considerado o "o primeiro livro no gênero" que se publicou em Portugal.
Segundo Rubens Borba de Moraes, "a Nova Escola é, como indica o título, uma cartilha para aprender a ler, escrever e contar. O que torna o livro famoso e procurado até hoje é o estilo de caligrafia criado por Figueiredo representado nas numerosas pranchas gravadas que enfeitam e ilustram a obra". A frase no cimo da imagem diz "O exercício, e Louvor das Letras, que o mundo acclama tem na nobreza o melhor berço, a que ilustra a fama, por mais sagrado esplendor".
PS.: A edição do IEB-USP foi publicada em 1969, quando o historiador Sérgio Buarque de Holanda era o Chefe do Setor de Pesquisas do Instituto, e só foi possível como se afirma no intróito, graças à "doação de NCr$ 20.000,00 feita por Francisco (Chico) Buarque de Holanda". E não havia ainda Lei Rouanet! Viva Chico!
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