Fui procurar, rara leitora, quando li, consternado, a notícia da morte de Roberto Freire, o meu exemplar de Cléo e Daniel. Queria retomar do texto alguma das emoções profundas que tive ao ler esse belo e triste livro. Encontrei o Coiote, cuja dedicatória me fez retornar aos anos 1970-1980, quando estivemos próximos: “Pro Aníbal, amigo e companheiro de minhas viagens, mais esta que tem jeito de ‘point of no return'. E o abração amigo do ... Niterói, 27/8/86”. Creio que ele aludia ao mergulho no romance, pois que, depois do Cléo e Daniel - um grande sucesso na edição Brasiliense, lembro da capa que eu mais gostava, preta com uma margarida num canto - se dedicou a ensaios e artigos que seriam as bases da somaterapia, a qual criou, segundo penso, a partir de Wilhelm Reich, da gestalt e do anarquismo.
Era, especialmente, um artista, múltiplo. Mas também um médico psicoterapeuta. Com sua coragem, sensibilidade e generosidade fez lançamentos, palestras e workshops na Pasárgada, na Sala Manuel Bandeira, em Niterói, e lá criou um grupo, o qual acompanhou e fez crescer, anarquicamente. Fui beneficiário, direta e indiretamente, desse belo trabalho.
Roberto Freire deixou uma forte presença em muitas áreas e em inúmeras pessoas. Além de discípulos, uma obra de transformação, talvez deslocada num mundo de hoje, onde interioridade e crítica não são cultivadas, a não ser por poucos.
Se não leu, rara leitora, tem mais um motivo de alegria por cultivar a leitura. Busque num sebo um dos livros de Roberto. E viaje com ele nas suas loucuras e iluminações. Sempre chegaremos dessa viagem menos duros, menos certos e mais ricos.
Roberto Freire morreu ontem, sexta-feira, dia 23, com 81 anos, em S. Paulo.
Como epígrafe do livro Coiote, Roberto Freire inseriu esta “mensagem”:
Poetas de amanhã
Walt Whitman
(de Folhas de Relva, tradução de Geir Campos)
Poetas de amanhã: arautos, músicos
cantores de amanhã!
Não é dia de eu me justificar
e dizer ao que vim;
mas vocês, de uma nova geração,
atlética, telúrica, nativa,
maior que qualquer outra conhecida antes
– levantem-se: pois têm de me justificar!
Eu faço apenas escrever
uma ou duas palavras
indicando o futuro!
faço tocar a roda para a frente
apenas um momento
a volto para a sombra
correndo.
Eu sou um homem que, vagando
a esmo, sem de todo parar,
casualmente passa a vista por vocês
e logo desvia o rosto,
deixando assim por conta de vocês
conceituá-lo e prová-lo,
a esperar de vocês
as coisas mais importantes.
Pergunto, raro leitor, quem serão esses poetas, hoje? Certamente estão por aí... onde?
sábado, 24 de maio de 2008
Mais uma nota muito triste: faleceu Robero Freire, autor de Cléo e Daniel
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