E há que escrever, mesmo quando o desalento impera. Escrever é escrever. Falei claro? Se por um lado a gente chia pela obrigação de um artigo diário, por outro lado o processo criativo de um escritor só se engrandece na medida em que ele escreve, contra o cansaço, a depressão, a falta de tempo, a alegria, a esperança. A palavra é esta mesma: contra. Não que o escritor seja contra essas coisas citadas. Não! Escrever é lutar contra todos os estados de espírito pelos quais cada pessoa passa, nesse feixe um tanto esquizofrenizante de escilações temperamentais, ou humorais de que somos constituídos, eternos mutantes do nada, ou seja, de nós próprios.
Escrever é passar por cima de inspirações. É atropelar vacilações, conviver com dúvidas, medos e coragens existenciais. É cavalgar o próprio tédio. É tripular a esperança e a alegria sua e a dos outros tanto quanto as tristezas e os desencantos.
E é escrever. Escrever. Afiar a forma. Desafiar as palavras, excitar-lhes as sutilezas e os mil significados, investigar-lhes as latências. É dar socos na falta de assunto. É aprender a calar, falando e a falar, calando. É enfrentar ditadores, detratores, diz tratores, ou mil elogios. É aceitar – cigarra – que cada edição do jornal só dura 24 horas e o artigo acaba forrando gaiola de melro de mulher bonita e só.
(...)
Escrever é um ato de amor feito tarefa. Compensar. Reparar. Exorcizar o baú de culpas. Vestir de novo a farda do ginásio. Olhar para dentro, implacável. Revolver infâncias e redescobrir adolescências espantadas. E envelhecer do meio para o fim do artigo para renascer no seguinte. É ser bebê chorão e ousar sabedorias de ancião.
Escrever. Escrevinhar. Expor uma tela por dia, sabendo que não entenderão a pressa da feitura, a ânsia do fim, a cor mal colocada.
In Mevitevendo. Crônicas. Rio de Janeiro: Salamandra, 1977, p.
A morte, rara leitora, parece vírus solto que basta um vacilo e ela nos surpreende. Fatal. Vai nos empobrecendo quando ceifa os amigos ou aqueles que, sem o ser, são presença estimada em nossa vida, como Artur da Távola (Paulo Alberto Moretzsohn Monteiro de Barros).
Um belo escritor, um ser humano de grande amplitude, um cronista sensível, político digno (raridade!), um jornalista combativo e atualmente o responsável por nos fazer ouvir, com prazer, a Rádio Roquete Pinto. Estudioso e amante da obra musical dos grandes clássicos, da bossa nova, um divulgador de experiências de beleza. Sua obra ficará. Sua vida será lembrada por muito tempo. Assim como a crônica acima, cujo destino poderia ser forrar gaiola de passarinho, foi para o livro de imenso sucesso e está aqui, diante de mim, registrando minha tristeza e saudade.
PS: Ontem – Dora, querida amiga, me lembrou – completaram-se 9 anos que Geir Campos se encantou. Vamos relembrar, reler, raro leitor:
Tarefa
Morder o fruto amargo e não cuspir
mas avisar aos outros quanto é amargo,
cumprir o trato injusto e não falhar
mas avisar aos outros quanto é injusto,
sofrer o esquema falso e não ceder
mas avisar aos outros quanto é falso;
dizer também que são coisas mutáveis...
E quando em muitos a noção pulsar
– do amargo e injusto e falso por mudar –
então confiar à gente exausta o plano
de um mundo novo e muito mais humano.
In Antologia poética, org. por Israel Pedrosa. Rio de Janeiro: Leo Christiano, 2003, p. 89-90.
Saiba mais sobre Geir Campos e sua obra literária. Acesse:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Geir_campos
Antes de nos despedirmos, rara leitora, permitamo-nos alegria: hoje à noite Jourdan Amóra, jornalista atuante há décadas em Niterói, com uma bela trajetória de lutas pela cidade, alma e corpo de dois jornais, A Tribuna e Jornal de Icaraí, irá comemorar seus 70 anos. Viva!
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2 comentários:
rabéns!!!Um blog recheado de cultura , de bons textos que nos levam à reflexão!!! Muito bom, voltarei outras vezes.Vim te convidar para conhecer o Compartilhando as letras,sua visita me dará muita honra!!!!
NEsse blog a gente respira cultura e boa informação!!!! Vc está de parabéns!!!!!!
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