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domingo, 5 de outubro de 2008

Mário de Andrade: Carta sobre o prefácio para Memórias de um Sargento de Milícias

Rio 28-X-40

Rubens leve, leve como aérea pluma sutil e pequenina.

Bem, agora que te insultei de maneira infinita, lhe respondo. Aceito, faço o prefácio[*], faço tudo o que voces quiserem, exclusivamente só apenas por causa dos quinhentos bagarotes. Mas por favor mande dizer o quê quer, ou o que que o Martins quer. Se trata de uma edição de luxo, pro Natal. De que tamanho, como, com que ar voces querem esse prefácio? Não vejo por onde fazer um prefácio pesado e erudito, mexendo com bibliografia do livro e do autor, pois isso implicaria edição crítica do romance e se trata apenas de edição de luxo. De resto voces não vão ter a inocência de exigirem de mim um prefácio longo e erudito, de aspecto crítico-científico (morra esse bestalhãoissimo-mór que é o (...)[**] com 15 de dias de prazo.

Proponho o seguinte: um prefácio tipo Alain-Thibaudet-à la françoise. Isto é coisa elegante, refinada, em bom estilo, falando do livro, o analisando em referência à época, mas [s]em que as ideias críticas se revistam das “galas” da literatura, duas coisas que quando a gente acaba de ler diz “é uma delícia”. Excusez du peu... Nada pesado. E por aí de umas 6 páginas datilografas com espaço dois, papel tipo almasso ou ço, que não sei como se escreve.

Se é isso que voces querem, me diga, mas, por favor, com rapidez! porque exige mais trabalho e... qualidades pessoais que fazer erudição barata, bibliografismos e coisa parecida. Precisa INSPIRAÇÃOA!!! e preciso ter tempo pra me inspirar. Mande carta registrada, carta expressa que ardo pelos 500 bagarotes. Minha vida está financeiramente medonha e estou cada vez mais querendo voltar pra minha casa. QUERENDO VOLTAR.

O Martins não terá um emprego pra mim?[***] Voce não sabe quem tem um emprego pra mim? Nem que seja de enfermeiro? Aceito tudo, de 600 bagarotes pra cima!!! Aceito tudo, irei, puro ou desgraçado, até a última baixeza mas quero voltar pra minha casa!

Ciao com desespero

Mário

In Rubens Borba de Moraes, Lembrança de Mário de Andrade, 7 cartas. S. Paulo: sem editora, 1979, p. 42-43 (reproduzida aqui com a grafia original da publicação, exceto o que está entre colchetes).

* Para a edição da Livraria Martins Editora, de José de Barros Martins, do livro Memórias de um Sargento de Milícias, de Manuel Antônio de Almeida. Além de ter sido publicado na edição de luxo, de 1941, o prefácio de Mário de Andrade foi incorporado a outras edições da obra, como a da Editora da Universidade de Brasília, de 1963, na Biblioteca Básica Brasileira, esta com texto fixado por Darcy Damasceno.

** Referência, podemos supor, a José Veríssimo, cujo estudo do romance, de 1893, aparece como uma “Introdução Litteraria”, na edição de Memorias de um Sargento de Milicias, de 1900, da casa H. Garnier (Rio de Janeiro e Paris).

*** O grande editor José de Barros Martins, para quem Rubens Borba de Moraes, dirigiu a Biblioteca Histórica Brasileira, viria a tornar-se o editor de Mário de Andrade, juntamente com Graciliano Ramos e Jorge Amado, além de outros grandes nomes da literatura brasileira. Mário de Andrade, que então trabalhava no Rio de Janeiro (dentre outras atividades, foi consultor técnico do Instituto Nacional do Livro), vivia um quase exílio. Em 1941 (março) retornou a S. Paulo. Morreu 5 anos depois.

O título da postagem, rara leitora, não faz parte do original. O livro do bibliógrafo Rubens Borba de Moraes, autor de Livros e bibliotecas no Brasil colonial, inclui um intróito, “O Amigo”, em que o autor faz um excelente memorial de Mário de Andrade (9/10/1893-25/2/1945) e da longa amizade de ambos, com dados saborosos da trajetória existencial do autor de Macunaíma.

Acrescentei as notas acima e destaco ainda, raro leitor, nessa carta duas referências: os apertos financeiros de Mário de Andrade, já então reconhecido como um grande intelectual, que o faz querer urgente fazer um serviço remunerado, e o que diz sobre o trabalho literário: é preciso ter tempo para “baixar” a inspiração. Cada um de nós, raro leitor, pode já ter vivido uma ou duas dessas situações, sem ter (digo por mim) nem de perto a grandeza marioandradina. Cada vez mais raro em nossos tempos pós-modernos - ao contrário das dívidas - viva o ócio criativo!

domingo, 6 de julho de 2008

Luís Antônio Pimentel: Homenagem do Japão entregue na Assembléia Legislativa




Luís Antônio Pimentel recebe o Diploma de Honra ao Mérito em bela cerimônia na Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro. A seguir, cópia do diploma, onde se lê em japonês, o que foi traduzido como "Ao Sr. Luís Antônio Pimentel. Vossa Senhoria, ao longo de muitos anos, tem dedicado seus esforços para a promoção das relações de amizade entre o Japão e o Brasil. Em reconhecimento a sua inestimável contribuição, concedo a Vossa Senhoria o presente Diploma, com profundo respeito, neste Ano do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil e do Ano de Intercâmbio Japão-Brasil. 18 de junho de 2008. Masahiko Koumura, Ministro dos Negócios Estrangeiros do Japão. Abaixo, Pimentel, feliz à saída do Palácio Tiradentes, após a cerimônia realizada no último dia 30 de junho.
Fotos de Ricardo Hallais Walsh. Direitos reservados.



Luís Antônio Pimentel, 96, autor de Contos do velho Nipon, Namida no Kito, Tankas e Haicais, dentre outros livros, jornalista atuante na imprensa fluminense até hoje – mantém em A Tribuna e no Jornal de Icaraí a seção semanal Artes Fluminenses –, viveu no Japão durante 5 anos, de 1937 a 1942, para onde foi, com outro jovem, carioca, como os primeiros estudantes brasileiros que lá estudaram com bolsa do governo japonês. Tornou-se um apaixonado pela cultura japonesa e grande divulgador especialmente da sua literatura em nosso país.

Neste Ano de Intercâmbio Japão-Brasil, quando se comemoram os 100 anos da imigração japonesa no Brasil, o trabalho incansável de Pimentel finalmente foi lembrado pelos governos. Foi agraciado com a Medalha do Centenário da Imigração Japonesa no Brasil, instituída pelo Decreto 6.474/08, da Presidência da República, e também pelo governo do Japão, que lhe fez entregar, através do Consulado Geral do Japão no Rio de Janeiro, um Diploma de Honra ao Mérito, assinado pelo senhor Masahiko Koumura, Ministro dos Negócios Estrangeiros do Japão. Não estarão alheios, certamente, a esse duplo reconhecimento os senhores Sonia e Masato Ninomyia, figuras de destaque nas relações culturais entre os dois países.

A entrega deu-se em bela cerimônia ocorrida na Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, no Palácio Tiradentes, no último dia 30 de junho.

Para saber melhor como foi essa cerimônia, acesse o álbum de fotografias de Ricardo Hallais Walsh, aqui:
http://picasaweb.google.com/anibalbraganca/LuSAntNioPimentelHomenagemDoJapONoAnoDoCentenRioDaImigraAOJaponesaNoBrasi

Para conhecer o e-grupo Luís Antônio Pimentel, vida e obra, (em construção) acesse:
http://groups.google.com/group/luis-antonio-pimentel?hl=pt-BR

Para saber mais da obra de Luís Antônio Pimentel, leia Obras Reunidas, organizadas por este blogueiro, em 3 volumes, editadas pela Niterói Livros, em 2004. O mais recente livro de Pimentel, Haicais onomásticos, foi lançado em 2007 pela NitPress. Ambos podem ser solicitados à Livraria Ideal, em Niterói, telefone 55-21-2620-7361.

sábado, 24 de maio de 2008

Mais uma nota muito triste: faleceu Robero Freire, autor de Cléo e Daniel

Fui procurar, rara leitora, quando li, consternado, a notícia da morte de Roberto Freire, o meu exemplar de Cléo e Daniel. Queria retomar do texto alguma das emoções profundas que tive ao ler esse belo e triste livro. Encontrei o Coiote, cuja dedicatória me fez retornar aos anos 1970-1980, quando estivemos próximos: “Pro Aníbal, amigo e companheiro de minhas viagens, mais esta que tem jeito de ‘point of no return'. E o abração amigo do ... Niterói, 27/8/86”. Creio que ele aludia ao mergulho no romance, pois que, depois do Cléo e Daniel - um grande sucesso na edição Brasiliense, lembro da capa que eu mais gostava, preta com uma margarida num canto - se dedicou a ensaios e artigos que seriam as bases da somaterapia, a qual criou, segundo penso, a partir de Wilhelm Reich, da gestalt e do anarquismo.

Era, especialmente, um artista, múltiplo. Mas também um médico psicoterapeuta. Com sua coragem, sensibilidade e generosidade fez lançamentos, palestras e workshops na Pasárgada, na Sala Manuel Bandeira, em Niterói, e lá criou um grupo, o qual acompanhou e fez crescer, anarquicamente. Fui beneficiário, direta e indiretamente, desse belo trabalho.

Roberto Freire deixou uma forte presença em muitas áreas e em inúmeras pessoas. Além de discípulos, uma obra de transformação, talvez deslocada num mundo de hoje, onde interioridade e crítica não são cultivadas, a não ser por poucos.

Se não leu, rara leitora, tem mais um motivo de alegria por cultivar a leitura. Busque num sebo um dos livros de Roberto. E viaje com ele nas suas loucuras e iluminações. Sempre chegaremos dessa viagem menos duros, menos certos e mais ricos.

Roberto Freire morreu ontem, sexta-feira, dia 23, com 81 anos, em S. Paulo.

Como epígrafe do livro Coiote, Roberto Freire inseriu esta “mensagem”:


Poetas de amanhã
Walt Whitman
(de Folhas de Relva, tradução de Geir Campos)

Poetas de amanhã: arautos, músicos
cantores de amanhã!
Não é dia de eu me justificar
e dizer ao que vim;
mas vocês, de uma nova geração,
atlética, telúrica, nativa,
maior que qualquer outra conhecida antes
– levantem-se: pois têm de me justificar!

Eu faço apenas escrever
uma ou duas palavras
indicando o futuro!
faço tocar a roda para a frente
apenas um momento
a volto para a sombra
correndo.

Eu sou um homem que, vagando
a esmo, sem de todo parar,
casualmente passa a vista por vocês
e logo desvia o rosto,
deixando assim por conta de vocês
conceituá-lo e prová-lo,
a esperar de vocês
as coisas mais importantes.

Pergunto, raro leitor, quem serão esses poetas, hoje? Certamente estão por aí... onde?

sábado, 3 de maio de 2008

As quatro estações, haicais inéditos de Luís Antônio Pimentel

Triste, a rosa em pranto,
deixa pétalas de lágrimas
em torno da jarra.


Calor. Meio-dia.
Enrodilhadas nas árvores,
serpentes de sombra.


Um vento infantil
se distrai varrendo as folhas
de um velho jardim.


Os dias se encolhem.
As praias estão desertas.
As manhãs são tristes.


Para saber mais:

Sobre a poética do Japão, leia:

Luís Antônio Pimentel. “A poesia e suas demandas”, in Poesia Sempre, v. 17, ano 10, Fundação Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, dezembro de 2002, p. 11-19.

Leia também:

Luís Antônio Pimentel. Contos do velho Nipon – 12 dias com Leviana – Tankas e haicais. Prosa e poesia reunidas, org. de Aníbal Bragança. Niterói: Niterói Livros, 2004. Série Obras Reunidas, v. 2,

terça-feira, 25 de março de 2008

Xavier Placer, 1916, encantou-se



Logo cedo Carlos Mônaco deu a notícia triste. Xavier Placer ficara livre dos sofrimentos terrenos que o acometiam há meses e, ontem, partira. Deixou-nos sua obra e a imagem de homem letrado, digno, avesso a badalações, sério. Deixou um romance inédito.

Membro das Academias Niteroiense e Fluminense de Letras. Foi professor universitário (Uni-Rio) e bibliotecário (Biblioteca Nacional). Dedicava-se à escritura e à leitura em sua bela casa de Pendotiba, onde vivia com a esposa, Da. Margarida.Ultimamente saía de casa por poucos motivos. Ir a livrarias, inclusive à Ideal, um deles.

Deixará vazio um lugar difícil de preencher na vida literária niteroiense. Sua obra e sua vida podem ser um farol para guiar vocações, neste tempo em que o homem letrado não é mais grande aspiração. Coisa para raros.

Rara leitora, convido-a a conhecer um naco da obra de Xavier Placer:


O geômetra



A Flávio & Celio (Moreira Placer)

1
Grande é a noite! Cabem nela
Nebulosas cabe o mar
Ecos coitos e aquela
Desrazão, a do sonhar
A mim, que o caos habitava
Mais me apraz a claridade:
Caçador, ao ombro a aljava
Avançar com agilidade
Colho de pronto evidências
Plurais. Porém as essências
Distingo-as em seu lugar
Colho palavras ao ouvido
Separo cada sentido
Oh volúpia de pensar!

In O geômetra. Niterói: Letras fluminenses, 1992, p. 9


Palavras

Voz, vocábulo, verbo – palavras! Palavras, criaturas vivas. Vivíssimas criaturas. Como as flores, os pássaros, os homens.

Palavras – umas toscas, obscuras, escravas nascidas para os humildes ofícios, dóceis a um gesto; outras, orgulhosas, esbeltas, sugestivas – jovens aloucadas que se esquivam quando lhes acenamos e vêm quando as quiséramos distantes... Aquelas têm o ar nostálgico do adeus, do aperto de mão nas despedidas; estas, a gravidade das sentenças – palavras dos lábios de Ariel, aladas palavras, e pragas de Calibã, com pés de chumbo.

E as que arrebataram ao arco-íris as mais belas tintas? Não se criaram no chão limoso das cavernas tantas outras? Odores esquisitos evolam-se das sílabas de algumas; algumas são cerradas, enxutas, solteironas.

Quantas são feitas de aurora e mel, em oposição a est’outras – negras, espessas, duras, de granito. Amoráveis palavras que têm o polimento dos seixos; e facetadas, espelhantes – cristais partindo-se ou risadas felizes – plásticas e móveis palavras, flamas batidas pelo vento – ardentes e inquietas. As que dizem demais e as que não dizem nada; as companheiras da solidão, dos altos pensamentos, das confissões patéticas. E as que gritam, que rugem e precipitam no céu ou levam ao abismo!
In O navegador solitário. Rio de Janeiro: Margem, 1956, p. 9-10.

Leia mais:
O último livro publicado de Xavier Placer, Poemas, pela Thesaurus Editora, de Brasília, Coleção Livro na Rua, v. 29, disponível para ler e baixar:
Acesse o sítio virtual de Antônio Miranda
http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/rio_de_janeiro/xavier%20_placer.html

Leia também:

"Xavier Placer. Bibliotecário e escritor. Bibliografia publicada", organizada por Aníbal Bragança
"Literatura de cordel", artigo de Xavier Placer, do livro Imagens da Cidade, 1952.
In Arquivos do E-grupo Cultura Letrada, acesse:
http://groups.google.com/group/cultura-letrada/files
Veja outras fotos de Xavier Placer em:
Da fortuna crítica:

Sobre Xavier Placer, escreveu Otto Maria Carpeaux na apresentação do livro Imagens da cidade:

(...) Chegaram-me de Niterói os originais das Imagens da Cidade, obra de quem já é conhecido como poeta da ficção, tão poeta que não precisa ter receio de escrever em prosa.

Poeta, Xavier Placer é; mas certamente não é poeta no sentido vulgar da palavra. Não é um exaltado que vive em raptos de imaginação meio divina, meio maluca; tampouco uma cabeleira desesperada, candidato permanente ao suicídio. Não é romântico. Muitos menos é burguês disfarçado de romântico. É trabalhador consciencioso. Não improvisa. Não admite a eloqüência fácil. Escreve estilo depurado, dir-se-ia destilado, estilo de essências que mais esconde do que revela os sentimentos subjetivos. Se tem medo de alguma coisa, então será o medo de despir sua alma. Mas sabe revelar as almas das coisas e das casas; as almas das criaturas e das ruas; a alma da cidade.

Não acredito cometer uma indiscreção ao citar os dois poetas que o próprio autor das Imagens da Cidade considera como seus modelos: Aloysius Bertrand e Baudelaire, o Baudelaire do Spleen de Paris. São os criadores do poema em prosa. Mas não criaram o assunto. (...)

O Rio de Janeiro que existe dentro deste livro não é apenas a cidade maior e mais típica do Brasil; é a imagem fiel de todas as cidades brasileiras, sobretudo das provincianas e inclusive do Rio de Janeiro provinciano que já se foi. É, talvez, a imagem de todas as cidades provincianas do mundo cujo provincianismo está agonizando. (...)


Contudo, a poesia não admite as generalidades; uma suprema lei lhe manda ficar, sempre, concreta. Daí nosso autor não inventou uma cidade nas nuvens. Seu Rio de Janeiro existe. Até Niterói existe. Voltamos para a terra, ou antes, para as águas onipresentes desta nossa terra. A paisagem inconfundível das Imagens da Cidade é a baía de Guanabara.
(...)


Muitas vezes já repeti, para mim, essa confissão comovida. Hoje também, num domingo longe da Guanabara e das suas belezas tantas vezes cantadas com acentos tão falsos, digo aquelas palavras, de olhos fechados para ver, para ver as imagens da cidade. Nunca mais as esquecerei, enquanto esses olhos não se fecharem para sempre. Carioca como sou, não admitindo a independência de Niterói, anexei para a minha cidade o autor das Imagens da Cidade, meu amigo Xavier Placer. (...)