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terça-feira, 25 de março de 2008

Xavier Placer, 1916, encantou-se



Logo cedo Carlos Mônaco deu a notícia triste. Xavier Placer ficara livre dos sofrimentos terrenos que o acometiam há meses e, ontem, partira. Deixou-nos sua obra e a imagem de homem letrado, digno, avesso a badalações, sério. Deixou um romance inédito.

Membro das Academias Niteroiense e Fluminense de Letras. Foi professor universitário (Uni-Rio) e bibliotecário (Biblioteca Nacional). Dedicava-se à escritura e à leitura em sua bela casa de Pendotiba, onde vivia com a esposa, Da. Margarida.Ultimamente saía de casa por poucos motivos. Ir a livrarias, inclusive à Ideal, um deles.

Deixará vazio um lugar difícil de preencher na vida literária niteroiense. Sua obra e sua vida podem ser um farol para guiar vocações, neste tempo em que o homem letrado não é mais grande aspiração. Coisa para raros.

Rara leitora, convido-a a conhecer um naco da obra de Xavier Placer:


O geômetra



A Flávio & Celio (Moreira Placer)

1
Grande é a noite! Cabem nela
Nebulosas cabe o mar
Ecos coitos e aquela
Desrazão, a do sonhar
A mim, que o caos habitava
Mais me apraz a claridade:
Caçador, ao ombro a aljava
Avançar com agilidade
Colho de pronto evidências
Plurais. Porém as essências
Distingo-as em seu lugar
Colho palavras ao ouvido
Separo cada sentido
Oh volúpia de pensar!

In O geômetra. Niterói: Letras fluminenses, 1992, p. 9


Palavras

Voz, vocábulo, verbo – palavras! Palavras, criaturas vivas. Vivíssimas criaturas. Como as flores, os pássaros, os homens.

Palavras – umas toscas, obscuras, escravas nascidas para os humildes ofícios, dóceis a um gesto; outras, orgulhosas, esbeltas, sugestivas – jovens aloucadas que se esquivam quando lhes acenamos e vêm quando as quiséramos distantes... Aquelas têm o ar nostálgico do adeus, do aperto de mão nas despedidas; estas, a gravidade das sentenças – palavras dos lábios de Ariel, aladas palavras, e pragas de Calibã, com pés de chumbo.

E as que arrebataram ao arco-íris as mais belas tintas? Não se criaram no chão limoso das cavernas tantas outras? Odores esquisitos evolam-se das sílabas de algumas; algumas são cerradas, enxutas, solteironas.

Quantas são feitas de aurora e mel, em oposição a est’outras – negras, espessas, duras, de granito. Amoráveis palavras que têm o polimento dos seixos; e facetadas, espelhantes – cristais partindo-se ou risadas felizes – plásticas e móveis palavras, flamas batidas pelo vento – ardentes e inquietas. As que dizem demais e as que não dizem nada; as companheiras da solidão, dos altos pensamentos, das confissões patéticas. E as que gritam, que rugem e precipitam no céu ou levam ao abismo!
In O navegador solitário. Rio de Janeiro: Margem, 1956, p. 9-10.

Leia mais:
O último livro publicado de Xavier Placer, Poemas, pela Thesaurus Editora, de Brasília, Coleção Livro na Rua, v. 29, disponível para ler e baixar:
Acesse o sítio virtual de Antônio Miranda
http://www.antoniomiranda.com.br/poesia_brasis/rio_de_janeiro/xavier%20_placer.html

Leia também:

"Xavier Placer. Bibliotecário e escritor. Bibliografia publicada", organizada por Aníbal Bragança
"Literatura de cordel", artigo de Xavier Placer, do livro Imagens da Cidade, 1952.
In Arquivos do E-grupo Cultura Letrada, acesse:
http://groups.google.com/group/cultura-letrada/files
Veja outras fotos de Xavier Placer em:
Da fortuna crítica:

Sobre Xavier Placer, escreveu Otto Maria Carpeaux na apresentação do livro Imagens da cidade:

(...) Chegaram-me de Niterói os originais das Imagens da Cidade, obra de quem já é conhecido como poeta da ficção, tão poeta que não precisa ter receio de escrever em prosa.

Poeta, Xavier Placer é; mas certamente não é poeta no sentido vulgar da palavra. Não é um exaltado que vive em raptos de imaginação meio divina, meio maluca; tampouco uma cabeleira desesperada, candidato permanente ao suicídio. Não é romântico. Muitos menos é burguês disfarçado de romântico. É trabalhador consciencioso. Não improvisa. Não admite a eloqüência fácil. Escreve estilo depurado, dir-se-ia destilado, estilo de essências que mais esconde do que revela os sentimentos subjetivos. Se tem medo de alguma coisa, então será o medo de despir sua alma. Mas sabe revelar as almas das coisas e das casas; as almas das criaturas e das ruas; a alma da cidade.

Não acredito cometer uma indiscreção ao citar os dois poetas que o próprio autor das Imagens da Cidade considera como seus modelos: Aloysius Bertrand e Baudelaire, o Baudelaire do Spleen de Paris. São os criadores do poema em prosa. Mas não criaram o assunto. (...)

O Rio de Janeiro que existe dentro deste livro não é apenas a cidade maior e mais típica do Brasil; é a imagem fiel de todas as cidades brasileiras, sobretudo das provincianas e inclusive do Rio de Janeiro provinciano que já se foi. É, talvez, a imagem de todas as cidades provincianas do mundo cujo provincianismo está agonizando. (...)


Contudo, a poesia não admite as generalidades; uma suprema lei lhe manda ficar, sempre, concreta. Daí nosso autor não inventou uma cidade nas nuvens. Seu Rio de Janeiro existe. Até Niterói existe. Voltamos para a terra, ou antes, para as águas onipresentes desta nossa terra. A paisagem inconfundível das Imagens da Cidade é a baía de Guanabara.
(...)


Muitas vezes já repeti, para mim, essa confissão comovida. Hoje também, num domingo longe da Guanabara e das suas belezas tantas vezes cantadas com acentos tão falsos, digo aquelas palavras, de olhos fechados para ver, para ver as imagens da cidade. Nunca mais as esquecerei, enquanto esses olhos não se fecharem para sempre. Carioca como sou, não admitindo a independência de Niterói, anexei para a minha cidade o autor das Imagens da Cidade, meu amigo Xavier Placer. (...)

quinta-feira, 26 de abril de 2007

Alberto de Oliveira, 150 anos de nascimento

Para lembrar o grande poeta brasileiro nascido no dia 28 de abril de 1857, em Palmital de Saquarema (atual Saquarema)-RJ, e que faleceu em Niterói-RJ há 70 anos (19 de janeiro de 1937), oferecemos a você, rara e raro leitor, alguns de seus poemas.

Única

Estás a ler meu livro, e é bem que exprimas
Certo pesar... Nem uma vez, nem uma
O teu nome estas páginas perfuma!
E outros há por aí por títulos e rimas.

“Quem são essas que vêm de estranhos climas,
De idades mortas, da salgada espuma
Do mar, da Grécia, de teu sonho, em suma,
Que mais que a mim tens celebrado e estimas?”

Dirás. E o livro, se meu ser traslada,
Se o fiz de modo tal que me traduza,
Contas dará de quanto em si contém;

Saberá responder que és sempre amada,
Que nele estás, pois foste a sua musa,
E essas mulheres só de ti provêm.

Lendo os antigos

Vamos reler Teócrito, senhora,
Ou, se lhe apraz, de Teos o citaredo;
Olhe a verdura aqui deste arvoredo
À beira da água... E o sol que desce agora.

Lécio, o pastor, nesta colina mora,
Onde as cabras ordenha. Este silvedo
Guarda de Umbrano à flauta a voz canora,
Como este arbusto a Titiro o segredo.

Esta água... Olhe, porém, como é tão pura
Esta água! O chão de nítidas areias,
Plano, igualado, límpido fulgura;

E tão claro é o cristal que, abrindo o louro
Cabelo, em grupo trêmulas sereias
Se vêem lá em baixo neste fundo de ouro.


A um poeta

Não têm teus versos, agora
Que se foi teu claro dia,
O ímpeto, o fogo, a harmonia
De outrora.

A idéia, porém, mais pura,
A idéia aos poucos nascida
De observar a Dora e a vida,
Fulgura.

Assim, posto o sol, os rios
Não são mais como eram dantes;
Tornam-se, em vez de brilhantes,
Sombrios.

Mas da noite o céu, com os mundos
Acesos, na água a feri-los,
Torna-os mais, sobre tranqüilos,
Profundos...


De Notas de um veranista

7 de fevereiro
O meu último pensamento
Ontem, antes de adormecer,
Não foram nem podiam ser
Os morangos que nos serviu o hotel sempre avarento.

Não foram dessa guerra assombros
Que se contam descomunais;
Eu hoje dou a tudo de ombros,
Pouco me importam paz ou guerra, e não leio jornais.

O meu último pensamento,
Fique bem anotado aqui,
Foi ela, o meu doce tormento:
Vinte vezes disse o seu nome – Élena – e adormeci.

Lira quebrada

Tomando-a onde a deixei dependurada ao vento,
Sinto não ser mais esta a lira de outros dias,
Em que, somente a amor votado o pensamento,
Livre e acaso feliz, a descansar me ouvias.

Quebrada vem. Rouqueja apenas um lamento;
As rosas com que, ó Musa, inda há pouco a vestias,
Fanam-se nos festões, soltam-se em desalento,
Vão-se. Ironia ou dor crispa-lhe as cordas frias.

Mas inda assim lhe escuto um resquício de notas
Perpassar a gemer, corre-lhe as fibras rotas
O fantasma do som que a alma um dia lhe encheu:

Como de um velho sino o bronze espedaçado
Guarda em cada fragmento o fragmento de um brado,
O eco de um hino, a voz de um canto que morreu...

Esta recolha foi feita na seleção feita por Geir Campos no volume que preparou para a série Nossos Clássicos e ainda no livro Lírica, ambos abaixo referidos.

Da crítica, sobre Alberto de Oliveira:

“Houve quem visse nele um clássico. Outros, um romântico. A maioria – historiógrafos da Literatura – cataloga-o parnasiano, uma das três pessoas da famosíssima trindade: Bilac-Alberto-Raimundo.

Na figura do escritor como na obra pode-se encontrar parcelas de tudo isso. O homem era grande e sólido, vestia com apuro, postura e palavra de Mestre que, a partir de 1924, prestigiava o título de Príncipe dos Poetas Brasileiros. Este é, pela busca do belo e preocupação formal, classicizante; pela paixão e entusiasmo, contidos mas presentes, romântico; pela adesão à Idéia Nova, desde a primeira hora, e a plasticidade da obra que realizaria, parnasiano.”

Da apresentação de Xavier Placer em Lírica, de Alberto de Oliveira, seleção de Nilo Aparecida Pinto, Rio de Janeiro: S. José, 1971.

“O que o lia o poeta eram ‘os gongóricos e árcades portugueses dos séculos XVII e XVIII, em que era muito versado’, como depõe Manuel Bandeira (...). Embora na ocasião [das lutas pela causa abolicionista] não arredasse pé da sua chácara em Niterói, naturalmente o poeta tomou conhecimento da vitória republicana – pois foi com a ascensão de José Tomás da Porciúncula à presidência do Estado do Rio que ele se viu nomeado oficial de gabinete e, pouco depois, Diretor da Instrução Pública estadual, cargo que deixou em 1897 (...)

A única luta em que tomou parte Alberto de Oliveira foi a chamada “batalha do Parnaso”, tendo como trincheiras as colunas do Diário do Rio de Janeiro, com escaramuças versificadas contra o pieguismo dos últimos românticos; (...) E é A. de O. que esclarece: - ‘o que houve entre nós foi a reação contra o romantismo dos últimos tempos, descorado e flácido, o restabelecimento das boas normas de escrever versos, um protesto contra o enxovalho da língua, um esforço para mostrar, qual não se via, opulenta e nobre, uma cruzada em prol do bom gosto e em favor da arte’.”

Da apresentação de Geir Campos a Alberto de Oliveira, Poesia. Org. de Geir Campos, coleção Nossos Clássicos, v. 32, Agir, Rio de Janeiro, 1969, 2a. ed.