quinta-feira, 29 de março de 2007

Philobiblon, de Richard de Bury (1287-1345)

A notícia de nossa paixão pelos livros, sobretudo pelos antigos, se espalhou rapidamente e se difundiu a idéia de que se poderia ganhar nosso favor mais facilmente por meio de manuscritos do que por meio do dinheiro.

E graças àquele príncipe de memória prodigiosa, que nos outorgou o poder de rechaçar aos grandes ou aos pequenos, aconteceu que, em vez de presentes e dotes suntuosos, nos ofereciam abundantes cadernos imundos, manuscritos decrépitos e coisas semelhantes, que eram, tanto para nossos olhos quanto para nosso coração, o mais precioso dos presentes.

Diante de nós se abriram as portas das bibliotecas dos mais renomados mosteiros, os cofres se colocaram à nossa disposição e cestos cheios de livros se esvaziaram a nossos pés. Os volumes por tanto tempo esquecidos despertavam assombrados, já que jaziam nos cantos mais escuros das propriedades. Os mais belos textos antigos se encontravam, todos, em um estado miserável, cobertos de dejetos de ratos e semidestruídos pelas traças. Os livros, recobertos em outros tempos de púrpura ou linho e hoje completamente abandonados, deixados em um destino aziago, pareciam ter-se convertido em moradas de ratazanas.

Apesar disso, encontramos neles o objeto e consolo de nosso amor, e tivemos nessa época tão luminosa mais prazer do que um médico por vocação teria ao cuidar e salvar seus doentes. Desta maneira vieram parar em nossas mãos os sagrados receptáculos das ciências, fossem eles na forma de presente, fossem eles comprados ou, ainda, fossem eles apenas emprestados por algum tempo.

Excerto do capítulo VIII “Das muitas oportunidades que se apresentaram ao autor para adquirir livros”, do livro Philobiblon – Mui interessante tratado sobre o amor aos livros, escrito em 1344 pelo reverendo Richard de Bury, bispo de Durhan e chanceler do rei inglês Eduardo III, segundo a tradução de Marcello Rollemberg, publicada pela Ateliê Editorial em 2004 (p. 84-85).
http://www.atelie.com.br/

Este é considerado primeiro tratado de bibliofilia. Escrito originalmente em latim, havia sido traduzido em outras línguas, mas até 2004 permaneceu inacessível em nosso idioma. Por quê?
O preenchimento dessa lacuna em nossa bibliografia sobre livros se deveu à sensibilidade e ao faro de Plínio Martins Filho, um notável editor, e ao amor pelos livros do poeta e tradutor Marcello Rollemberg. A eles, o mérito. A nós, o deleite.

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